Ter um restaurante faz parte da lista de sonhos de muitas pessoas. Mas encontrar o espaço certo, ter dinheiro para tudo o que for necessário, além de saber gerir o negócio para que não feche as portas ao fim de pouco tempo, são alguns dos entraves que fazem com continue a ser uma ilusão para muitos. Em Bruxelas, na Bélgica, há uma incubadora que tem como objectivo colmatar este problema e ajudar quem pretende iniciar-se no ramo da restauração, isto depois de a cidade ter sofrido um grande abalo no comércio com a queda abrupta do turismo após os atentados de 2016.

Chama-se Kokotte e é um restaurante pop-up. Criado para incentivar e desenvolver novos conceitos de restauração, esta incubadora horeca (abreviatura para hotelaria, restauração, cafetaria/catering) ajuda a implementar as ideias de jovens empreendedores.

O Kokotte insere-se num projecto maior, o Smart Retail City Lab, criado depois dos atentados em Bruxelas, em 2016. Na altura, as explosões no aeroporto e no metropolitano causaram a morte a 32 pessoas, ferindo centenas e mudando completamente a dinâmica da cidade. Os turistas desapareceram e o comércio sofreu muito com essa mudança, levando ao encerramento de muitas lojas, sobretudo no centro da cidade. Uma vez que a situação não melhorava, com o apoio da região de Bruxelas e da Comissão Europeia desenvolveu-se este projecto, que quis responder à questão “o que temos de fazer para tornar o negócio do retalho mais inteligente nas nossas cidades”. Nasceram daí várias ideias e projectos, como um concurso que envolveu a população da cidade na apresentação de soluções para desenvolver e dinamizar o bairro em que viviam; a criação de uma loja pop-up para o retalho e, mais recentemente, o Kokotte, o restaurante pop-up.

Em vez de investir em campanhas de promoção de Bruxelas, atraindo mais turismo para uma cidade que estava com tantas portas fechadas, optou-se por canalizar o dinheiro para investir na própria cidade, nas pessoas que nela habitam e nas ideias que apresentaram para a melhorar. A Comissão Europeia contribuiu com 1,2 milhões de euros através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e o Smart Retail City Lab não quer ficar por aqui, estando disponível para conhecer e disseminar boas práticas nesta área, através da troca de ideias e experiências com outras cidades, de outros países.

No caso desta incubadora, decidiram construir um restaurante todo equipado, com uma cozinha profissional, que permite que, durante quatro meses, quem se tenha candidatado a este projecto e tiver sido aprovado possa desenvolver a sua ideia, na vida real e de portas abertas. Com 72 metros quadrados e uma decoração modular, adaptável a cada conceito (sobretudo ao nível das paredes), mas já com mesas e cadeiras previamente instaladas, os empreendedores têm assim tudo o que necessitam para começar o seu negócio, além de apoio de mentoria, formação e coaching, ao longo do tempo, e que passa por áreas tão diversas como a restauração, segurança alimentar, economia circular, relações públicas ou marketing, por exemplo.

Localizado bem no centro de Bruxelas, ao lado da Grand-Place, a praça central e ex-líbris da cidade, ponto de passagem obrigatório para qualquer turista, as rendas desta zona podem chegar aos 4 000 euros. No entanto, no Kokotte, a renda que o ocupante temporário paga é de 800 euros. Nicolas Duron, project manager do Kokotte, explicou à Smart Cities que, depois de muita pesquisa, consideraram que este preço era justo e equilibrado. A premissa passou sempre por cobrar um valor, para que o empreendedor tivesse noção da vida real, sendo também uma garantia para a incubadora de que o detentor do projecto estava, de facto, envolvido e comprometido com o negócio e em torná-lo bem-sucedido. Seria impensável cobrar os 4 000 euros de valor de mercado, mas, se fosse um preço demasiado baixo, corriam o risco de que o projecto não fosse de facto valorizado por quem nele participava. Chegaram assim aos 800 euros, valor a que se juntam todas as despesas inerentes a um restaurante, desde a comida ao ordenado do staff, e que ficam também ao cuidado do empreendedor.

Para este projecto, foi também definido um tempo de porta aberta. E chegar a uma conclusão sobre isto foi algo que implicou muita pesquisa em muitos restaurantes, de modo a perceber o que seria justo e próximo da realidade. Tinha de ser o tempo suficiente para que o proprietário do negócio conseguisse ter alguma noção do que é ter um restaurante. E concluíram que quatro meses era o indicado. Ao fim desse tempo, se o candidato continuar interessado em ter o seu próprio negócio, os mentores do Kokotte ajudam a encontrar um espaço onde possa continuar e dão apoio em todo o processo.

Chocolero’s, o primeiro inquilino

A Smart Cities visitou este projecto, no âmbito da conferência “Smart Regions 2019 – Transformation through Smart Specialisation”, promovida pela Comissão Europeia, e que teve lugar em Bruxelas a 14 e 15 de Novembro de 2019. Nessa altura, o Kokotte tinha sido inaugurado uma semana antes, com o projecto Chocolero’s, do auto-denominado “viciado em cacau”, Pierrick Stinglhamber. O empreendedor confessou à Smart Cities que tinha este projecto em mente, mas sem hipótese de o concretizar. Mas, no início de 2019, quando leu num jornal que o Kokotte ia arrancar e estava à procura de candidatos, decidiu avançar, por considerar que era uma oportunidade única e imperdível, uma vez que, diz, o sector da restauração é muito difícil em Bruxelas.

O project manager, Nicolas Duron, reforçou esta ideia: “É muito difícil ter um restaurante no centro de Bruxelas e muitos não sobrevivem aos primeiros dois anos de existência. Está a ser um desafio muito grande também para a própria incubadora, porque, apesar de estarmos localizados numa zona central, onde passam milhares de pessoas todos os dias, isso não significa que entrem nas lojas”.

Uma das premissas obrigatórias para ser um candidato elegível a este projecto passa pela sustentabilidade. E a contribuição do Chocolero’s neste campo deu-se através dos fornecedores de cacau, a matéria-prima base para tudo o que se faz neste restaurante. Pierrick escolheu fornecedores do Peru e da Colômbia, que eram produtores de cocaína. Conseguiu convencê-los a mudar de vida, passando a produzir cacau e café, orgânicos e certificados. Para o belga, este foi um passo muito importante e do qual se orgulha.

No Chocolero’s, encontram-se iguarias fora do comum, como sopa de abóbora com coco e cacau, ou batatas fritas com molho de cacau, e uma decoração a condizer. Depois do período de “incubação” no Kokette, Pierrick ainda não sabe o que se segue, mas, caso continue, o seu negócio terá todo o apoio necessário para o fazer. Esta é, aliás, a grande premissa do projecto: não ajuda somente neste período experimental, mas continua a acompanhar os empreendedores a estruturar o seu caminho, rumo à independência. Ou não tivesse sido este criado para ajudar Bruxelas a reerguer-se.