No futuro, a felicidade vai ser o indicador mais usado para medir o bem-estar na cidade, mas existem problemas em relação à forma como a avaliamos.
Deixemos de olhar para o PIB, a felicidade está a tornar-se a métrica do futuro. Os países começaram a competir entre si nos rankings de felicidade global e planeamento de políticas, tendo em conta as estatísticas de bem-estar. Recentemente, a Nova Zelândia anunciou que o seu orçamento para 2019 irá ter em conta o impacto da despesa nacional no bem-estar. Por sua vez, as autoridades citadinas estão a desenvolver abordagens “inteligentes” para a avaliação da felicidade, mobilizando um leque crescente de aplicações móveis e dados comportamentais com o objectivo de perceber, mapear e explicar a nossa felicidade diária. Por exemplo, o Smart Dubai Office lançou, no início de 2018, o seu Índice de Felicidade Inteligente, que promete a avaliação do desempenho dos seus governantes com base no ganho de felicidade por fundos gastos.
Esta ênfase resulta do campo académico dos estudos de felicidade, que, desde a viragem para o século XXI, emergiu como ciência fiável, com os seus próprios centros de investigação e publicações académicas. Uma simples pesquisa por bolsas de estudos relacionadas com felicidade, feita no Google Scholar e publicada em 2018, obteve surpreendentemente 23 mil entradas.
Os académicos pioneiros nesta matéria estavam, originalmente, empenhados em unir várias visões aos níveis da filosofia, psicologia, sociologia, perspectivas de saúde, economia, estudos culturais e artes, no sentido de investigar rigorosamente a forma como as pessoas “satisfeitas” se sentem em relação à sua vida e à sua avaliação do seu próprio bem-estar subjectivo. Os psicólogos, em particular, estavam saturados da focalização nos distúrbios e transtornos e lançaram, então, o campo associado da Psicologia Positiva.
Medir um sorriso
A ideia de que a felicidade pode ser avaliada e mapeada e que varia geograficamente está, agora, estabelecida. A cada três anos, desde 2012, o Relatório de Felicidade Mundial revela, entusiasticamente, as tão aguardadas classificações globais de felicidade. Estas baseiam-se num inquérito mundial que pede às pessoas que avaliem a forma como se sentem em relação à sua vida numa escala de zero a dez. As classificações são, normalmente, dominadas pelos países nórdicos, encontrando-se a Finlândia actualmente no topo da lista.
Se, normalmente, as pessoas sentem que a sua felicidade é algo inatingível que não pode ser indicado através de um número, esta nova abordagem de avaliação é cada vez mais popular entre os governos que pretendem ir mais além do que encarar o crescimento económico enquanto medida de valor e de progresso de uma nação. Entretanto, a WellBeing Economy Alliance, um movimento global para a transformação dos actuais modelos económicos em detrimento do baseado no bem-estar, tem vindo a ganhar apoiantes.
É verdade que sabemos uma quantidade substancial de informação sobre a felicidade, incluindo quem é mais feliz e onde, quais são os padrões sociais de felicidade consoante a idade e o género, e o que impulsiona os níveis de felicidade individuais e nacionais, tal como o rendimento, a educação, as relações sociais, a boa governança nacional e a saúde. No entanto, níveis altos de desigualdade económica global e taxas elevadas de depressão e transtornos mentais globais persistem. Por outras palavras, embora saibamos muito mais sobre a felicidade, a felicidade como um todo não melhorou. Esta é uma questão premente e que deve afectar a forma como os governos nacionais, as cidades e os locais encaram as suas tentativas modernas de melhorar os níveis de felicidade. O problema é que, agora que este campo ganhou impulso, foi assumida uma compreensão particular da felicidade. E é cada vez mais claro que esta definição é limitadora.
Definição de felicidade
Os economistas comportamentais têm tido muita influência ao fornecerem estudos de felicidade à agenda política pública no palco mundial. Mas, de forma a avaliar a felicidade, esta deve ser redefinida como um comportamento observável. Como tal, a felicidade, tal como é entendida por esta monitorização e avaliação, é algo interno, respeitante aos aspectos mentais do indivíduo – ainda que todos saibam que a felicidade normalmente está relacionada com algo exterior a nós (sentimo-nos felizes “com” algo) e que pode ser transformada por uma alteração nas nossas circunstâncias externas.
Os economistas que trabalham nos estudos de felicidade estão cada vez mais interessados na utilização de indícios neurocientíficos e genéticos nos seus esforços de eliminação de preconceitos e fornecimento de medições objectivas e comparáveis. Isso envolve, uma vez mais, uma questão interna – desta feita, da nossa biologia e não do nosso comportamento – para definir o que, de facto, significa a felicidade.
Existem sérias limitações às explicações económicas, comportamentais e neurocientíficas. Estas abordagens transformam o bem-estar subjectivo numa medida objectiva, uma meta da governação nacional e global, agregando o bem-estar de indivíduos anónimos. Isso relativiza o papel da cultura e do contexto na moldagem da nossa própria identidade, expectativas, aspirações e percepções. Foram suplantadas compreensões alternativas que desafiam os limites entre o interior e o exterior e que são centrais para a compreensão deste importante campo.
A “cultura”, portanto, é um ponto fulcral para as definições comportamentais da felicidade. Até mesmo a ideia de que o bem-estar subjectivo pode ser avaliado por um inquérito é muito contestada por alguns economistas, que, por exemplo, identificaram que as avaliações feitas pelas pessoas da sua felicidade podem ser afectadas pela forma como o seu sistema de educação nacional classifica os exames – um efeito invulgar que desafia a validade dos índices de felicidade global.
Países e cidades que se centram na métrica do bem-estar. © Jessica Pykett, fornecido pelo autor
Paradoxos da felicidade
Nesta matéria, outras limitações são, muitas vezes, salientadas por economistas e psicólogos. Por exemplo, enquanto comummente pensamos na felicidade como o oposto da depressão, este nem sempre é o caso. As pessoas com problemas de saúde mental podem simultaneamente reportar sentir felicidade. Algumas das nações mais felizes, como a Finlândia e a Dinamarca, também possuem elevadas taxas de suicídio, como reportado no novo estudo “In the Shadow of Happiness”, definido para expor algumas das contradições nas tabelas da liga da felicidade global de dominância nórdica. Isabella Arendt, investigadora no Instituto de Investigação de Felicidade da Dinamarca, explicou-me recentemente como vê a felicidade como um termo relativo e dinâmico que parece muito mais sensível: “Ainda que vivêssemos numa utopia, haveria pessoas infelizes.”
Outro paradoxo persegue os estudos de felicidade: a criação de condições para a promoção do bem-estar pode, de facto, ser impulsionada por uma sensação de insatisfação e infelicidade com o statu quo. As pessoas menos felizes, por exemplo, têm mais probabilidades de serem politicamente mais activas do que as pessoas mais felizes. Não é de admirar, por isso, que um conhecimento científico acrescido não tenha ainda levado a uma mudança social significativa.
Estas limitações e paradoxos devem moldar o futuro dos estudos de felicidade e políticas de bem-estar. Parece improvável que o actual movimento “cidades felizes inteligentes”, fundamentado pela análise comportamental previsível, sensação de emoção portátil e aprendizagem de máquina empática, forneça uma solução técnica ao século XXI para a velha questão do que é a felicidade e de como podemos colectivamente alcançá-la. O rastreio da felicidade está correcto, mas, antes de utilizarmos esses mapas para determinar a forma como somos governados, precisamos de compreender o que acontece à nossa felicidade quando esta se torna uma emoção a mapear, avaliar e gerir.