Do alto da Torre de Vigia da Serra das Talhadas, a primeira estrutura metálica desenhada pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira, a vista desimpedida alcança praticamente a totalidade do concelho de Proença-a-Nova, destacando-se o verde da nossa floresta, as povoações dispersas pelo território e o horizonte que teimamos em continuar a pintar de esperança. Nesta mesma serra, encontramos os vestígios mais antigos dos nossos antepassados na forma de pinturas rupestres, ainda que a geologia do local guarde memória de quando éramos banhados por mar. Somos ainda ricos em monumentos megalíticos; do Rio Ocreza os romanos extraíram ouro e, mais recentemente, os nossos fortes e baterias deram prova do posicionamento estratégico do concelho, integrado na linha defensiva das Talhadas – Moradal, para defesa do reino ante os exércitos invasores nos séculos XVIII e XIX.
Ainda que bastante rica, como tem mostrado a investigação desenvolvida pelo Campo Arqueológico de Proença-a-Nova, a nossa história é desconhecida pela maior parte da população. Pelas nossas aldeias, e são mais de cem, as estórias partilhadas pelos mais antigos são sobre a dureza da vida do campo e do trabalho de sol a sol para alimentar a família, por norma bastante numerosa. Era uma questão de sobrevivência. Desde meados do século passado, muitas pessoas foram obrigadas a sair para outras geografias em busca de melhores condições de vida. Perdemos, ao longo de décadas, mais de metade da população residente – nem a leveza de uma comunidade que se apoiava e que se juntava nos momentos de celebração e de dor foi suficiente para estancar esse êxodo.
O despovoamento do território é, atualmente, a minha principal preocupação. O risco de extinção é real e norteia a estratégia que estamos a desenvolver há praticamente 20 anos, assente na atração de empresas para fixar novos residentes e na melhoria das condições de vida de quem continua a escolher as suas raízes para aqui viver. Somos, os pouco mais de sete mil habitantes, uns privilegiados por podermos beneficiar do melhor do desenvolvimento sem perdermos aquilo que promove a nossa qualidade de vida: a natureza e a comunidade. Acredito que temos argumentos de peso para o desenvolvimento do nosso território, sustentado por medidas públicas centrais que procurem corrigir assimetrias que foram criadas ao longo de séculos. Há muitas medidas concretas que podem ser adotadas, essencialmente de discriminação positiva para empresas e cidadãos. Destaco, no entanto, duas que me parecem fundamentais e da mais elementar justiça.
A primeira prende-se com um direito que, na sociedade de informação em que vivemos, é elementar: o acesso a rede de telemóvel e de Internet em qualquer ponto do país. É impensável continuarmos a ter aldeias inteiras desligadas do mundo. [Mas] Mais de metade do concelho está nas chamadas zonas sombra, desigualdade que foi muito evidente durante a pandemia. Muitas pessoas não puderam vir para Proença-a-Nova em teletrabalho porque não havia forma de o fazerem a partir das suas casas. E muitas outras, acredito, ainda não se mudaram definitivamente para cá pela mesma razão. Com emigrantes proencenses espalhados por todo o mundo, nem todos conseguem contactar a família utilizando ferramentas que estreitam distâncias e tornam o longe perto. Além disso, os dispositivos de teleassistência ou a telemedicina esbarram nesta falta de rede, só para nomear alguns desafios. Enquanto muitos locais no país se destacam por implementarem projetos que lhes vão dando o título de smart cities, nós, por aqui, continuamos a reivindicar por este direito básico.
“O despovoamento do território é, atualmente, a minha principal preocupação. O risco de extinção é real e norteia a estratégia que estamos a desenvolver há praticamente 20 anos.”
Uma segunda medida tem a ver com a biodiversidade destes territórios, assente na nossa floresta que, por diversas razões – incluindo o despovoamento do território –, tem sido fustigada por sucessivos ciclos de incêndios que nos obrigam a repensar o atual modelo de gestão. Ainda que estejam a ser dados importantes passos para termos uma floresta a gerar riqueza para os respetivos proprietários e para a região, defendo que é necessário dar mais um passo em frente para trazer mudanças significativas à nossa realidade: avançar com o pagamento das externalidades positivas da floresta. Na prática, a ideia é que quem tivesse um terreno recebesse um pagamento, num valor justo e proporcional ao benefício, por cuidar das árvores que são responsáveis pelo sequestro de carbono, pela beneficiação dos solos, entre muitas outras mais valias. Desta forma, questões problemáticas como a falta de cadastro, o abandono das terras ou a diminuição de pastagens ou de terrenos utilizados para a agricultura poderiam ganhar um novo impulso no sentido da sua solução.
Ultrapassadas estas duas questões que menciono, seremos ainda mais atrativos no contexto nacional, dando passos significativos para aumentarmos a nossa população e a massa crítica no concelho. Com quem vai chegando, vamos, a cada momento, construindo uma identidade coletiva, em constante mudança, que é herdeira de todos aqueles que nos antecederam e que também nos ajudam a projetar um horizonte de esperança e de resiliência.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.