Lendas, mitos e histórias, que vão desde a luta entre Hércules e o gigante tirano Gerião aos cultos celtas e à valentia de María Pita, que, no séc. XVI, fez frente ao cerco inglês, fazem parte do encanto d’ A Corunha. Nos dias que correm, há uma outra magia a crescer nas ruas da Cidade de Cristal. Chama-se tecnologia.

 

Em Junho de 2015, ouviu-se, em Washington DC, que há uma smart city a nascer n’A Corunha, onde uma plataforma urbana integra, de forma transversal, dados recolhidos de vários pontos e sistemas da cidade e os transforma em informação útil a quem gere, vive e visita a cidade galega. O projecto Coruña Smart City (CSC) foi um dos poucos escolhidos para estar presente no Global City Teams Challenge, organizado pelo National Institute of Standard and Technologies nos Estados Unidos. Deste lado do Atlântico, a iniciativa vai ganhando forma: nas ruas, há 14 projectos piloto em desenvolvimento, dos quais cinco estão já a funcionar; na web, o portal smart.coruna.es é uma verdadeira montra do que está a acontecer em tempo real na cidade; para os corunheses, há já serviços e várias aplicações móveis que trazem informações em primeira mão. Em Maio do ano passado, o governo mudou, em resultado das eleições municipais espanholas, o que trouxe alguma agitação ao projecto, mas espera-se a “cereja no topo do bolo”: uma única aplicação com todos estes serviços, personalizável, e que vai ser um canal aberto entre o município e o cidadão, revela Óscar Sacristán, director tecnológico da Oficina Técnica do Coruña Smart City.

Transversal e holístico

Quando surgiu, há cerca de três anos, a ideia de fazer de A Corunha uma cidade inteligente foi vista como um projecto excepcional. Em Espanha, o momento era de crise total e ainda pouco se falava de cidades inteligentes, e A Corunha não era excepção. Uma reunião entre os responsáveis políticos e 50 representantes de empresas de tecnologia da região foi o pontapé de saída. “Tinham ideias e vontade de trabalhar num projecto conjunto”, recorda Martín Fernández Prado, que assumiu, até Junho, durante o último mandato, o cargo de vereador do Urbanismo, Habitação e Reabilitação e Infra-estruturas e Serviços Públicos do Ayuntamiento da cidade. Por sua vez, o alcalde, na altura, Carlos Negreira, tinha também ele algumas exigências: “um quadro de comandos da cidade que permitisse que algumas das decisões fossem automáticas e que fornecesse informação para ajudar a tomar as restantes”, conta Prado. O CSC foi a resposta a estas intenções. Co-financiado em 80% pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), o projecto prevê um investimento total de 11,5 milhões de euros. Em troca, permitirá à cidade dispor de um verdadeiro “cérebro” que integra a informação de forma “transversal e holística” e que inclui ferramentas de análise capazes de prever comportamentos e, assim, agir de forma proactiva às necessidades reais.

Em Abril de 2013, o consórcio de empresas vencedor, composto pela tecnológica Indra e as empresas Altia, Ilux e R, pôs mãos à obra. Às fachadas brancas e de vidro dos prédios da Avenida da Marina, que dão à Corunha o nome de Cidade de Cristal, existem agora gateways que ligam, numa rede de alta velocidade de fibra óptica, sensores e outros elementos de recolha de dados a um centro de comandos. Esta plataforma urbana assenta na solução Internet of Things da Indra, SOFIA2, e permite integrar e partilhar as informações de diferentes sistemas da cidade, desde a mobilidade à água, energia, ambiente, lazer e turismo, etc., mas também de dispositivos móveis e até das redes sociais. “Mais do que um projecto tecnológico, este é um projecto transversal”, afirma Prado.

Dos pilotos incluídos na iniciativa, estão já operacionais os sistemas de visitas guiadas com realidade aumentada, de avaliação da qualidade da água, a administração electrónica, rega inteligente e uma aplicação móvel de eventos. Com o tempo, desenrolar-se-ão também os projectos de estacionamento inteligente, gestão remota de alimentação, telegestão de mil contadores de água e de gás, eficiência energética nos edifícios municipais, sistemas de qualidade do ar e de ruído, melhoria da eficiência energética da estação de tratamento de água de la Telva, optimização de tráfego, interacção com o cidadão e ainda o projecto BIO (desenvolvimento da tecnologia bioacústica e possibilidades da sua aplicação em ambiente urbano).

A água é um elemento importante no Coruña Smart City, até porque, a par do ayuntamiento, o outro grande impulsionador do projecto é a EMALCSA, empresa pública de abastecimento de água. “O conceito smart está ligado com eficiência”, assegura Óscar Sacristán, explicando por que pretendem ser “pioneiros” nesta abordagem ao ciclo da água. O tema é directamente abordado em quatro dos pilotos e indirectamente noutros três.

Dinamizar a economia

Integrar informação a nível municipal, ajudar as autoridades a tomar decisões para gerir a cidade com base em dados e não em hipóteses ou especulações e melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes são metas intrínsecas ao projecto. A iniciativa representava uma importante oportunidade para testar tecnologias que não estavam no mercado, acrescenta o director de Planeamento e Administração Electrónica da cidade, Pablo Vázquez. Mas houve também outras motivações, nomeadamente de cariz económico. “Queríamos que fosse mais do que tecnológico. Queríamos que fosse um motor para as empresas tecnologias de informação e comunicação (TIC) da cidade e isto foi também uma desculpa para incentivar o lado da investigação das universidades”, diz Martín Fernández Prado. “Muita gente não sabe, mas a Corunha é um centro importante de empresas. Não é só turismo”, esclarece.

Para o ex-vereador, a transversalidade é “a chave” para levar o projecto a bom porto, à medida que serve também como “motor económico” e um íman para investimento. A disponibilização de dados abertos [open data], que está também prevista no âmbito do CSC, visa ajudar “outras empresas a criar novos serviços e a estimular, assim, a parte económica”. No entanto, segundo Prado, esta não foi uma tarefa fácil, já que há um sentimento de propriedade relativamente aos dados muito acentuado nos departamentos internos. “As pessoas crêem que são proprietárias da sua informação, que são os seus dados, a sua informação, o seu mundo, mas não. É de todos os corunheses, de todos os cidadãos”, reforça.

A esta “inércia” da Administração, como lhe chama Prado, o ex-governante aponta as leis de contratação pública espanholas como barreiras ao arranque do projecto – “São muito antigas e não estão preparadas para estes novos contratos de projectos de inovação” –, o que levou mesmo à apresentação de uma proposta de modificação da lei pela Rede Espanhola de Cidades Inteligentes (RECI). Por fim, um último desafio, não menos importante, será determinante para o sucesso do CSC e está nos próprios corunheses. “Temos de evitar a exclusão tecnológica”, alerta o responsável, apelando à necessidade de sensibilização.

 

A Indra vai estar presente na conferência internacional ZOOM Smart Cities 2016, que tem lugar nos dias 18-19 de Maio, em Lisboa. Mais informações aqui.

Texto originalmente publicado na edição #07 da Smart Cities, aqui com as devidas adaptações.