Nos últimos anos, a cidade de Lisboa entrou em força num processo de transformação digital que tem na Plataforma de Gestão Inteligente de Lisboa (PGIL) a sua maior expressão. Para lhe dar forma, a capital portuguesa adoptou o Cloud City Operations Center (CCOC), uma solução desenvolvida pela japonesa NEC. Passado mais de um ano do arranque da implementação da ferramenta tecnológica que integra a informação sobre o que se passa na cidade, João Paulo Fernandes, o director-geral da NEC Portugal, conta à Smart Cities como tem sido esta experiência.
Em que fase de implementação está o CCOC em Lisboa?
Em Dezembro de 2018, terminámos a implementação da primeira fase, que inclui grande parte das funcionalidades previstas, e a segunda fase está em preparação, para entrega durante este ano.
O que está já em funcionamento?
A gestão de ocorrências da cidade era bastante importante para o município e está já operacional, com a integração da informação que vem dos diferentes serviços de emergência – Polícia Municipal, Bombeiros, Protecção Civil. Essa informação é integrada centralmente de forma a que os meios possam ser accionados, independentemente de serem de um departamento ou de outro, o que permite que se atenda mais rapidamente a todas as ocorrências da cidade. Integrou-se também na plataforma uma série de informações provenientes de sensores, para que se possa gerir melhor essa informação, isto é, tudo o que são os sensores ambientais das estações meteorológicas, dos contentores de resíduos, as docas das bicicletas Gira, etc. Ao nível de segurança, as câmaras de videovigilância também estão a agora integradas. Isto é, já é possível ver as diferentes câmaras da cidade numa visão central, na plataforma. Neste momento, estamos a implementar as analíticas de vídeo, para detectar certas situações nessas câmaras de videovigilância.
Pode dar-nos um exemplo do que vai ser possível fazer com a analítica de vídeo?
Nas câmaras de videovigilância que estão na av. Brasília, por exemplo, vai ser possível detectar quando há pessoas a passar a linha férrea – o que acontece com frequência, mas que não é suposto. Com isto, é possível agir imediatamente. Há outros exemplos, como carros em segunda fila ou objectos caídos sobre a via, intrusões em áreas privadas. Será possível detectar todo esse tipo de situações e isso está no âmbito do projecto.
E como vai funcionar exactamente?
É feita a análise automática dos frames de vídeo, sem qualquer problema de protecção de dados. Isto porque não há nenhum tipo de identificação de pessoas ou de matrículas, uma vez que só estamos a identificar comportamentos. O que se pretende é detectar situações potencialmente perigosas ou indevidas e alertar que, naquela rua, naquele momento, aconteceu aquilo, e, aí, enviar a informação para as forças de segurança mais próximas para que estas possam decidir o que fazer, sem nenhum tipo de invasão ou detecção de qualquer dado privado das pessoas.
Nesta altura, estamos já a falar de um projecto à escala de todo o município?
Desde o início que havia a ambição de que a plataforma fosse, a pouco e pouco, operacionalizando, de forma central, e integrando a informação para que todos os departamentos pudessem funcionar de forma mais coordenada e harmoniosa. A partir do momento que está implementada, agora é uma questão de se começar a fazer todas essas integrações para que a visão inicial se possa constituir uma realidade. Pretende-se que todos os departamentos possam tirar partido da plataforma para que possam mais bem fazer o seu trabalho no dia-a-dia.
A solução pode ser adaptada às necessidades de qualquer município?
Sim, e isso é um dos grandes diferenciadores da plataforma da NEC – a grande flexibilidade que permite oferecer ao nível da integração de novas fontes de informação, novas bases de dados, novas aplicações. A plataforma permite, de forma muito user friendly, até aos próprios técnicos do município, integrar novas fontes de informação e serviços e começar a trabalhá-los no sentido de facultar aos utilizadores desses departamentos informação que hoje em dia não têm, isto ao nível de relatórios, informação de trabalho que passa a estar centralizada e não dispersa por múltiplas entidades, que não conseguem ter uma visão integrada de como aquele serviços está, do que deve ser feito e do que é preciso melhorar. Para além dos sensores, que é algo que toda a gente faz, esta integração de fontes de informação que já existem é uma área mais complexa, tem de ser feita caso a caso, percebendo o que está disponível e como ir buscar a informação e integrá-la. Para o município, isto é algo muito interessante, no sentido de quebrar silos de informação e ter, de facto, esta visão central integradora do que está a acontecer, para que todos os departamentos possam usufruir desta integração de informação. E é o que temos vindo a fazer com múltiplas fontes de informação.
Fig.1 : Dashboard com Mapa de Lisboa e Informação de Trânsito e Disponibilidade das Docas de Bicicletas “Giras.
Em Portugal, só trabalham com Lisboa?
Com uma plataforma com este âmbito, por enquanto, sim, estando a discutir a sua possibilidade de implementação com outros municípios. No Porto, estamos a fazer um projecto com analítica de vídeo e acabámos de ganhar um concurso para uma outra aplicação, que não posso ainda revelar.
Considera esta uma solução adequada para o contexto nacional?
Sem dúvida, nacional e internacional. Isto porque vem responder a uma necessidade muito básica que existe em todas as cidades, independentemente de serem pequenas, médias ou grandes, que é a de quebrar os silos de informação entre os vários departamentos. Tipicamente não há facilidade em que cada serviço perceba o impacto que o seu trabalho tem no dos outros, mas este existe. Quando é necessário reparar uma conduta de água, quem vai fazer a reparação é a empresa de águas, mas, para isso, vai ter de abrir a estrada ou o passeio, que têm de ser reparados; ou seja, a divisão de obras tem de ir lá, mais tarde, fazê-lo. Se esta informação não está disponível, o trabalho vai levar muito tempo, porque a informação não flui dentro do município e somos todos impactados. Outro exemplo: enquanto isto acontece, o trânsito e a recolha de resíduos naquela rua vão ser impactados. Essa informação tem também de chegar às divisões de trânsito e de resíduos. Este é só um pequeno exemplo de como qualquer situação num serviço normalmente impacta mais um, dois ou três serviços na mesma cidade. O que se pode realmente melhorar com este tipo de plataformas é [fazer com] que a informação de cada serviço possa fluir de uma forma mais rápida, integrada e coordenada para todos os outros serviços que são impactados por cada um dos eventos que estão a ser endereçados em cada área.
É preciso criar novos departamentos dedicados à plataforma?
Não, não há essa necessidade. O que se pretende é que os departamentos já existentes tenham mais e melhor informação. Mas, como em qualquer situação em que é dada uma nova ferramenta, há uma fase de aprendizagem sobre como aquilo funciona e de como tirar partido da informação que passam a ter disponível. É preciso também dizer que a informação é disponibilizada consoante o perfil de utilizador – um utilizador da área dos resíduos urbanos não tem evidentemente acesso à informação privilegiada da Polícia Municipal. A partir do momento em que se criaram esses perfis e que foi dada a formação aos utilizadores sobre como usar a plataforma e ir lá buscar a informação relevante para o seu trabalho, o feedback que recebemos é, de facto, “já não sei como iria trabalhar sem isto”. Normalmente, não se quer voltar para trás.
“O que se pode realmente melhorar com este tipo de plataformas é [fazer com] que a informação de cada serviço possa fluir de uma forma mais rápida, integrada e coordenada para todos os outros serviços que são impactados por cada um dos eventos que estão a ser endereçados em cada área”.
Que balanço faz da experiência da NEC Portugal com o projecto de Lisboa?
Tem sido uma experiência extremamente enriquecedora porque é uma cidade com dimensão apreciável à escala europeia e até mundial, que está em crescimento aos níveis turístico e de notoriedade internacional. Isso é bom, mas levanta desafios à cidade. Lisboa é muito interessante dos pontos de vista da complexidade dos serviços e processos e da sua dimensão. Implementar este projecto permitiu-nos aprender para além da teoria e do laboratório, percebendo quais são os desafios a ultrapassar para implementar isto numa cidade real a esta escala. E, pelo que recebo do município, foi também interessante, porque permitiu passar da visão à realidade e começar a ver como estas ferramentas tecnológicas podem ajudar a gerir melhor uma cidade no seu dia-a-dia. De parte a parte, foi uma experiência enriquecedora porque passámos da teoria à prática e percebemos como as implementações poderiam ser feitas noutras cidades mais rapidamente.
Quais são as vossas expectativas para o mercado nacional?
Diria que quem demonstra fazer isto em Lisboa e, agora, nalgumas das suas componentes, também no Porto deve estar a fazer alguma coisa bem [risos]. A nossa expectativa é, com base nestas referências, ganhar a confiança de outros municípios e poder replicar este tipo de soluções noutras cidades em Portugal.