Por: Ricardo Martins, Associate Partner, Global Smart Cities & Urban Transformation 

 

Quando surgiu a pandemia de Covid-19, não esperávamos que esta trouxesse mudanças tão drásticas à nossa vida. A pandemia paralisou cidades, escolas fecharam, escritórios ficaram vazios, o comércio sofreu uma enorme quebra e a forma como nos movemos também sofreu alterações profundas. Durante meses, as ruas silenciaram-se, os transportes públicos ficaram vazios e as nossas rotinas foram interrompidas.
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No auge da crise, os lockdowns e as restrições impostas transformaram as cidades em lugares vazios. O tráfego, antes congestionado, desapareceu. O transporte público, espinha dorsal da mobilidade urbana, foi evitado devido ao medo de contágio. Em contrapartida, muitas pessoas recorreram a opções individuais, como os carros particulares e as bicicletas.

Quase três anos depois, a OMS declarou o fim da pandemia, mas muitos centros urbanos ainda sentem o impacto. O comércio e as empresas tiveram de se reinventar, e muitos dos trabalhadores nas áreas mais tecnológicas passaram a trabalhar a partir de casa. Essa mudança repentina na forma como nos deslocamos revelou duas perspetivas antagónicas na mobilidade urbana.

Por um lado, a redução do tráfego numa fase inicial da pandemia resultou em melhorias claras na qualidade do ar e na diminuição do ruído nas cidades. As bicicletas e outras formas de mobilidade ativa ganharam popularidade, tendo muitas cidades implementado medidas para incentivar a mobilidade ciclável como uma alternativa sustentável ao uso do carro. Assistiu-se também a uma revalorização da comunidade e do bairro local enquanto locais de bem-estar. Essas mudanças trouxeram benefícios para a saúde, além de reduzirem a pegada de carbono nas áreas urbanas.

Por outro lado, o receio de contágio e a conveniência do carro particular levaram a um aumento relevante no peso do carro no mix modal das cidades. O aumento do número de veículos nas ruas está associado a mais congestionamentos e ao aumento da poluição. Como nem todos têm acesso a meios de transporte individuais, e a condições seguras para caminhar ou andar de bicicleta, as desigualdades foram evidenciadas, com aqueles que dependem do transporte público a enfrentarem dificuldades adicionais.

É assim essencial repensar a mobilidade urbana, adotando uma perspetiva abrangente e integradora. É necessário encontrar soluções integradas que priorizem o transporte público, tornando-o mais acessível, eficiente e sustentável. Investir em infraestrutura adequada, como ciclovias seguras e passeios acessíveis, é fundamental para incentivar opções de transporte mais sustentáveis.

A tecnologia pode vir a desempenhar um papel significativo na melhoria da mobilidade urbana. Soluções inovadoras, como aplicações de MaaS (Mobility as a Service), partilha de veículos e transportes on demand, irão contribuir para a otimização dos recursos e para a redução da dependência do transporte individual.

A pandemia colocou desafios significativos no planeamento urbano, mas trouxe consigo a oportunidade de se repensar a mobilidade urbana. Devemos refletir sobre as lições aprendidas durante este período desafiante, para transformar as nossas cidades em espaços mais acessíveis, sustentáveis e inclusivos. Com visão estratégica e investimentos adequados, podemos construir um futuro no qual a mobilidade urbana pode passar a ser sinónimo de qualidade de vida, conectividade e respeito pelo meio ambiente.

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.

ESTE ARTIGO CONTA COM O APOIO DA DELOITTE E FOI ORIGINALMENTE PUBLICADO NA EDIÇÃO DE JULHO/AGOSTO/SETEMBRO DE 2023 DA SMART CITIES.