Espaço de conhecimento e partilha de dados e informação, a plataforma MarIA pretende levar o potencial da ciência dos dados e da inteligência artificial a novos portos. Datasets, casos práticos e formações online convidam os agentes do setor a navegar por esta ferramenta colaborativa.

Tão vastas e poderosas quanto os mares, a ciência dos dados e a inteligência artificial (IA) são cada vez mais ferramentas que nos ajudam a recolher, tratar, gerir e transformar dados em informação e conhecimento sobre os oceanos. Em Portugal, também já se procura aproveitar o potencial desta maré de dados, como mostra a MarIA – Plataforma Colaborativa de Modelos de Inteligência Artificial para o Mar, desenvolvida pelo Nova Cidade Urban Analytics Lab, da NOVA IMS, e pelo Instituto Hidrográfico da Marinha Portuguesa. Lançada no final de 2023, resulta de um projeto cofinanciado pelo Compete 2020, Portugal 2020 e Fundo Social Europeu.

Disponível no endereço https://mar-ia.pt, tem como missão constituir-se como uma comunidade de prática e dar a conhecer o que se tem desenvolvido ao nível de analítica com base em dados marinhos, alicerçados no poder das múltiplas fontes de dados atualmente disponíveis (big data) e aproveitando como ponto de partida as infraestruturas já existentes, a internet das coisas e os sistemas operacionais.

O objetivo é disseminar o conhecimento da aplicação e do potencial da inteligência artificial no contexto dos oceanos, divulgando o que tem sido feito nesta área em termos de investigação, mas também pondo à disposição vários datasets, ou seja, conjuntos de dados sobre determinado tema, a partir de uma ótica colaborativa, diz André Barriguinha, investigador e diretor executivo do Nova Cidade – Urban Analytics Lab, que tem como coordenador Miguel de Castro Neto.

A plataforma, de acesso livre, acaba, assim, por ser uma verdadeira comunidade de conhecimento sobre dados marinhos que junta diversos atores do setor, também eles fundamentais para esta infraestrutura e o seu sucesso futuro. Isto porque os diferentes utilizadores podem participar (se previamente registados) ativamente na partilha de dados e informação, desde logo ao carregarem datasets relevantes para a temática.

Já disponíveis, estão, por exemplo, registos da temperatura da superfície do mar, dados de alertas de potenciais manchas de poluição no Espaço Marítimo Português, imagens de treino para deteção de náufragos e dados georreferenciados sobre a pirataria marítima no Golfo da Guiné.

Outra funcionalidade disponível passa pela componente de elearning, uma vez que é possível fazer diversas formações a partir de casos práticos colocados pelos membros da comunidade. Numa delas, é dado acesso a várias lições sobre como efetuar análise de dados geoespaciais. Há ainda um campo com a identificação de todos os membros da comunidade e outro intitulado Desafios, que, como explica André Barriguinha, “permite que qualquer parceiro possa partilhar dados sobre um determinado problema, convidando o resto do grupo a procurar a resolução.

Para o especialista do Nova Cidade – Urban Analytics Lab, o potencial da IA aplicada ao mar e à economia azul é, de facto enorme e pode desempenhar um papel essencial, seja na segurança de navios e portos, tarefas de automatização, gestão de ecossistemas, uso de drones, identificação da localização de infraestrturas para produção de energia renovável, criação de gémeos digitais, entre outras, fazendo-se valer das suas capacidades preditivas e prescritivas. Como faz questão de explicar, embora o conceito não seja novo, a verdade é que agora temos muitos mais dados, mais capacidade computacional e algoritmos diferentes, além da possibilidade de sensorizarmos mais coisas. No mar alto da inteligência artificial há muito para navegar e descobrir.

“A plataforma MarIA oferece uma oportunidade para levar mais longe as capacidades de criação de valor da inteligência artificial e dos dados do mar”.

André Barriguinha, Diretor Executivo do NOVA Cidade – Urban Analytics Lab.

HIDROGRÁFICO +: UMA FONTE DE DADOS PRIVILEGIADA

A plataforma MarIA foi desenvolvida no âmbito de um projeto maior, mas com o mesmo nome, o MarIA – Inteligência Artificial para o Mar, que facilita e promove o acesso a dados da Infraestutura de Dados Espaciais Marinhos do Instituto Hidrográfico (Hidrográfico +), disponível em https://geomar.hidrografico.pt/. Este projeto permitiu desenvolver e incrementar as funcionalidades do geoportal. Por exemplo, foi implementado um servidor para visualização de cartas eletrônicas de navegação, procedeu-se à transição digital dos Roteiros da Costa de Portugal e criou-se uma base de dados de cruzeiros científicos estrangeiros que efetuam campanhas científicas em águas nacionais. A estas soluções junta-se ainda uma inovadora aplicação móvel para apoio aos navegadores, a INAVPilot.

Para Telmo Dias, chefe do Centro de Gestão de Dados Técnico-Científicos do Instituto Hidrográfico, pretende-se promover uma utilização generalizada dos dados marinhos, baseados nas redes de observação do oceano, que registam várias variáveis, desde a altura de maré, à temperatura da água e agitação marítima. Estes dados, recolhidos em locais pontuais, permitem alimentar modelos capazes de gerar observações contínuas. No futuro, isto terá, necessariamente, de ser feito através de modelos preditivos e de IA, uma vez que, com um volume cada vez maior de dados, a sua interpretação e análise torna-se humanamente impossível. É aí que entra a inteligência artificial e todo um mar de oportunidades, concretiza.

NAVEGAR COM A AJUDA DO TELEMÓVEL

O projeto MarIA também deu origem a uma aplicação móvel de apoio à navegação, a INAVPilot, que auxilia os navegantes junto a costa. Na prática, permite que os navegadores tenham acesso a informação relevante, num formato gráfico e descritivo, a partir de um simples telemóvel.

Para isso, disponibiliza dados do Instituto Hidrográfico (IH) num interface 2D e de realidade aumentada. O primeiro consiste numa visualização aérea, sobre um mapa base, com indicação da posição da embarcação, de avisos à navegação em vigor, ajudas à navegação, conhecenças e outra informação útil. O segundo permite uma visualização em realidade aumentada, ainda em versão beta, com geolocalização da informação referida anteriormente, recorrendo aos sensores do telemóvel, como a câmara, o posicionamento GNSS e o sensor inercial.

“Dessa forma, consegue-se visualizar e identificar, em realidade aumentada, as ajudas à navegação, como boias e faróis, conhecenças e marcas em terras, marinas e fundeadouros, ou mesmo a altura disponível sob o tabuleiro de uma ponte”, explica Telmo Dias, do IH.

“Este projeto permite potenciar os dados marinhos do Instituto Hidrográfico através de ferramentas de apoio à decisão”.

Telmo Dias, chefe do Centro de Gestão de Dados Técnico-Científicos do Instituto Hidrográfico

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 43 da Smart Cities – Abril/Maio/Junho 2024, aqui com as devidas adaptações.