Por: Miguel Eiras Antunes, Smart Cities & Urban Transformation, Global Leader da Deloitte
A cada dois segundos uma pessoa é forçada a deslocar-se como resultado de um conflito ou perseguição. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a tragédia vivida na Ucrânia levou a que, desde o início do conflito, mais de 5,7 milhões de pessoas procurassem apoio longe da sua terra natal. É esperado que este número continue a aumentar diariamente, numa altura em que a Comissão Europeia já alertou que esta será uma das maiores crises humanitárias vividas na Europa.
Este conflito ultrapassa largamente as fronteiras dos países envolvidos, fazendo com que as suas repercussões se alastrem a todo o mundo. Esses efeitos são visíveis no aumento generalizado de preços, na insegurança do setor da energia, mas principalmente na enorme crise de refugiados.
A solidariedade perante este conflito tem sido surpreendente, e a Deloitte tem mostrado o valor prático deste princípio. Entre outras iniciativas, tem apoiado a gestão dos refugiados com a IRENA, uma plataforma de comunicação virtual que surgiu da necessidade de apoiar organizações sem fins lucrativos, com recurso a inteligência artificial, na gestão dos pedidos de contacto e esclarecimento de dúvidas dos refugiados ucranianos.
A ação de apoio e acolhimento a refugiados concentra-se maioritariamente em cidades. E, nesse sentido, como recetoras de um largo número de pessoas, as áreas urbanas já começam a sentir a pressão do aumento exponencial de habitantes. Esta pressão acarreta para as cidades desafios sobretudo em quatro dimensões: alojamento, saúde, educação e emprego e integração e coesão social.
Seguindo o exemplo de Cascais e de outros municípios que têm acolhido refugiados e trabalhado com o objetivo de os integrar, fica patente a necessidade de definir uma estratégia coesa, um plano de ação que permita às cidades guiarem-se desde o primeiro momento, em que as pessoas se encontram nas fronteiras, até ao momento que já estão instaladas e prontas a (re)começar uma vida nova.
No que toca à movimentação de milhões de deslocados, os desafios vão muito além da logística de resgatar estas pessoas, é necessário garantir um plano coeso de acompanhamento desde o primeiro contacto até à chegada ao destino final. Numa conversa com o vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais, Miguel Pinto Luz, foi-nos possível perceber parte da logística por detrás do processo de integração dos mais de 2.000 refugiados. “Fomos para o terreno. Montámos um call-center em Portugal com falantes de russo e ucraniano. Fizemos uma grande campanha nas redes sociais pela Ucrânia, pela Roménia, pela Polónia, mostrando as condições que podíamos oferecer em Cascais. Recebemos inscrições, fomos acompanhando diariamente essas pessoas, deslocalizámo-las para esses centros de refugiados e depois trouxemos num avião fretado para Portugal.”
Muito antes da chegada ao país de destino, Miguel Pinto Luz refere que um dos “fatores críticos desta missão é a questão do sourcing. Muitas têm falhado porque contam com 20, 30, 40 pessoas inscritas e, quando se chega lá, estas pessoas já lá não estão. As pessoas querem vir e inscrevem-se em três, quatro, cinco missões. Nós tínhamos previsto isto e as nossas equipas estiveram constantemente em contacto com as famílias, dando-lhe garantia que nós estávamos a caminho, fazendo reporting diário, sabendo como estavam, como não estavam.” Ir para o terreno, estar em contacto com as pessoas e escutá-las são de resto outros elementos essenciais relatados por Pinto Luz.
Porem, mais do que ir ao encontro das pessoas e trazê-las para Portugal, há também que garantir uma integração rápida e assegurar qualidade de vida aos recém-chegados. O vice-presidente dá-nos o exemplo da comunidade ucraniana especializada em criptomoedas que se instalou em Cascais, e que permitiu “a instalação de um centro de desenvolvimento para estas empresas”, realçando que a integração de novas pessoas, pode significar oportunidades para os municípios acolhedores, nomeadamente como fonte de mão de obra e talento, não obstante “o compromisso de garantir o seu regresso no dia em que a guerra acabar”.

Miguel Pinto Luz, vice-presidente da câmara municipal de Cascais.
Pinto Luz conta-nos que este processo incluiu “acompanhamento médico, psicológico, todo o acompanhamento junto do SEF, um centro de receção de primeira linha para todos aqueles que chegavam a Portugal depois uma rede de centros de média e longa-duração para além da rede de casas particulares para receber esses refugiados, assim como emprego e escola para as crianças”. E, focando-se nas crianças, prossegue dizendo que “que não podem ficar com o seu projeto de felicidade, de crescimento e conhecimento interrompido. Temos que garantir o acesso à educação e à cultura ucraniana, a par da portuguesa, para manterem a continuidade do que estavam a aprender na Ucrânia”.
Para além da necessidade de se deslocar ao terreno, Miguel Pinto Luz refere ainda dois fatores fundamentais na ação dos municípios: reforçar o trabalho em rede e trabalhar com terceiros. Relativamente ao primeiro, refere que “só assim conseguimos resolver os problemas. Partilhar informação. Partilhar boas práticas. Nós temos vindo a ajudar muitas cidades, temos vindo a ajudar muitas iniciativas do setor privado nestas missões. Aquilo que aprendemos não é para nós, é para todos. E isso tem ajudado muito e temos de continuar a ajudar.”
Já no trabalho com terceiros, o vice-presidente nota que “sem a ajuda de várias empresas privadas, não teríamos conseguido aquilo que conseguimos, o papel das empresas é fundamental. A empresa não existe só para garantir um bottom-line para os seus acionistas, mas também para garantir um bottom-line social, para os seus colaboradores e para a comunidade.”
Seguindo o exemplo de Cascais e de outros municípios que têm acolhido refugiados e trabalhado com o objetivo de os integrar, fica patente a necessidade de definir uma estratégia coesa, um plano de ação que permita às cidades guiarem-se desde o primeiro momento, em que as pessoas se encontram nas fronteiras, até ao momento que já estão instaladas e prontas a (re)começar uma vida nova.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.
ESTE ARTIGO CONTA COM O APOIO DA DELOITTE