Por: Jean Barroca, Líder Global de Modernização Digital de Setor Público da Deloitte
“Quer uma garrafa da primeira empresa de bebidas grátis do mundo?” – assim começa o pitch dos vídeos virais da Free Water, uma start-up norte-americana que desenvolveu um modelo de negócio inovador. Em vez de vender água a um preço baixo, como é hoje prática da indústria, a Free Water oferece água que é paga pela publicidade do rótulo nas suas garrafas sustentáveis de alumínio. Depois de as pessoas, algumas hesitantes, outras incrédulas, aceitarem a oferta, o pitch culmina com uma declaração de princípio: “A água é um direito universal, deveria ser sempre grátis e toda a gente tem direito a água grátis.”
A resolução dos problemas de gestão de água nas áreas urbanas apenas será conseguida se se abordarem todos os aspetos da cadeia de valor: desde a sua produção, à sua gestão e ao consumo.
A aposta em soluções tecnológicas avançadas, como a dessalinização, torna-se hoje uma das alavancas de redução da nossa dependência externa em relação à água vinda de Espanha e da dependência alimentar, bem como de sustentabilidade e de competitividade futuro. Hoje, três quartos dos nossos alimentos são importados, mais de 50% do nosso território nacional está afetado pela desertificação e mais de metade da terra arável bastante degradada.
Na gestão, importa reduzir perdas e furtos de água, e garantir que se cobra toda a água que é consumida no país. Com os crescentes custos energéticos, a definição ótima de redes é também fundamental para a diminuição do consumo energético no transporte de água que, a par da infraestrutura, se torna no seu maior custo de produção.
Só quando se mudar a perceção da responsabilidade coletiva para a boa gestão deste recurso comum, poderemos deixar de falar do preço da água (atualmente indexada apenas ao seu custo de produção e de exploração) e poderemos passar a falar do valor da água tanto na sua dimensão social, como na sua dimensão de sustentabilidade e na sua dimensão como pilar estruturante da competitividade e da soberania do país.
A utilização de tecnologias de sensorização, e de machine learning e inteligência artificial é cada vez mais, uma prática corrente nesta área. A EPAL tem investido no desenvolvimento de tecnologias nestas áreas e existem hoje start-ups nacionais, como é o caso da Wakaru, que desenvolveu o seu negócio em cima desta problemática. A nível nacional, importa assegurar que os investimentos em infraestrutura tecnológica para gestão da água têm garantidos os princípios de abertura, interoperabilidade e de potencial utilização dos dados através de um ecossistema de soluções abertas.
Por último, no consumo. Não importa quão sustentável possa ser a produção e a gestão da água, se a sua utilização for pouco criteriosa. Neste em particular, importa ter em conta três tipos de iniciativas:
• O investimento em infraestruturas que permitam reduzir o consumo e o desperdício. Na habitação, por exemplo, a utilização de água não potável para o circuito de águas residuais deveria ser uma prática corrente em novas construções;
• O investimento em tecnologia de sensorização e informação aos utilizadores que permita aos consumidores uma maior consciência da sua utilização em tempo real. Na área energética, a alteração dos comportamentos dos consumidores pode reduzir até 30% do consumo energético. Neste momento a utilização que fazemos da água tem pouca ou nenhuma informação para que possamos melhorar o nosso comportamento além de uma fatura ao final do mês;
• A combinação dessas tecnologias de sensorização em tempo real com estratégias de comunicação e de consciencialização de consumidores para o valor da água e para a importância da sua racionalização (desde a agricultura, à indústria, comércio e serviços, bem como aos utilizadores particulares).
Voltando ao exemplo inicial da Free Water, há uma mudança necessária no comportamento de todos: deixarmos de debater o custo da água e passarmos a discutir o valor da água.
Só quando se mudar a perceção da responsabilidade coletiva para a boa gestão deste recurso comum, poderemos deixar de falar do preço da água (atualmente indexada apenas ao seu custo de produção e de exploração) e poderemos passar a falar do valor da água tanto na sua dimensão social, como na sua dimensão de sustentabilidade e na sua dimensão como pilar estruturante da competitividade e da soberania do país.
Uma vez obtido o esclarecimento de todos sobre o valor estruturante da água na sociedade, poderemos então perceber que devemos distinguir preço de valor e desbloquear os investimentos necessários para resolver os desafios atualmente existentes tanto na sua produção, como na sua gestão e no seu consumo.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.
ESTE ARTIGO CONTA COM O APOIO DA DELOITTE