As emissões de gases com efeito de estufa estão a descer de forma abrupta nas cidades e regiões mais afectadas pelo novo coronavírus (covid-19). Na China, as emissões recuaram 25% e em partes de Itália as descidas alcançaram os 40%. Há menos tráfego nas cidades e a poluição industrial está a registar uma forte quebra, mas paira o receio de que a resposta à pandemia possa ameaçar o combate às alterações climáticas e a concretização do Pacto Ecológico Europeu.
Com a implementação de medidas de contenção e a recomendação para a manutenção de distanciamento físico, o movimento nas cidades um pouco por todo o mundo mudou. Em Bogotá, foi criada uma rede de ciclovias temporárias para ajudar a reduzir as aglomerações no sistema de transportes públicos e a maioria das cidades em zonas afectadas pela covid-19 regista fortes quedas nos níveis de tráfego habituais, contribuindo para a queda das emissões de gases com efeito de estufa provenientes do sector dos transportes.
Segundo notícia desta segunda-feira, do jornal britânico The Guardian, os sensores de monitorização rodoviária instalados em Londres mostram já reduções “significativas” dos níveis de poluição. Em Itália, os níveis de óxidos de azoto (NOx), resultantes da queima de combustível, estão a descer nas cidades, mas a poluição desce também nas indústrias, onde quer que estas estejam, consequência da diminuição da actividade produtiva. Em Milão e noutras zonas do Norte de Itália a descida atingiu os 40%. As quebras registadas na China, entre 15% e 40% em sectores industriais chave, são apontadas pelo portal britânico Carbon Brief como as responsáveis pela “eliminação” de 25% “ou mais” das emissões de gases com efeito de estufa, num período de quatro semanas no decorrer da propagação epidémica. Ao longo dessas semanas, foram emitidas menos cerca de 100 mega toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera, relativamente a 2019. Este valor representa 6% das emissões das emissões mundiais para o mesmo período.
Só na China, a CNN indica que a redução nas emissões poderá já ter evitado a morte prematura de entre 50 mil a 75 mil pessoas. A Organização Mundial de Saúde estima que a poluição atmosférica cause todos os anos a morte prematura a sete milhões de pessoas.
Com a procura a descer, descem também os preços do barril de crude e os mercados internacionais são inundados pela oferta de petróleo, numa crise de saúde pública que gera instabilidade global socioeconómica e leva a medidas como o lançamento, por parte do Banco Central Europeu (BCE), de um pacote de estímulos à economia no valor de 750 mil milhões de euros.
Esta segunda-feira, o preço do barril de petróleo chegou a ser negociado abaixo dos 23 euros (24,72 dólares), o valor mais baixo desde 2016. A quebra na procura de produtos energéticos acompanha a queda do tráfego comercial, assim como a redução da actividade produtiva e do consumo de combustíveis. O petróleo não foi, contudo, a única matéria prima energética em queda. O portal Carbon Brief mostra, num artigo de 19 de Fevereiro, um recuo acentuado no consumo de carvão na China. O consumo de carvão nas unidades fabris desceu 36% numa média a duas semanas, acompanhado por um recuo na produção de carvão de 29%.
Pandemia é ameaça à acção climática?
As reduções nas emissões de gases com efeito de estufa e nos consumos energéticos são uma consequência directa da actual crise pandémica, sendo apenas um efeito colateral temporário. Um artigo de análise publicado no jornal on-line EUobserver levanta a hipótese de a pandemia global poder vir a colocar em causa a acção climática da União Europeia (UE). Na peça, é mencionada a declaração de Andrej Babiš, primeiro-ministro da República Checa. Perante o cenário de pandemia global e a crise de saúde pública que o continente Europeu actualmente enfrenta, o líder do Estado-Membro afirmou que a UE “devia esquecer o Pacto Ecológico Europeu e focar-se, antes, no coronavírus”.
O receio de que o choque económico provocado pela resposta à pandemia seja um entrave às metas europeias para o clima é confirmado por Thorfinn Stainforth, analista de políticas no centro de reflexão Institute for European Environmental Policy (IEEP), que avisa que “o aumento do défice público, mas também das dívidas privadas, pode reduzir o financiamento e os investimentos na mitigação e na adaptação às alterações climáticas”. O analista acrescenta, contudo, que esta pode também ser uma oportunidade para lançar um “Plano Marshall Verde”, capaz de promover simultaneamente o regresso à prosperidade e acelerar o caminho para a neutralidade carbónica, que deverá ser alcançado na UE até 2050. No total, o Pacto Ecológico Europeu prevê a mobilização de um bilião de euros para acção climática, a partir de fontes de financiamento públicas e privadas.
A resposta europeia a estes receios surgiu pelo presidente do comité para o ambiente e saúde pública do parlamento europeu, Pascal Canfin, que afirmou a necessidade de “garantir que não adiamos o Pacto Ecológico Europeu por causa da resposta ao coronavírus”. O parlamentar europeu afirmou ainda que o pacote de estímulos apresentado pelo BCE “deve ser visto como uma oportunidade para acelerar o pacto e a resposta à crise climática, ao invés de os atrasar”.
O novo Pacto Ecológico Europeu tem o objectivo de reduzir entre 50% a 55% as emissões de gases com efeito de estufa até 2030, relativamente a níveis de 1990. Segundo o jornal Público, que cita o portal Carbon Brief, a redução da poluição decorrente da actual situação de pandemia global pode levar a uma redução temporária das emissões mundiais de “cerca de 7%”, aproximando-se dos objectivos traçados pelo Acordo de Paris para 2020.