É pacificamente reconhecido que a titularidade de dados – sejam eles de que natureza forem – é um dos ativos mais importantes que uma empresa, de qualquer tipo, tem e pode ter. Por esse motivo, sempre existiram transmissões de dados – umas gratuitas outras, a maioria, onerosas (as frequentes compras e vendas de bases de dados) – entre operadores económicos no sentido de estes, ao melhor adequarem as suas ofertas aos seus clientes, obterem vantagens económicas.
Em novembro passado, a República Popular da China, numa iniciativa tão invulgar quanto arrojada (e na sequência de uma tentativa idêntica que não foi bem sucedida em 2015), estabeleceu uma bolsa regulada que permite a disponibilização, a compra e a venda de dados digitais (Shanghai Data Exchange). Pretende-se que esta bolsa seja o ponto de encontro entre quem pretende alienar e quem pretende adquirir bases de dados ao melhor preço (num encontro entre procura e oferta), garantindo-se, simultaneamente, a possibilidade de existência de uma fiscalização e regulação fortes.
Não se pretende nesta sede discutir as implicações destas transmissões de dados em matéria de proteção de dados pessoais e de respeito pelas garantias dos respetivos titulares. Essas preocupações, aliás, existem em qualquer transmissão de dados e que ocorrem com ou sem estes centros de negociação. Pretende-se, apenas, realçar três aspetos que esta experiência evidencia.
Em primeiro lugar, é absolutamente inquestionável que as smart cities dependem, na sua conceção e desenvolvimento, da existência de um conjunto vasto de dados sendo a probabilidade de sucesso dessas cidades, naquilo que são os seus desenvolvimentos tecnológicos (e sem prejuízo dos direitos das pessoas), tanto maior quanto mais extenso for o conjunto de dados disponíveis. Estas partilhas de dados são igualmente relevantes para efeitos de investigação científica.
Em segundo lugar, não deixa de ser paradigmático que este desenvolvimento suceda na República Popular da China, que, uma vez mais, assume a dianteira numa matéria crucial para o desenvolvimento económico.
Finalmente, e em terceiro lugar, este sistema, sob a aparência de uma maior desregulação do mercado, introduz, ao invés, uma capacidade de fiscalização e regulação da transmissão de dados – matéria sensível e que a União Europeia tem procurado realizar através de uma complexa e forte regulamentação – bastante significativas. De facto, cumpre salientar que a admissão de empresas a atuar nesta bolsa está sujeita à celebração de contratos e ao controlo de advogados e auditores.
Não se pretende, com este texto, defender ou criticar o modelo encontrado pela República Popular da China e, muito menos, sustentar a importação do mesmo para Portugal. O que em qualquer caso merece destaque é que, uma vez mais, a dianteira deste assunto, que será crucial no desenvolvimento futuro, não se encontra na União Europeia.
Fotografia: ©Xinhua/Fang Zhe
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.