O período de emergência que Portugal atravessou em resultado da Covid-19 permitiu observar um conjunto de novos hábitos e comportamentos de confinamento, que, embora de forma menos acentuada, irão permanecer até que exista uma vacina, sendo que as perspetivas mais consensuais apontam para a primavera de 2021.
Os novos hábitos e comportamentos de confinamento adotados pelos cidadãos para evitar infeções causadas pelo SARS-CoV-2, nomeadamente as restrições sociais, obrigações de higiene, redução de viagens, cuidados com os grupos de risco, e limitações ao status-quo das operações dos negócios nos variados setores económicos que suportavam a saúde financeira da sociedade portuguesa, colocam a situação financeira, económica, social e a saúde pública no centro da agenda política das cidades.
Um dos impactos já observados é uma maior predisposição dos portugueses para o e-commerce – segundo os analistas, o comércio online no segmento não alimentar passou de uma quota de 8% para 32% nas últimas semanas – levando as empresas de distribuição a aumentar o seu volume de trabalho, investindo em capacidade tecnológica, capital, cadeias logísticas e recursos humanos, reforçando as equipas de distribuição e de atendimento ao cliente. Consequentemente, verificou-se também um aumento do número de empresas a dar início ao seu processo de venda online, através da implementação rápida de projetos de transformação digital. Esta tendência favorecerá as cidades que já estejam digitalmente mais avançadas pois serão a “casa” mas adequada a esta nova geração de negócios totalmente digitais.
Outro dos impactos são os milhares de portugueses em teletrabalho. Na administração pública, são cerca de 64 mil os funcionários que viram as suas vidas profissionais alteradas e levaram o trabalho para casa. A aposta no teletrabalho estava prevista no programa do Governo e no Orçamento do Estado, mas a atual situação acabou por precipitar a mudança.
Segundo a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, o “objetivo mínimo” do Governo é manter pelo menos um quarto dos funcionários que estão atualmente em teletrabalho, e que a atual situação provou que este regime laboral é uma “forma por excelência de conciliação da vida profissional com a vida familiar” sem redução de produtividade e com melhoria da qualidade de vida.
As novas formas de consumo, juntamente com uma real opção de teletrabalho, contribuem para que as exigências da pandemia levem a uma maior racionalização das deslocações de pessoas e um inevitável impacto no metabolismo das cidades. Menos trânsito, menos poluição e mais espaço para o habitante da cidade.
Todavia, tanto o teletrabalho como o comércio online dependem das competências digitais e do acesso dos cidadãos aos meios digitais. Infelizmente em Portugal mais de 50% dos cidadãos possuem apenas competências básicas no plano digital, e 20% dos portugueses nunca usaram a internet. Por forma a responder a este problema de forma estratégica, o governo aprovou, no dia 21 de abril de 2020, o Plano de Ação para a Transição Digital, que se trata de um documento estratégico focado em 3 pilares: digitalização do Estado, transformação digital das empresas, e capacitação dos cidadãos nesta área.
A transição digital é, assim, um dos instrumentos essenciais da estratégia de desenvolvimento do país, do território e das cidades, em alinhamento com os objetivos políticos para os investimentos da Europa, cuja nova Comissão, indigitada em setembro 2019, definiu como uma das seis prioridades do mandato “Preparar a Europa para a Era Digital”, que visa garantir que a tecnologia está ao serviço das pessoas e confere um valor acrescentado ao seu quotidiano e melhoria do seu nível de vida.
Tudo indica que Portugal e a Europa estão alinhados na estratégia definida para enfrentar os desafios e as mudanças inerentes à evolução digital e tecnológica, importa, no entanto, saber se estão preparados para responder ao processo acelerado com que a mudança de hábitos e comportamentos dos cidadãos exige que seja feita esta transformação nas cidades.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.