Em entrevista à Smart Cities, a Presidente da Câmara de Torres Vedras, Laura Rodrigues, reitera o empenho da autarquia com as metas climáticas e dá como exemplo as medidas do Plano de Ação para a Sustentabilidade Energética e Climática e do Plano Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas. Promover a descentralização da produção de energia no concelho, investir em energias verdes incentivar a mobilidade sustentável e combater a pobreza energética são algumas das prioridades do município.
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A autarquia apresentou recentemente o Plano de Ação para a Energia Sustentável e o Clima, que tem como grande desígnio a neutralidade carbónica até 2050. Quais são os principais desafios e prioridades da cidade para atingir esta meta?

Encontram-se neste momento em fase final de elaboração dois planos fundamentais em matéria de política climática municipal: o Plano de Ação para a Sustentabilidade Energética e Climática e o Plano Municipal de Adaptação às Alterações, que permitirão colocar em prática medidas mais ambiciosas, em linha com os objetivos e metas a atingir até 2050.

Entre as principais prioridades está a necessidade de promover a descentralização da produção de energia no território de Torres Vedras, numa lógica de autoconsumo e de comunidades ou cooperativas de energia, para além da continuidade no investimento em energias verdes e renováveis, como são o hidrogénio, a energia solar hídrica, eólica, biomassa, oceânica e geotérmica.

Será ainda essencial dar continuidade às ações de mobilidade sustentável, promover a eficiência no edificado e combater a pobreza energética, não deixando ninguém para trás. A par dos avultados investimentos de modernização para a transição energética, haverá ainda um longo caminho a percorrer ao nível da capacitação e sensibilização de todos os Munícipes, com vista a alcançar hábitos de consumo e mobilidade mais sustentáveis, entre outras alterações comportamentais relevantes.

Apesar da necessária concertação de resposta ao nível mundial, entendemos que o papel das autoridades locais é determinante na promoção e aplicação de medidas de mitigação e adaptação às alterações climáticas, atuando diretamente nos domínios específicos das suas competências, como a qualidade do ambiente, o ordenamento do território, a saúde pública, a proteção civil, a floresta, a gestão de riscos, o abastecimento de água e energia e o desenvolvimento social.

É nesse sentido que o Município de Torres Vedras assume um forte compromisso em integrar as opções de adaptação nos seus instrumentos de gestão territorial e nos seus projetos relevantes, atuar ao nível da redução das emissões de GEE, bem como promover ativamente a disseminação de informação e sensibilização, garantindo um forte envolvimento da população, reforço da participação das partes interessadas e a cooperação entre as mesmas.

No que se refere aos desafios, apontaria a necessidade de captar recursos humanos especializados, criando equipas jovens qualificadas para trabalhar em áreas estratégicas como são as alterações climáticas e transição energética. Por outro lado, os recursos financeiros são limitados, tendo em conta os investimentos necessários para fazer face às necessidades de intervenção no litoral. Com uma linha de costa de 20 km, Torres Vedras tem zonas de arriba que a curto/médio prazo terão sérias necessidades de intervenção, para conter os deslizamentos de massa e de vertentes que já se verificam no presente.

É certo que no último ano surgiram variadas oportunidades na União Europeia ao nível do combate às alterações climáticas e transição energética. Porém, muitas vezes a informação divulgada encontra-se dispersa e com âmbitos sobrepostos entre diferentes instituições, o que torna difícil a análise por parte dos Municípios e de outros atores.

Para que consigamos atingir as metas de neutralidade climática no prazo a que nos propomos, o nível de atuação tem de ser amplo, abrangendo todos os atores e setores da sociedade. Para isso, é fundamental mobilizar os cidadãos para a alteração de comportamentos, hábitos de consumo e padrões de mobilidade, assim como para a realização de pequenos investimentos ao nível da produção de energia renovável e autoconsumo. O mesmo se aplica à modernização dos setores industrial e agroindustrial.

“A par dos avultados investimentos de modernização para a transição energética, haverá ainda um longo caminho a percorrer ao nível da capacitação e sensibilização de todos os Munícipes.”

O início deste percurso rumo à neutralidade carbónica começou há pelo menos 20 anos, quando foi lançado o Plano Municipal de Ambiente. Durante este período, quais foram as maiores dificuldades e desafios que a cidade enfrentou?

O percurso de Torres Vedras em matéria de ação climática é longo, já tem mais de 20 anos. Podemos dizer que tem sido exemplar, não só por ter sido pioneiro no planeamento da estratégia climática, como pelo conjunto das ações já executadas e pelo justo reconhecimento que tem colhido, através de importantes distinções a nível nacional e internacional.

O primeiro grande compromisso assumido ocorreu com a adesão ao Pacto dos Autarcas, em 2010, seguindo-se a adoção do Plano de Ação para a Sustentabilidade Energética de Torres Vedras, em 2013, e a Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas, em 2016.

Até ao momento, o caminho percorrido por Torres Vedras passou pela implementação de 45 medidas de redução de Gases com Efeito de Estufa (GEE) que permitiram obter uma redução de emissões de CO2 na ordem dos 29% face a 2009, associada a uma redução significativa dos consumos de energia elétrica (21%).

Tendo iniciado o seu percurso numa altura em que a incipiência do conhecimento era generalizada, não tivemos oportunidade de discutir amplamente com os nossos pares sobre a definição das melhores estratégias ou medidas de adaptação climática a adotar. Fizemos este trabalho num fórum relativamente restrito, a nível nacional, embora com inúmeros exemplos de liderança a nível europeu que muito inspiraram o percurso de Torres Vedras.

O nosso entendimento de que podíamos dar um contributo fundamental para as questões da sustentabilidade ambiental e da transição climática levam a que Torres Vedras assume um papel de charneira, reforçando a sua aposta na adaptação e mitigação das alterações climáticas

Face à evolução do enquadramento europeu e nacional, com metas mais ambiciosas visando a neutralidade carbónica em 2050, o Município de Torres Vedras procedeu à atualização dos seus principais instrumentos de política climática, prevendo-se que muito em breve inicie a operacionalização das medidas e ações contidas nos planos.
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Outro dos grandes objetivos da autarquia é a gestão sustentável dos resíduos e da água. Quais as medidas e projetos que vão desenvolver nestas áreas?

O processo de elaboração do Plano de Ação para a Energia Sustentável e o Clima teve como objetivo definir as ações e medidas de mitigação que permitirão concretizar a estratégia climática e, por essa via, viabilizar o alcance dos objetivos de descarbonização até 2050.

No que toca às ações relacionadas com a gestão sustentável de resíduos e da água, o Plano identificou dois grupos de medidas de sustentabilidade energética orientadas para esse fim: gestão sustentável de água e gestão sustentável de resíduos e economia circular, que se desdobram em 8 ações de mitigação cada.

Entre as principais ações na área da gestão sustentável da água encontram-se, por exemplo, a adequação dos sistemas de bombagem a horas de menor consumo energético, a elaboração e implementação de um Plano de Reutilização de Águas Residuais Tratadas e a elaboração e implementação de um Plano Municipal de Gestão da Água.

Desta forma, pretende-se otimizar o uso de recursos hídricos em edifícios e equipamentos municipais, a redução das perdas de água, a reabilitação de equipamentos em estações elevatórias e estações sobrepressoras de água, o controlo de afluências indevidas, a telemetria domiciliária e a gestão sustentável de resíduos e economia circular.

No setor dos resíduos, as ações passam pela implementação do sistema “pay as you throw” para recolha de resíduos, mas também pelo aumento da rede de oleões, a implementação de circuitos de recolha de biorresíduos, a avaliação da viabilidade de implementar um sistema de recolha e valorização dos resíduos agrícolas e florestais e a otimização da gestão de resíduos.

A estas ações, alia-se a implementação de medidas para redução do desperdício alimentar nos refeitórios municipais, a promoção de soluções de redução e gestão de resíduos, ações de economia circular em edifícios residenciais, terciários e industriais, entre outros, e a incorporação de Resíduos de Construção e Demolição reciclados nas empreitadas e obras públicas por administração direta.

A gestão de resíduos é ainda visada no Objetivo Estratégico (OE3) –  Transição Energética, através da definição de medidas relacionadas com compras públicas ecológicas e padrões de consumo e economia circular, prevendo em concreto a conceção e integração de critérios de sustentabilidade nas compras públicas do Município, a aquisição de produtos e serviços mais ecológicos e circulares e o incentivo à redução do uso de recursos, potenciando a economia circular através de programas de reutilização e valorização.
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O relatório da Declaração Europeia das Cidades Circulares destacou, entre outras ações, o Programa de Sustentabilidade na Alimentação Escolar lançado pelo município. É uma forma da cidade dar o exemplo, sensibilizando desde logo as crianças e o resto da comunidade escolar?

Sem dúvida. Falamos de um programa que proporciona refeições confecionadas com produtos locais e sustentáveis a todas as crianças e jovens abrangidas pelas cozinhas municipais. O concelho de Torres Vedras caracteriza-se pela produção de uma grande diversidade de produtos de qualidade, nomeadamente hortícolas e frutícolas.

Essa diversidade proporciona o acesso a alimentos mais frescos e sazonais contribuindo, consequentemente, para a prática de dietas mais sustentáveis. Por outro lado, o Programa proporciona um impacto positivo na economia local.

Acreditamos que é por tudo isto que o projeto é apresentado como um exemplo a seguir a nível nacional e internacional, com destaque para o seu reconhecimento por parte da Comissão Europeia enquanto exemplo de boas práticas na categoria “Sistemas de Alimentação Saudáveis e Sustentáveis”.