A energia é um dos principais recursos no Universo, sendo um dos mais determinantes desde a sua origem. Do Big Bang à Revolução Industrial, passando pela abiogénese, até aos dias de hoje e no futuro, a energia representa a condição básica para qualquer transformação, seja na natureza, seja na atividade antropológica.
Não é por acaso que a energia é representada simbolicamente pelo fogo, como elemento primário utilizado em várias religiões, a par da água, do ar e da terra – todos eles representando os recursos naturais, os serviços de ecossistema e a vida.
Muito haveria a dizer do ponto de vista histórico sobre a importância e o papel que a energia representou ao longo da história planetária e da Humanidade, mas centremo-nos na sua dependência nos tempos hodiernos. O modelo económico global vigente e a evolução tecnológica e digital têm levado a que a sociedade contemporânea tenha uma crescente dependência energética, de tal modo que não conseguimos imaginar nenhuma atividade sem recorrer a uma fonte de energia.
Mas, como sabemos, nem todas as fontes de energia são amigas do ambiente. Ao nível global, em 2020, a Humanidade continuou a depender 88% de fontes fósseis ou poluentes (incluindo 4,34% de nuclear), sendo que, dos 12% de consumo energético através de fontes renováveis, uma fatia substancial provém da hídrica (6,9%). Desde que há registos, 2020 foi o melhor ano deste ponto de vista, pelo que se espera manter esta tendência, ainda que estejamos longe de atingir o cenário desejável de net zero.
Já no que respeita à dependência energética, dados do Eurostat, de 2020, dizem-nos que a União Europeia (UE) está em “maus lençóis” e continua a piorar, dependendo energeticamente do exterior em 57,5%. Este fator está intimamente ligado com o aumento do consumo europeu, valendo a pena ressalvar a trajetória de Portugal, que é o segundo país da UE com a maior descida desta taxa de dependência, passando, em 20 anos (2000-2020), de 85,3% para 65,3% (-20%), ainda que tenha aumentado o consumo anual per capita em mais de 290% nos últimos 50 anos (de 10 kWh para 29 kWh – pré-Covid-19).
Voltando às tipologias de fontes de energia, também é relevante o facto de Portugal ter tido, em 2021, o valor mais alto de sempre de consumo e produção de energia por fontes renováveis, sendo que se estima que esta tendência seja para manter no futuro, com o fecho das centrais de carvão e os investimentos alavancados na área de produção renovável e eficiência energética.
Posto isto, importa aqui recordar que a maior parte do conhecimento e do pensamento publicado incide sobre as questões de consumo, eficiência e pobreza energéticas, ao nível doméstico, ou de fontes de energia, quando falamos de transportes. O relevo que é dado não está incorreto, considerando que o setor dos transportes é responsável por 32% do uso de energia, dos quais 9,1% são de origem renovável, e por 28% do total de emissões de GEE – gases de efeito de estufa (CO2e), tendo reduzido 13,3% em 2021 – em linha, portanto, com os objetivos para 2030, que preveem a meta de 20% de incorporação de energias renováveis nos transportes e uma meta de redução de 40% da emissão de gases com efeito de estufa também no setor dos transportes. Já o setor doméstico é responsável por 19,5% do consumo de energia e apenas por 4,2% das emissões (CO2e).
Pouco ouvimos falar do setor industrial e agrícola. Os setores primário e secundário, juntos, em 2019, representavam um total do consumo energético de 34,4% (considerando o setor da construção), dos quais mais de 50% são de origem fóssil, sendo os dois setores menos eficientes em termos de intensidade energética e os responsáveis por 35,3% do total de emissões de GEE (CO2e) – isto sem olharmos para a pegada ecológica, o que representaria um número ainda superior.
Na indústria, a energia pode representar mais de 25% do total do preço do produto final, o que, a par dos recursos humanos, é o maior custo das empresas. Grande parte das empresas transformadoras em Portugal apenas consegue recorrer ao gás e a outros combustíveis fósseis para manter a sua produção. É por isso urgente que a ciência e o conhecimento invistam mais na capacidade de transição e transformação de modelos capazes de recorrer a processos alternativos de descarbonização, como o hidrogénio, e que sejamos, assim, capazes de aumentar a eficiência do nosso tecido produtivo.
É necessário mudar este paradigma nas empresas, que as torna atualmente reféns dos preços da eletricidade e do gás, com impactos brutais nos empregos e nos preços finais ao consumidor, levando mesmo, no limite, ao encerramento das mesmas. Para este combate, as agendas mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência são uma oportunidade fundamental para a inovação nas empresas, dispondo de 14 mil milhões de euros, dos quais 33,3% são para a energia, e com relevo também para os apoios à descarbonização na indústria e para os roteiros de descarbonização, num total de 715 milhões de euros.
Nesta vertente, aplica-se igualmente o princípio do aumento de custos por inação relativa às alterações climáticas. Na mesma lógica de tentar olhar para os pormenores, o setor da energia tem estado sempre ligado à questão da mitigação das alterações climáticas como contribuinte líquido para a redução das emissões, embora não nos possamos esquecer de que o aumento dos eventos climáticos extremos, pelos seus impactos, coloca em risco a segurança e a estabilidade do acesso, produção e consumo de energia.
Para este combate, as agendas mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência são uma oportunidade fundamental para a inovação nas empresas, dispondo de 14 mil milhões de euros, dos quais 33,3% são para a energia, e com relevo também para os apoios à descarbonização na indústria e para os roteiros de descarbonização, num total de 715 milhões de euros.
No passado dia 26 de abril, as Nações Unidas, através da sua unidade para a redução de risco de catástrofe (UNDRR), publicaram o relatório anual de avaliação global para a redução de risco de catástrofe afirmando que a Humanidade está numa espiral de autodestruição, prevendo que se aumente de 400 eventos climáticos extremos anuais (2015) para 560 (2030). Um crescimento de 40% que significará que teremos uma média de 1,5 catástrofes/dia. Portugal, a Península Ibérica e a Europa não escapam aos impactos associados aos riscos climáticos, sendo previsível que os eventos extremos como secas, ciclones, incêndios ou cheias aumentem a sua frequência e intensidade, colocando em causa as nossas infraestruturas, mas também as metas de descarbonização, por dependermos da produção hídrica.
Da mesma forma, considerando que são cada vez mais frequentes os ciberataques, é fundamental que possamos apostar na dependência, no armazenamento, na segurança, nas smart grids e na interconexão internacional. Assim, além da mitigação às alterações climáticas – na qual, neste particular, Portugal continua no bom caminho, quando em 2020 atinge o valor mais baixo de sempre em emissões de CO2 por unidade de energia produzida, correspondendo a 0,16 kg/kWh –, é necessário incutir a adaptação e a resiliência climática nas empresas e em todo o tipo de organizações, de forma a garantir a segurança e a estabilidade imprescindível no setor energético.
Tal como na série Star Trek, em que o caminho para as estrelas nos leva a futuros incertos, saibamos continuar a disputar pela manutenção da Humanidade e a procurar por novas civilizações.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.