O índice de inteligência das cidades não se mede apenas pela quantidade de dispositivos onde está escrita a palavra smart, isto é, mais do que sensorizada, conectada e monitorizada, uma cidade inteligente é cada vez mais uma cidade onde seja bom viver! Tudo o resto são ferramentas de gestão, de auxílio à decisão e de prevenção de catástrofe.

De facto, os modelos de desenvolvimento urbano da generalidade do território, com especial enfoque nas grandes cidades, associados ao contexto das alterações climáticas, têm vindo a provocar, de forma cada vez mais frequente, o que habitualmente se intitula por “eventos extremos”, que são, na realidade, períodos curtos mas de intensa pluviosidade. Os mais recentes estudos, apontam para o facto de estarmos já a viver numa situação em que temos menos dias com intensidade moderada e mais dias com forte intensidade de precipitação, o que resulta num valor percentual significativo de precipitação, aumentando exponencialmente os riscos de cheia e trazendo obviamente novos problemas na gestão das cidades e colocando novos desafios aos municípios e/ou às entidades gestoras que têm a responsabilidade da gestão dos sistemas de águas pluviais.

Este padrão de precipitação, combinado com a crescente impermeabilização dos solos em meio urbano, traduz-se num aumento súbito dos caudais que não têm correspondência na capacidade de transporte das infraestruturas existentes, nem na da rede hidrográfica, que sofre processos erosivos e de arrastamento de resíduos e substâncias poluentes para os oceanos, sendo uma fonte de contaminação dos mesmos.

É neste contexto que a gestão destes sistemas assume uma importância crescente e deverá fazer parte da estratégia de desenvolvimento do espaço urbano, devendo estar integrada nos instrumentos de ordenamento do território. A água pluvial deverá ser entendida como um recurso valorizável através de múltiplas formas como seja o seu reaproveitamento para usos não potáveis em edifícios de habitação, equipamentos desportivos, rega de jardins, reservas para combate a incêndios, etc., constituindo-se como uma oportunidade, aproveitando-a como um recurso fundamental para o funcionamento dos ecossistemas no contexto atual das alterações climáticas.

Por sua vez, as soluções urbanísticas devem privilegiar as opções que promovam os processos de infiltração das águas nos solos, servindo para reforçar as reservas subterrâneas de água, as que aumentam os tempos de retenção nos espaços públicos, as que alimentam e criam zonas húmidas, benéficas para a conservação da biodiversidade e que mitigam efeitos de temperaturas mais extremas, as que preveem a criação de espaços verdes nas envolventes às zonas edificadas e nas coberturas dos edifícios com utilização de água pluvial para rega, as que promovem a implementação de zonas de amortecimento de caudais associadas a zonas de lazer.

“A água pluvial deverá ser entendida como um recurso valorizável através de múltiplas formas como seja o seu reaproveitamento para usos não potáveis em edifícios de habitação, equipamentos desportivos, rega de jardins, reservas para combate a incêndios, etc., constituindo-se como uma oportunidade, aproveitando-a como um recurso fundamental para o funcionamento dos ecossistemas no contexto atual das alterações climáticas.”

Desta forma, estaremos a contribuir para melhorar o ambiente e para mitigar fenómenos de inundação que causam enormes prejuízos patrimoniais nas cidades e penalizam a atividade económica.

A par disso, os recursos hídricos naturais têm um papel central cada vez maior nas cidades (inteligentes). Hoje (e a pandemia de Covid-19 veio alavancar ainda mais esta ideia), é claro que uma cidade atrativa é aquela que oferece à população espaços naturais e ambientalmente valorizados e ao mesmo tempo contribui para a descarbonização, uma vez que uma gestão “ativa das linhas de água” potencia mecanismos de “sequestro de carbono”, sendo a interação entre espécies vegetais, animais, com a água, microrganismos e nutrientes, essencial para reciclagem eficiente dentro do sistema, sendo a valorização ecológica das linhas de água essencial para a promoção da redução da pegada carbónica das cidades.

Uma cidade onde é bom viver é uma cidade moderna, bem infraestruturada, digital e com boas acessibilidades e modernos meios de comunicação e transporte, mas também que conviva com os espaços verdes, as linhas de água despoluídas e que estas estejam “ao serviço” do cosmopolismo, promovendo uma rede de trilhos que permitam a fruição dos espaços para atividades de lazer e desporto, potenciando a qualidade de vida e a atividade turística.

O meio ambiente de mãos dadas com a inovação tecnológica assume-se como fundamental para o aumento da qualidade de vida das cidades, sendo certamente um dos fatores de escolha para cidadãos cada vez mais globais e num mundo em que as cidades estão também elas a competir para captar pessoas e empresas.

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.