Com um montante global de cerca de 23 mil milhões de euros, o Portugal 2030 dá corpo ao novo ciclo de financiamento comunitário em Portugal, resultante do Acordo de Parceria entre o Governo e a Comissão Europeia para o período 2021-2027. Com origem em cinco Fundos Europeus, o Portugal 2030 aponta cinco objectivos estratégicos – “uma Europa mais inteligente, mais verde, mais conectada, mais social e mais próxima dos cidadãos”. É distribuído por 12 Programas que mobilizarão os recursos disponíveis: – quatro de âmbito temático (Demografia, qualificações e inclusão; Inovação e transição digital; Acção climática e sustentabilidade e Mar), cinco regionais (NUTS II do Continente), dois das Regiões Autónomas e um de Assistência Técnica. Além destes, Portugal participa ainda num conjunto de programas de Cooperação Territorial Europeia.
As cidades ocupam menos de 2% da superfície do planeta, no entanto, são responsáveis por 65% do consumo energético e, consequentemente, por mais de 70% das emissões de CO2 mundiais. Por sua vez, as cidades, que estão na linha da frente nos impactes das alterações climáticas, albergam cerca de 75% da população, o que, face ao aumento dos eventos extremos, coloca um elevado número de pessoas numa situação de vulnerabilidade. Estes números, por si só, demostram a urgência em reduzir a pegada ecológica das cidades. Porém, os municípios não conseguem fazer a diferença de forma isolada, pois as suas actividades directas são geralmente responsáveis por uma pequena fracção dos consumos energéticos e das emissões do território.
Compreendendo este problema e a relevância das cidades no combate às alterações climáticas, a Comissão Europeia lançou a Missão Cidades, com o objectivo de tornar 100 cidades europeias inteligentes e com impacto neutro no clima até 2030. Após um processo de candidatura, que contou com 19 propostas de Portugal, Guimarães, Porto e Lisboa viram os seus esforços reconhecidos e passaram a integrar a restrita lista de 100 cidades europeias. As cidades seleccionadas estão agora a trabalhar em estratégias para assinar contratos climáticos com os principais responsáveis pelas emissões do território com o objectivo de, em conjunto, implementarem medidas que permitam traçar um caminho conducente à descarbonização dos territórios. Face à sua dimensão e abrangência, este processo será exigente, desafiando as cidades envolvidas a capacitarem-se e a mobilizarem recursos para a neutralidade climática numa escala sem precedentes.
Na realidade, o desígnio da neutralidade climática está, de forma mais ou menos integrada, a ser assumido por muitos dos municípios nacionais, contudo, tal como os envolvidos na Missão Cidades, todos “esbarram” no financiamento. Se há medidas que apresentam retornos relativamente rápidos, como é o caso da adopção de renováveis, há outras que têm retornos muito longos, como são os casos da reabilitação energética dos bairros sociais, da promoção de meios de transporte fiáveis e sustentáveis ou da introdução de medidas de resiliência climática e captura de carbono, de que são exemplos os projectos de renaturalização (Nature Based Solutions) e reflorestação. É exactamente aqui que reside a importância do Portugal 2030.
Com um montante global de 23 mil milhões de euros a executar entre 2021 e 2027, o Portugal 2030 surge num momento crucial para os municípios, podendo contribuir para a adopção de medidas mais complexas, sejam de tipologia infraestrutural, sejam relacionadas com reorganização de serviços.
“Na realidade, o desígnio da neutralidade climática está, de forma mais ou menos integrada, a ser assumido por muitos dos municípios nacionais, contudo, tal como os envolvidos na Missão Cidades, todos “esbarram” no financiamento.”
Assim, o programa Inovação e transição digital (com 3,9 mil milhões de euros) ou o programa para a Acção Climática e sustentabilidade (com 3,1 mil milhões de euros), que visam, entre outros, apoiar a inovação e a competitividade, a transição energética e a descarbonização, bem como investimentos no domínio dos transportes, designadamente da ferrovia, são a oportunidade para promover tecnologias limpas e soluções que aumentem a resiliência das cidades alavancando investimentos privados.
Estes programas devem ainda ser desenhados com o objectivo de alavancar investimentos privados, nomeadamente através de parcerias público-privadas, pois o valor de financiamento público, embora muito elevado, é “insignificante” face às necessidades. Um exemplo é a promoção de projectos em formato de Contratos de Desempenho Energético, envolvendo as Empresas de Serviços de Energia no sector da energia; outro exemplo é a valorização dos serviços de ecossistema e a minimização dos impactes das alterações climáticas através de projectos de base natural.
Na RdA Climate Solutions, temos a oportunidade de trabalhar a nível europeu, por exemplo, no consórcio que gere o Smart Cities Marketplace para a Comissão Europeia. Isso permite-nos ver exemplos de sucesso em outras latitudes, e, ao longo do tempo, fui percebendo que um município isolado, independentemente da sua dimensão ou localização, tem sempre dificuldade na implementação de projectos complexos ou de baixo retorno financeiro. Os exemplos de sucesso advêm tipicamente dos municípios que se agrupam com o objectivo de trabalhar em rede, partilhar conhecimento, inovar e captar financiamento ou investidores privados.
Os municípios que abraçaram o desígnio da neutralidade climática devem associar-se e explorar sinergias, que, ao serem reconhecidas e apoiadas pelo Governo através da disponibilização de linhas específicas de financiamento, alavancarão a replicação de projectos de sucesso!
Fotografia de destaque: © Paulo Cardoso/Unsplash
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.