Por: Daniel Oliveira, Marianne Moraes e Mônica Mesquita*

*Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa

Participação tem sido um dos conceitos mais utilizados quando se fala nas bases das cidades inteligentes e no ordenamento territorial. Mas como é materializada essa participação? Quem realmente participa e tem a oportunidade de participar?

Embora o desenvolvimento de tecnologias inteligentes seja essencial para lidar com as dinâmicas complexas das cidades, ao atuar numa esfera digital com multiplicidade de dados e infinitas possibilidades de análises, é necessário humanizar tais tecnologias e compreender a necessidade de aproximação e envolvimento com as comunidades, na tentativa de se construir territórios mais participativos, democráticos, equitativos e justos.

Para se construir um território inteligente, no qual os múltiplos espaços urbanos incluam e sejam de todos, é preciso que a participação pública se faça presente. Os processos participativos são uma forma de reduzir problemas de injustiça e desigualdade social (Ditty & Rezende, 2013). Segundo Milani (2008), a participação é a reivindicação histórica de alguns movimentos sociais. Estas reivindicações são causas de conflitos territoriais provocados por situações de injustiça espacial (Pereira & Ramalhete, 2017).

A participação tem diversas formas e espaços e revela-se, no contexto institucional público, a sua mais expressiva fraqueza, a ausência de si mesmo, a falta de participação e a crescente construção de injustiças espaciais. A participação, tal como tem sido desenvolvida, top-down e direcionada a comunidades e temáticas específicas, causa o distanciamento e a exponencial invisibilidade de outros cidadãos, comunidades e territórios. É preciso aproximação às especificidades de cada território. É preciso dialogar com as comunidades residentes para perceber sua história, o seu lugar e os seus anseios. A participação tem de se fundar em justiça, pelo que deve ser estruturada num fluxo bottom-up e community-based, para que cada cidadão faça parte da produção de conhecimento e da transformação social que lhe diz respeito.

Escutar e dialogar com as comunidades e stakeholders relacionados com um território específico, criando caminhos para a resolução de possíveis conflitos, é uma forma de possibilitar uma participação efetiva e eficaz. Ao reconhecer a existência de uma pluralidade de conhecimentos, de posicionamentos e de intenções, e considerar as comunidades como conhecedoras de sua história e dos pontos de fratura dos arranjos sociais, abrem-se possibilidades para fomentar participação naquilo que importa, de facto, ao cidadão. É neste sentido de participação que atua o projeto Partibridges. Este é um projeto financiado pelo Programa ERASMUS +, o qual tem na sua representação em Portugal a Universidade NOVA de Lisboa (UNL), através da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT), sendo coordenado pelo Observatório de Literacia Oceânica (OLO), junto com a Associação de Pesca Artesanal, Local e Costeira e de Apoio Social aos Pescadores da Costa da Caparica (ALA-ALA).

O Partibrigdes é uma iniciativa liderada por quatro universidades e associações de jovens de quatro cidades: Rennes (França), Eskisehir (Turquia), Lisboa (Portugal) e Manchester (Reino Unido), que tem como objetivo principal desenvolver uma cooperação mais estreita entre o ensino superior, os jovens trabalhadores e os jovens com baixa escolaridade. Este processo promove a busca pelo diálogo e pela democratização dentro das universidades, gerando um ambiente participativo fora dela (Moraes et al., 2014). Nesse sentido, um dos produtos que o projeto propõe é o desenvolvimento de um Módulo de Mestrado relacionando a participação social e cívica de jovens na Europa.

Em Portugal, este Módulo será realizado no Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da FCT / UNL. O foco de atuação da equipa no país é em estabelecer um vínculo da educação formal com a comunidade piscatória da Costa da Caparica, que representa a educação informal. A fim de cumprir com o primeiro produto do projeto, a equipa tem feito encontros que envolvem a participação de comunidades da Costa da Caparica, por meio dos pescadores e residentes da zona costeira, bem como de pesquisadores, professores, mestrandos, doutorandos e técnicos (cerca de 18 participantes).

O Partibridges, em Portugal, tem sido desenvolvido a partir de um trabalho colaborativo, estruturado em metodologias circulares e dinâmicas participativas, o qual procura contribuir em nosso processo de reconhecimento enquanto grupo e na desconstrução do conhecimento científico como verdade única. Esse processo tem levado a um sentimento de aprendizagem individual e coletivo, e tem colaborado para a perceção da necessidade de se aproximar cidadãos, comunidades e academia, de os(nos) envolver naquilo que os(nos) envolve, de criar caminhos coletivos para o uso do direito à (ao poder de) participação.

 

Referências bibliográficas
Ditty, J. M. & Rezende, C. E. (2013). Public participation, artisanal fishers, and the implantation of a coastal megaproject. Sociedade & Natureza, 25 (1). http://dx.doi.org/10.1590/S1982-45132013000100005

Milani, C. R. S. (2008). O princípio da participação social na gestão de políticas públicas locais: uma análise de experiências latino-americanas e européias. Revista de Administração Pública, 42(3), 551–579. https://doi.org/10.1590/s0034-76122008000300006

Moraes, I. M. P.; Godoy, M. T. T.; Braga, V. S. (2014). Planejamento estratégico participativo: proposta metodológica para as IFES. Eixo temático: Gestão e Políticas de Informação Modalidade: Apresentação Oral. https://engpti.fic.ufg.br/up/715/o/PLANEJAMENTO_ESTRAT%C3%89GICO_PARTICIPATIVO_-_pronto.pdf

Pereira, M. & Ramalhete, F. (2017). Planeamento e conflitos territoriais: Uma leitura na ótica da (in)justiça espacial. Finisterra. LII (104), 7 24. doi: 10.18055/Finis6972

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