Cumpre aos municípios, enquanto autoridades territoriais, abraçar e demonstrar, pela prática e pelo exemplo, os princípios e objetivos de circularidade aplicada a todas as dimensões da fileira da construção. É esta a postura e o desempenho que são a expectativa da sociedade civil em geral, e dos muito diversificados atores do setor da construção em particular.

A adoção de diretrizes de atuação, regulação e suporte aos intervenientes no processo construtivo das cidades apresenta-se como um modo eficaz de procurar e promover a redução e a crescente reutilização dos recursos primários, de modo natural e sustentável. Só assim se potencia a transição para a uma economia mais circular e de mais baixo carbono, com foco na durabilidade, adaptabilidade e redução de recursos em edifícios e espaço público.

A Iniciativa Nacional Cidades Circulares (InC2), sendo um programa do ministério do Ambiente e da Acção Climática coordenado pela Direção-Geral do Território, foi concebida para apoiar e capacitar os municípios e as suas comunidades locais na transição para a economia circular, assente em metodologias de co-criação e planeamento participativo, bem como no trabalho e aprendizagem em rede entre cidades parceiras, em torno de temas que visam uma abordagem holística da circularidade das economias urbanas.

Com caráter pioneiro e experimental, alguns municípios portugueses estão hoje comprometidos com agendas temáticas que sinteticamente se agrupam em quatro temas: “urbanismo e construção”, “economia urbana para a circularidade”, “relações urbano-rurais” e “ciclo urbano da água”.

Aqui, interessa hoje abordar a experiência que se vai estruturando na R2CS – Rede Circular para a Construção Sustentável, parceria que agrega oito municípios [1], representantes de diversos contextos territoriais, (continental e insulares). Estes, enquanto autarquias locais gestoras do bem público e da obra pública, proporcionam um lugar de experimentação e teste de iniciativas que se orientem para o estímulo, sensibilização e consciencialização geral de todos os cidadãos, em prol dos territórios mais eficientes e sustentáveis.

Conscientes de que, nos dias de hoje, o ambiente construído é responsável por 40% do uso global de materiais em massa e 40 % da produção de resíduos em volume, e que edifícios e o setor da construção em geral são responsáveis por 37% das emissões globais de carbono, está a ser promovido um processo de trabalho assente na discussão e co-criação, envolvendo os agentes e atores relevantes da cidade, convocados regularmente na forma de Grupos de Planeamento e Acção Local.

Num dinâmico processo participativo que conta com contribuição interessada e comprometida das comunidades locais, os indivíduos, empresas e entidades diversas debatem, no contexto de uma realidade local e regional, as questões e problemáticas que decidem eleger como desígnios e orientadores da ação a desenvolver. São assim destacados e expressos aquelas problemáticas e os objetivos que melhor se julgam relacionar com a urgência do desenvolvimento e promoção de uma estratégia local para a redução, valorização e reutilização de produtos e componentes de construção – legalmente designados por Resíduos de Construção e Demolição (RCD) – assim reduzindo o impacte ambiental da construção e promovendo a circularidade da economia sistémica do setor.

Desenvolver uma rede de gestão territorial de proximidade, identificando agentes e pontos de acesso, num trabalho conjunto entre todos os agentes (públicos e privados) de municípios cooperantes, é essencial.

Reconhecendo que agir é urgente, estes fóruns de discussão abordam invariavelmente e citam recorrentemente os casos paradigmáticos e exemplificativos das práticas dolosas ou infratoras, sempre lesivas do bem público e do ambiente. Impõe-se ainda ao ente público a urgência de fiscalização e, necessariamente, de regulação. Este incontornável papel regulador, quando não efetivamente assumido pelo Estado central, cabe às administrações locais, formatando em posturas locais as orientações para uma atividade regulada e orientada por princípios de sustentabilidade.

A elaboração de um Regulamento Municipal da Construção julga-se frequentemente como uma ferramenta capaz de, pela via do entendimento da possível circularidade de todas as atividades do setor, incentivar processos geralmente designados como “do berço ao berço” (C2C, Cradle to Cradle), isto é dizer: da origem dos materiais à sua nova utilização, visando a redução, a transformação e reintegração, eventualmente também pela via da reciclagem.

Este novo modo de olhar para os vulgarmente designados Resíduos da Construção e Demolição (RCD) promove a sua consideração como recursos efetivos do ciclo de processo construtivo e, portanto, um ativo que, para ser valorizado, tem, antes de mais, de ser conhecido.

Neste âmbito específico, debatem-se os modos de eficazmente elaborar um reconhecimento e recolha de informação sobre a natureza e tipificação dos RCD gerados e recuperados, registando ainda as boas práticas verificadas na região e quais os principais constrangimentos do processo. Impõe-se assim implementar uma dinâmica às escalas municipal e regional do setor da construção e assegurar que esta influencia e contribui para toda a problemática associada aos RCD.

Um conhecimento detalhado das tipologias de RCD, da sua origem e proveniência, bem como do potencial de reutilização, reintegração ou transformação, formata outros dos grandes propósitos sentidos como necessários endereçar: o da conceção e desenvolvimento de um “passaporte”, que registe a “identidade” dos materiais, ficha cadastral de componentes e características. Estas metodologias não só incentivam à redução do que (hoje) chamamos “resíduos”, minimizando também o impacte ambiental do setor da construção (poluição e consumo de recursos), como lhes acrescentam valor efetivo, abrindo  lugar a práticas de desconstrução cuidada e seletiva, a métodos seguros e certificados de “re-design”, apoiando projetistas na seleção de materiais e produtos para o projeto de edifícios reversíveis, e também empreiteiros ou gestores de resíduos interessados num mercado de oferta e procura de materiais e produtos secundários.

Estes verdadeiros ativos económicos incentivam então à fundação e disseminação de instalações de triagem e armazenamento, organizadas em verdadeiros “bancos de materiais”, convidando os fornecedores e aplicadores à sua recolocação no mercado. Também aqui o trabalho em rede, à escala supramunicipal se impõe como uma necessidade de racionalização e otimização de recursos.

Desenvolver uma rede de gestão territorial de proximidade, identificando agentes e pontos de acesso, num trabalho conjunto entre todos os agentes (públicos e privados) de municípios cooperantes, é essencial.

Consequentemente, impõe-se a elaboração de guias de apoio e orientação aos processos de planeamento de demolição, nomeadamente e no que respeita à ação dos entes públicos ou entidades de tutela, à elaboração tão necessária de orientações sistematizada das ambicionadas auditorias de pré-demolição,  promovendo-se, assim, em tempo útil a identificação dos RCD, a sua catalogação e quantificação (com referência ao citado “passaporte”), viabilizando o seu correto encaminhamento, valorização e consequente reutilização.

Em súmula, estes processos incentivam e promovem uma visão de reversibilidade dos processos construtivos – entenda-se edifícios e espaços públicos – vendo-os como lugares de disposição temporária de recursos e materiais, que finda a sua vida útil serão desconstruídos de modo não destrutivo e de novo disponibilizados.

Esta é uma das vias da sustentabilidade de um setor de atividade tão indispensável à urbanidade e tão cara a todos os territórios que visam constituir-se como lugares de resiliência e circularidade de todos os processos, em linha com a implementação dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, adoptada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

 

[1] R2CS – Mangualde, Mértola, Oliveira de Frades, Ponta Delgada, Ponte de Sor, Ribeira Brava, Valongo e Vila Nova de Gaia (parceiro-líder)

 

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.