Os territórios de futuro serão aqueles que se apresentem como agentes de governança global, transformadores, inspiradores, inclusivos, sustentáveis, saudáveis e resilientes. As cidades, como aglomerados urbanos com vivência social em comunidade, podem, e devem, ser interpretadas como agentes de mudança, inspirando e influenciando as agendas nacionais e internacionais, mas também induzindo a adoção de comportamentos dos seus cidadãos para ecocidadãos, desenvolvendo a prática de uma ecocidadania, em clima de ecocidade, ecoeconomia e ecogovernança.
No recente estudo da Agência Europeia do Ambiente Urban sustainability in Europe – opportunities in challenging times, baseado no inquérito às antigas Capitais Verdes Europeias (premiadas e finalistas), reafirma-se que, apesar da tripla crise pandémica (sanitária; climática e ecológica; social e económica), as cidades têm potencial para ser uma grande força motriz para a recuperação verde e justa na Europa. As principais oportunidades para uma recuperação verde e justa são encontradas nos seguintes setores: repensar a mobilidade urbana e o uso do solo; reformar o parque habitacional urbano; aumentar o papel das infraestruturas verdes e das soluções baseadas na natureza; e a transformação dos sistemas alimentares urbanos e de economia circular.
“Só nos últimos 50 anos, a extração e o consumo de recursos triplicaram, sendo que a população global duplicou e o PIB global cresceu quatro vezes. As economias nacionais e locais devem transitar para o caminho da descarbonização o quanto antes.”
A preservação do planeta (os seus recursos e sistema climático) não deve ser encarada como um fim em si mesmo, mas, sim, um ativo universal a potenciar e de dimensão intemporal que devemos (re)conhecer e saber gerir, sem hipotecar as gerações futuras. Ou seja, em termos práticos, a alteração demográfica, o crescimento económico e a melhoria da qualidade de vida têm de ser dissociáveis do consumo de recursos e dos impactos ambientais (decoupling), através da acelerada dupla transição verde e digital.
Assim, dado que vivemos num planeta único, os poderes públicos, em cooperação com os privados, deverão conduzir a transição para o futuro, sem que a humanidade exija mais do que os ecossistemas da Terra podem regenerar. Isto ao mesmo tempo que possam garantir as legítimas aspirações de uma população em expansão, como assumido na Agenda 2030, garantindo a promoção da igualdade e erradicação da pobreza. Por sua vez, garantir a eliminação gradual de utilização de combustíveis fósseis nas próximas décadas, como previsto no Acordo de Paris, e, ao mesmo tempo, proteger a integridade dos ecossistemas e da biodiversidade do planeta, como proposto nas Metas de Aichi para a Biodiversidade, torna este sistema de equações ainda mais desafiante para todos.
Considerando que 66% das metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável não conseguem ser alcançadas sem o comprometimento do poder local e que 80% das regiões da OCDE não alcançaram ainda as metas em nenhum dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável, é nas cidades, como ambiente urbano, que se verifica a importância das decisões e da indução para uma alteração de comportamentos e de atitudes das comunidades.
Só nos últimos 50 anos, a extração e o consumo de recursos triplicaram, sendo que a população global duplicou e o PIB global cresceu quatro vezes. As economias nacionais e locais devem transitar para o caminho da descarbonização o quanto antes. E, para isso, é necessário que os acordos internacionais firmados pelos Estados tenham repercussão ao nível local, através de políticas integradas locais, com medidas de incentivo ou de penalização.
No entanto, não sem antes definir a universalização dos indicadores ambientais e de desenvolvimento sustentável, a fim de introduzir nos instrumentos de gestão, ao nível nacional, regional e local. Assim, é necessário introduzir uma ou mais variáveis resultantes de indicadores de sustentabilidade ambiental, que, a par das variáveis económicas, possam passar a constar na fiscalidade, na economia e nos orçamentos municipais, dos Estados e das organizações, ainda que sem serem demasiado deterministas. Resultaria, por um lado, como um fator de monitorização da performance das cidades e dos países, mas, por outro, como um fator de discriminação positiva ou negativa que beneficie ou prejudique os que mais invistam na sustentabilidade dos territórios ou os que mais poluem, respetivamente.
As cidades têm sabido compreender a importância da monitorização, reporte e avaliação de diversos indicadores ambientais, estabelecendo metas e objetivos. Os modelos normalmente usados são os que levam a um reconhecimento ou premiação das políticas desenvolvidas ou, nalguns casos, a uma relação de comparação entre as urbes.
“Através da medição e monitorização do que se gere, é possível desenvolver medidas e políticas mais tangíveis, estruturais, transversais e multidisciplinares.”
Apesar de os indicadores existentes e usados nas áreas do ambiente e desenvolvimento sustentável não estarem universalmente estabelecidos, como acontece com os indicadores económicos ou mesmo demográficos, estes têm sido aceites, ainda que sem uma verificação ou validação dos próprios Estados e das organizações internacionais. Esta universalização de indicadores ambientais e de sustentabilidade e a sua integração na performance de governança dos Estados e das organizações são passos fundamentais no direito e na diplomacia internacional que falta dar para avançarmos no real desenvolvimento sustentável.
De qualquer forma, constata-se que as cidades que fazem uso dos indicadores aplicados à monitorização e avaliação contínua para o desenvolvimento do seu território conseguem mais facilmente estabelecer novos planos e definir caminhos e decisões assertivas, algumas delas mesmo disruptivas, quebrando o referido círculo vicioso de insustentabilidade ambiental e social. A acrescentar, a divulgação pública destes dados e indicadores, além da maior transparência, leva a uma maior aceitação da parte da população e a uma maior compreensão para a mudança ao nível local e comunitário, tal como tem vindo a acontecer, por analogia, com os dados científicos climáticos e outros que evidenciam a degradação do ambiente por ação humana, levando a uma maior consciencialização e alteração de comportamentos numa escala mais global.
Através da medição e monitorização do que se gere, é possível desenvolver medidas e políticas mais tangíveis, estruturais, transversais e multidisciplinares. O caminho aponta para uma referência ao nível das emissões de carbono ou de gases com efeito de estufa, com a existência evidente de um mercado de carbono regulado e livre (voluntário). No entanto, este indicador pode ser bastante restritivo e incompleto, pelo que a pegada ecológica aliada à biocapacidade e ao IDH poderá ser, ao nível da governança local e regional, o mais completo, justo e exequível indicador, como já é feito, num primeiro nível, pelo CDP-ICLEI a todos os extratos territoriais na ótica de governança multinível e como se prepara para ser feito na UE, através da proposta do Climate City Contract.
Através de uma ferramenta real de monitorização transversal e integrada, os acordos internacionais, nomeadamente o Acordo de Paris, poderão ter um efeito prático do nível local para o global, com características bidirecionais, bottom-up e top-down, permitindo uma leitura dos indicadores de forma hierarquizada, responsabilizando e estratificando as contribuições de cada cidade e/ou região, em que o somatório global representa o correspondente de cada Estado. Estabelecer-se-iam critérios penalizantes de incentivo aos “cumpridores” e aos “infratores”, tendo como referência os valores anuais utilizados pelos Estados, as NDCs – Nationally Determined Contributions, proporcionalmente aplicadas a cada cidade/região.
Esta seria uma verdadeira ferramenta prática para o modelo de Governança Integrada Multinível, tipo Mercado de Carbono Local Transnacional, em que os problemas globais se resolvem com a soma das partes locais e individuais, como se espera que venha a acontecer na próxima COP26, em Glasgow, com uma agenda forte ao nível da Governança Multinível.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.