Pablo Chillón é especialista em Assuntos Urbanos, Direito e Diplomacia para cidades. Das “cidades dashboard” ao “urbanismo de Instagram”, o espanhol alertou para os efeitos negativos de uma visão puramente tecnológica nas cidades, mas também para os perigos da “referência vazia” ao papel dos cidadãos.

 

Assistimos actualmente a um grande buzz à volta do conceito de smart cities. Que tipo de cidades estamos a construir?

No que toca à inovação e tecnologia, etc., as cidades de que gosto são aquelas que têm por base vários contributos. Estamos a contar com os cidadãos, as empresas, os stakeholders e instituições, quer públicos, quer privados, para fazer um projecto no qual todos estejam, de alguma forma, envolvidos. Na verdade, não acredito nos projectos smart cities puramente tecnológicos.

Demasiada tecnologia pode ser uma ameaça para que o conceito funcione?

A tecnologia pode ser uma visão redutora de “cidade inteligente”, pode proporcionar uma visão muito pequena e limitada da cidade e também de cidade inteligente. Vai chocar com o conceito de complexidade, porque, se estamos numa cidade controlada num dashboard [painel de controlo], no qual se pode prever qualquer tipo de resposta a um acontecimento, não há espaço para a decisão pública e a democracia é baseada em possibilidades.

De que forma fugimos a essas “cidades dashboard”?

Incorporando uma visão mais alargada da cidade, na qual se tenha em conta a opinião de outros fornecedores e outras soluções que não só as tecnológicas. Neste momento, as grandes empresas fornecedoras de tecnologia estão a comandar a narrativa das cidades inteligentes. Se conseguirmos, de algum modo, recuperar as tradições, as visões, a autenticidade, a história, a comunidade e pedirmos inteligência, proporcionando soluções e decisões com base na contribuição colectiva, possibilitada pela tecnologia, podemos obter um retrato maior do todo.

Os cidadãos têm um papel decisivo nisso?

Sim. Sempre que um especialista diz que os cidadãos estão no centro das smart cities, uma árvore é cortada e morre. Há muitos lugares-comuns e entendimentos sobre o papel dos cidadãos. Agora, todos referem o papel dos cidadãos num projecto de smart city, mas, do meu ponto de vista, essa é uma referência vazia.

O que falta?

O panorama geral seria não só o de activar a participação de uma forma formal, fazendo isto e explicando-o, mas abrindo os processos ao longo de todo o desenvolvimento. Se apenas se pedir às pessoas para se envolverem quando o projecto já está desenhado, esse contributo não vai significar nada. E os cidadãos são essenciais, mas não são pixéis.

Como assim?

Muitas visões redutoras de smart city estão a considerar os cidadãos meros pixéis que se movem na cidade, num dashboard.

Poderão as redes sociais ser um bom instrumento para saber o que as pessoas querem?

Sim, esse pode ser um bom ponto de partida. Há muita informação que vem das redes sociais, mas é apenas de pessoas que estão activas nas redes sociais e as cidades são também feitas de muitas pessoas que não têm contacto com estas. Veja-se os digizens: são pessoas que fazem parte dos dois mundos. Um jovem que interage com amigos e conhecidos através das redes sociais e da Internet, mas que regressa a casa para jantar com os seus pais e que faz essa ligação com eles, explica-lhes as coisas e alarga as visões… Esse contributo é crucial. Vamos ter de proporcionar [o aparecimento de] projectos nos quais os cidadãos usem essa capacidade tecnológica, pessoas cujas vidas tenham uma parte humana que se concilie com qualquer acesso à tecnologia enquanto experiência. Isso será óptimo e muito interessante.

Como é que os responsáveis das cidades chegam às pessoas, sem incluir a componente tecnológica?

Primeiro, tendo, talvez, uma visão ou um maior entendimento do que é uma smart city, e o que está em causa, que tipo de instrumentos há disponíveis para controlar, de alguma forma, os processos. Não se trata só de adquirir ou de dinheiro, mas de planeamento urbano, serviços, comunidades, bairros e todo o capital de uma cidade. Como referi, a tecnologia é um elemento que capacita, mas os cidadãos, as comunidades, as empresas são chave em todo o processo. Em suma, contar com a comunidade. Em segundo lugar, do meu ponto de vista, começar por explicar tudo aos cidadãos desde o início, de forma a tornar as coisas muito compreensíveis para estes. Digo isto porque, em Espanha, temos trabalhado com cidades e alcaldes que, na fase final do processo, lamentam não terem envolvido as pessoas desde o princípio, o que é fundamental e torna as coisas mais fáceis.

Em Dezembro passado, participou no evento Smart Travel’15, dedicado às pequenas e médias cidades. Considera que implementar uma estratégia smart numa cidade de menor dimensão é um desafio maior?

Essa é uma questão clássica e, a meu ver, neste aspecto, o tamanho não importa. Podem fazer-se coisas interessantes fazendo mexer a comunidade, investindo na visão, em projectos e fazendo eventos como o Smart Travel que estão a agitar as coisas de alguma forma e dando uma imagem e percepção da cidade enquanto uma cidade moderna e comprometida com a inovação. Tenho trabalhado com cidades de pequena e média dimensão que têm levado a cabo projectos muito interessantes e as comunidades estão próximas destes projectos. Se estamos a falar de uma grande cidade, podemos antever que há uma grande parte da comunidade que nunca vai saber da existência desse projecto. Neste caso, há mais proximidade e todas as ferramentas para fazer uma boa apresentação, explicar [o processo] e envolver as pessoas estão disponíveis. E, claro, no que toca à autenticidade e percepção de quem são, as cidades pequenas e médias estão muito ligadas à sua identidade, algo que está de certo modo perdido nas grandes cidades.

A identidade é importante para uma cidade?

Sim, identidade e também autenticidade. Tenho falado no conceito “urbanismo de Instagram”, no qual as cidades com filtros e falsas perspectivas estão a conquistar o imaginário das cidades em todo o mundo… e essa não é a minha cidade. Pergunto: “dude [meu], onde está a minha cidade?”.

 

*O artigo foi publicado, originalmente, na edição #10 da revista Smart Cities. Aqui, com as devidas adaptações.