Quando o espírito de comunidade se torna digital
Como resposta à pandemia em que vivemos, têm vindo a emergir diversas soluções locais, fazendo renascer o espírito de família, vizinhança e comunidade. Paradoxalmente, o distanciamento social aproximou-nos mais do que nunca.
Assistimos, em todo o mundo, à multiplicação de grupos online, oferecendo ajuda na compra e entrega de alimentos e outros bens de primeira necessidade aos idosos e às camadas mais desfavorecidas da população. Surgem plataformas digitais que permitem aos cidadãos uma articulação com os negócios locais, encurtando as cadeias de fornecimento. É, também, disponibilizada online informação acerca da oferta de espaços de alojamento para médicos e enfermeiros que não podem estar com as suas famílias ou, mesmo, para os sem-abrigo.
José Carlos Mota, professor e investigador universitário, apresenta-nos um mapeamento global dos movimentos de cidadãos em resposta ao coronavírus, dos quais o “Vizinhos Aveiro” é um caso paradigmático.
Para além destas iniciativas comunitárias, o individualismo que tem vindo a caracterizar a revolução das tecnologias de informação e comunicação dá lugar à vivência digital coletiva. O espírito de comunidade torna-se digital em tempos de isolamento social. As redes virtuais confundem-se com as redes humanas, criando aquilo a que designamos de ‘comunidades de proximidade digital’. Realizamos refeições em família, assistimos a concertos, aprendemos pintura e fazemos treinos com os nossos amigos, sem sair de casa. Partilhamos experiências emocionais no mundo digital.
O biólogo Daniel Christian Wahl fala-nos, também, da emergência de uma economia regenerativa e colaborativa, próxima dos territórios e das pessoas. Ou seja, um ecossistema baseado na proximidade entre a produção e o consumo, no turismo local e na autossuficiência energética.
A questão é saber se estas práticas e comportamentos se vão enraizar tornando-se parte do ‘novo normal’. Estaremos a assistir a uma alteração das relações sociais urbanas? Estaremos a assistir ao renascimento do valor da solidariedade social? Estaremos a assistir ao reforço da dimensão local e comunitária?
Jamie Metzl, futurista e autor da obra Hacking Darwin: Genetic Engineering and the Future of Humanity, acredita que não voltaremos à situação pré-crise. A forma como trabalhamos, vivemos e interagimos vai mudar, sendo que deveremos aproveitar esta oportunidade para construirmos, de forma bottom-up, um ‘novo normal’ mais humanista.
Acreditamos numa visão de cidade inteligente centrada nas pessoas, numa sociedade com boa governança, forte capital social e redes coesas, sociais e digitais, que permitam construir uma resiliência urbana de longo prazo.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.