Nos últimos anos, à medida que os impactos das alterações climáticas vão sendo mais evidentes, a pressão da comunidade científica e da sociedade em geral para a necessidade de reduzir as emissões de carbono tem aumentado.
Um estudo muito recente do ITF – International Transport Forum afirma que, mesmo com as políticas anunciadas e ainda não aplicadas, a Europa não está no caminho certo para alcançar os objetivos do pacote Green Deal e que apenas com políticas mais ambiciosas será possível a descarbonização da mobilidade urbana em 2050. Para tal, o ITF defende que deve existir uma forte promoção das infraestruturas e tecnologias de baixo carbono nos Planos de Recuperação e Resiliência. Recentemente, e na mesma linha, a Comissão Europeia apresentou um ambicioso pacote integrado de propostas que tem como objetivo tornar as políticas da UE eficazes na resposta às metas do Green Deal, considerando entre elas metas para redução de CO2 nos novos veículos automóveis.
Mobilidade urbana: comportamentos individuais, respostas a choques externos
Resultados muito recentes do Eurobarómetro mostram que mais de 90% dos cidadãos europeus consideram as alterações climáticas um problema “grave” ou “muito grave”, mas bem menos de metade dessa fração afirma usar regularmente os modos sustentáveis. Mas só 10% dos que recentemente compraram um veículo novo diz que a sua escolha foi influenciada pelo uso de um combustível mais limpo. Há, por isso, um desalinhamento forte entre a perceção da urgência relativamente ao problema coletivo e a disponibilidade para adotar um comportamento de mobilidade que ajude a resolvê-lo.
Em Portugal, a introdução do Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART) ajudou a aumentar o número de viajantes do transporte coletivo, em especial nas áreas metropolitanas. Infelizmente, não são conhecidas estatísticas nem estudos que tenham calculado o seu impacto na utilização do automóvel, que era o principal objetivo anunciado.
A pandemia, com todas as alterações que induziu, veio acelerar a necessidade de se repensar a mobilidade urbana, evidenciando a necessidade de uma maior integração e resiliência do sistema. Com efeito, no primeiro confinamento, foram evidentes os efeitos da redução da mobilidade na melhoria da qualidade do ar das grandes cidades. O confinamento à zona de residência contribuiu para aumentar significativamente a importância dos modos ativos e, em várias cidades, assistiu-se à melhoria das infraestruturas de custo controlado e com impacto forte, dos quais as ciclovias pop up são um bom exemplo.
Sendo certo que nada disto é novo e que, desde há vários anos, se procura integrar os modos ativos nos planos de mobilidade, a pandemia funcionou como elemento catalisador para pensar e planear a mobilidade de uma forma mais sustentável. Resta ver o que vai suceder com a permanência, em que grau e que regimes, do teletrabalho, e que repercussões isso terá nas escolhas modais e no congestionamento.
Logística urbana como parte integrante do pacote de mobilidade
A logística urbana é responsável por 25% das emissões de CO2 relacionadas com o transporte urbano e 30-50% de outros poluentes relacionados com o transporte, segundo estudos realizados para a Comissão Europeia. Se a pandemia trouxe desafios às pessoas, também veio evidenciar a necessidade de desenvolvimento de planos de logística urbana sustentável (SULP) nas cidades e vilas com alguma dimensão como um imperativo neste roteiro da descarbonização e de gestão dos fluxos urbanos.
Também aqui houve mudanças fortes com a pandemia, desde logo, acentuar as tendências e hábitos de compras online e entregas rápidas. Em estudos realizados pela TIS, foi possível, por exemplo, apurar que as áreas urbanas geram aproximadamente 100 entregas ou recolhas por 1000 pessoas por dia.
Tecnologias emergentes, que papel na resposta aos desafios?
As tecnologias digitais, a partilha de dados e a tomada de decisão de forma colaborativa permitem considerar novas soluções para velhos desafios. As opções de mobilidade partilhada, os modos individuais, sustentáveis e eficientes (micromobilidade) e a melhor integração modal proporcionada pelas soluções MaaS (Mobility as a Service) facilitam o acesso a oportunidades e maior inclusão social, havendo ainda muita margem de progresso para proporcionar ao cidadão transações simples e escolhas flexíveis. A TIS é parceira da MaaS Alliance, acompanhando e participando no processo de evolução destes sistemas.
A maior conetividade entre veículos e infraestrutura permite, além de uma gestão mais eficiente do tráfego e uma maior segurança rodoviária, preparar a entrada de novas soluções de transporte de passageiros e distribuição de mercadorias. O projeto europeu Cooperative Streets desenvolve alguns projetos piloto envolvendo uma gama ampla de veículos, e conta com a participação de mais de 15 municípios, num conjunto de mais de 30 entidades nacionais a trabalhar em colaboração.
Ainda nas tecnologias emergentes, destaca-se o papel que as soluções de mobilidade vertical (drones) virão a ter no curto-médio prazo. A tecnologia está já com elevada maturidade e oferece uma multiplicidade de aplicações com potencial para a distribuição urbana, bem como para o transporte de pessoas (menos explorada), mas a ligação destes modos aéreos de baixa altitude com a infraestrutura terrestre precisa de mais estudo e regulação. A TIS tem participado a nível europeu no desenvolvimento de uma estratégia e um quadro normativo para este setor.
Gestão da transição
As inovações tecnológicas têm permitido avanços significativos na captação e partilha de dados e nos modelos de negócios, sendo claro que o mercado responde de forma muito mais célere do que a decisão regulatória e legislativa.
Estas grandes mudanças tecnológicas podem constituir uma importante oportunidade para a reorganização radical do sistema de mobilidade no sentido da sua sustentabilidade, alargando o leque de alternativas ao automóvel individual, nomeadamente baseadas em modelos partilhados, muito mais adaptáveis a diferentes situações de densidade urbana, e em soluções tarifárias que sejam igualmente aceitáveis por todos os segmentos da população, mas mais alinhadas com a flexibilidade de requisitos de mobilidade que os atuais utentes do transporte individual continuarão a reclamar e sem a qual não o trocarão por outras soluções.
O número de novas opções e a velocidade das mudanças apontam para que essa reorganização só possa produzir bons resultados se for feita com base numa estratégia coerente, o que implica boa compreensão do que está a mudar, das orientações políticas aos níveis superiores e dos recursos e intervenções possíveis em cada domínio, e não em ataque sequencial aos problemas e oportunidades.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.