De acordo com as últimas notícias o leilão das frequências para o 5G começará no mês de outubro e os direitos de utilização de frequência (DUF) serão atribuídos pela autoridade reguladora, a ANACOM, no princípio de 2021. Até lá, talvez o mais importante nesta altura seja refletir sobre os riscos potenciais derivados da convergência das redes 4G e 5G, muito em especial os riscos derivados da hipervelocidade e elevada conetividade da rede 5G.
Neste contexto, o coronavírus mostrou-nos à evidência que pode estar iminente uma grande colisão entre o infinitamente grande dos macro organismos, os seres humanos que nós somos, e o infinitamente pequeno dos microorganismos, como é o caso do vírus que causa a Covid-19. Mas se pensarmos nas tecnologias imersivas, intrusivas e invasivas que o 5G permite, então há muitas razões para construir uma racionalidade crítica em redor da rede 5G. Doravante, a hipervelocidade e a elevada conectividade da equação digital 4G+5G vai obrigar-nos a desenvolver treino específico e capacidades especiais para entender como se forjam e desenvolvem as interações fortuitas e, por via delas, as descobertas acidentais. Com a hipervelocidade do 5G, o número de episódios acidentais torna-se mais frequente e, muito provavelmente, teremos de recrutar caçadores furtivos para identificar, em tempo útil, interações fortuitas que não se afigurem nefastas para nós. Vejamos, então, algumas manifestações dessa hipervelocidade e conectividade e o modo como as oportunidades e os riscos podem coabitar lado a lado.
- A IOT doméstica ou domótica
Uma das aplicações mais aguardadas da rede 5G é a “internet of things”, conhecida por IoT, e, desde logo, na sua versão doméstica. A partir de um smartphone, todos os eletrodomésticos lá de casa estarão conectados e sob comando unificado. Cuidado, pois, com a sua programação e as aplicações informáticas disponíveis no mercado, podemos estar a criar, involuntariamente, uma servidão digital desnecessária.
- A automatização e a robótica industrial
Uma outra variante da IoT que se conjuga com a automatização e a inteligência artificial é a robótica industrial. As máquinas ganham cérebros, aprendem os protocolos e auto-regulam os seus procedimentos. A unidade industrial deixa de ser uma fábrica para passar a ser um fablab gerida à distância por sinais eletromagnéticos. Cuidado, pois, com os incidentes fortuitos e inesperados, de pesadas consequências, já que, afinal, somos nós que programamos as máquinas.
- A guerra informática e o universo hacker
Os centros de dados, os meta-dados, a ciência dos dados, a computação em nuvem e a computação periférica que a rede 5G torna possível, dão origem a um tráfico intenso de informação, cada vez mais volumosa e mais valiosa, mas, também, a uma superfície de exposição e vulnerabilidade crescentes. A pirataria informática, o universo hacker e a guerra fria cibernética irão desencadear e disseminar muitos vírus informáticos cujas consequências nem sequer imaginamos nesta altura.
- As máquinas que aprendem e a inteligência artificial
As máquinas aproximam-se dos humanos e os humanos aproximam-se das máquinas, em direção ao ponto de singularidade do transumanismo e da pós-humanidade. A inteligência artificial, através de sucessivas gerações de algoritmos, compõe padrões de comportamento cada vez mais exigentes. Esta crescente formalização e padronização tem de ser adotada com conta, peso e medida, sob pena de artificializar toda a relação homem-máquina e, assim, perdermos uma parte importante da nossa discricionariedade.
- Os nano-implantes
Os interfaces cérebro-computacionais serão cada vez mais frequentes pois são já requeridos pelos jogos recreativos (gamificação) e, com o 5G, também pela realidade aumentada e virtual que irá exigir sucessivas gerações de nano-implantes que nos transportam para o interior da realidade mágica. Na área da saúde e das tecnologias médicas – a manipulação genética, a clonagem, as técnicas de fertilização, os mapas genómicos e a longevidade – estamos prestes a cruzar linhas vermelhas que julgávamos sagradas. Falta saber o que pensará a bioética sobre isso.
- Os veículos autónomos
No interior da smart city, em primeira instância, a convergência entre as redes 4G e 5G permitirá uma generalização da mobilidade suave e ligeira. Uma das suas variantes diz respeito aos veículos autónomos, um ser digital muito complexo que não admite falhas de programação. Aqui, em particular, as interações fortuitas e os episódios acidentais serão motivo de grande preocupação.
- A biossegurança
A pandemia da Covid-19 mostra-nos o que está para acontecer em matéria de biossegurança e o que resta por fazer em matéria de princípio de precaução e cooperação internacional. Acresce a importância, neste contexto, do combate às alterações climáticas, pois a origem de muitas mutações virais está ligada à efetividade desse combate. Por todas as razões, a mudança climática é sinónimo de mutação viral e patogénica.
- A nuvem e a radiação eletromagnética
Uma das consequências nucleares da rede 5G é a intensificação dos campos eletromagnéticos, naturais e artificiais, e a interferência das respetivas radiações. Em todas as áreas referidas há, direta ou indiretamente, uma variação e intensificação da interferência dos campos eletromagnéticos, mas, porventura mais grave, uma acumulação das radiações que afetam a nossa saúde. Estamos a falar da formação de uma verdadeira nuvem ou nevoeiro eletromagnético por cima das nossas cabeças. Imaginem-se os impactos sobre a nossa saúde.
- A violação de privacidade
Com a chegada da rede 5G e a sua conjugação com as outras redes já existentes, diminui claramente o campo da liberdade pessoal ainda disponível. Com efeito, o smartphone 5G, apetrechado com todas as funcionalidades que enunciámos, irá acumular uma imensidão de sinais eletromagnéticos que não nos deixa praticamente margem de liberdade para optarmos pela invisibilidade e a desconexão. A nossa superfície de exposição é de tal ordem, via smartphone e dispositivos IoT, que a nossa vulnerabilidade é total.
- A adição digital
Em todos os casos referidos, as propriedades principais da rede 5G – velocidade, latência, conectividade, densidade – fazem aumentar o carácter intrusivo e invasivo dos dispositivos tecnológicos e digitais utilizados. O resultado final de um uso abusivo destes dispositivos pode ser uma pesada alienação, ou seja, uma adição digital total. No final, quanto mais digitalizamos, mais seremos um ser digitalizado, aditivado.
Nota Final
Uma nota final para registar aquilo que parece ser uma propriedade emergente da hipervelocidade da rede 5G. Com tanta tecnologia disruptiva – imersiva, intrusiva e invasiva – uma parte importante do nosso programa de trabalhos poderá estar contida na sequência: interdependência máxima, interações fortuitas, incidentes imprevistos, descobertas acidentais (sequência conhecida por serependitismo ou serependismo), tudo o que parece escapar à chamada racionalidade sistémica. Se acrescentarmos a tudo isto outras propriedades hermenêuticas como o risco moral (moral hazard), o passageiro clandestino (free raider) e a socialização do prejuízo, teremos um estaleiro de obra deveras interessante.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.