Em Portugal, aconteceu mais um Portugal Smart Cities Summit em que o ponto alto foi a intervenção de Carlos Moreno a versar sobre o tema das Cidades de 15 minutos, do qual é o grande impulsionador global.
Carlos tem repetido até à exaustão que nada do que se tem dito recentemente sobre o tema faz sentido, nomeadamente algumas teorias de conspiração que garantem que o conceito será usado para cortar direitos fundamentais dos cidadãos. Sem pré-aviso, muitas destas paranoias atingiram o bom nome de Carlos e trouxeram-lhe, inclusive, ameaças de morte e outros impropérios que ele não merece.
Carlos Moreno defende que as cidades se comecem a adaptar a outras realidades de maior proximidade, gerando maior conforto e felicidade para os cidadãos que verão aumentar a sua qualidade de vida através de uma comunidade mais vibrante e cativante.
Contudo, e como se observou no painel seguinte, nem tudo é perfeito e de fácil execução. Por um lado, temos o crescente aumento do custo de vida, a falta de habitação acessível e os problemas crónicos de mobilidade em muitas cidades. Por outro, temos a inércia de governos (nacionais e locais) que se aproveitam do selo “15 minutos” para obter vantagens eleitorais e ganhar popularidade fácil não executando nenhuma medida de monta para realmente mudar o status quo.
Ainda em outubro, tive oportunidade de participar no maior evento de inovação e tecnologia do mundo, o GITEX, no Dubai. Foi a primeira vez que visitei aquela cidade sem ser em trânsito pelo aeroporto e o que experienciei foi tudo menos agradável. Além do calor, a cidade não é acessível e existem imensos casos em que, para atravessar uma avenida se demora quase 30 minutos, pois não existem passagens superiores ou inferiores.
No evento Future Urbanism, integrado no GITEX, surgiu, no entanto, a ideia de tornar uma parte nova da cidade, construída para a Expo 2020, numa cidade de 15 minutos. Sem dúvida, a disposição dos edifícios e proximidade de serviços é adequada para o conceito advogado por Carlos Moreno e, numa próxima visita, irei verificar se foi possível implementá-lo, já que a cidade, cheia de vida e vibrante em todos os aspetos, vive muito das deslocações de automóvel. No entanto, tal como noutras cidades, a implementação dos 15 minutos pode e deve ser feita por zonas.
Ainda no Future Urbanism, tive oportunidade de participar num painel dedicado ao turismo e à sustentabilidade (ou falta dela) do setor. Com o crescimento exponencial de visitantes a diversos locais históricos e cidades referenciais de turismo como Paris, Atenas, Veneza e, inclusive Lisboa, por exemplo, várias cidades europeias estão a restringir a entrada nas suas atrações turísticas. O futuro aponta, segundo especialistas, para uma maior regulamentação em todo o continente.
Por exemplo, em Atenas, desde o início de setembro, o Pártenon limitou as suas visitas a 20 mil entradas por dia, a um ritmo de cerca de duas mil por hora, para evitar o risco de saturação que surgiu durante a avalanche de turistas no verão, que obrigou as autoridades a intervir com velocidade. Amsterdão, outro dos pontos do mapa europeu que concentra maior fluxo de visitantes, fechou o seu terminal de cruzeiros no centro histórico e lançou uma campanha para desencorajar as visitas de homens britânicos, além de limitar o tráfego noturno no celebre Red Light District. Desde a primavera passada, o notório bairro da cidade holandesa, famoso pela sua tolerância à prostituição e às drogas, tomou medidas no sentido de uma relativa racionalização: os bares fecham à 1h em vez das 2h, e o trabalho sexual foi interrompido entre as 3h e as 6h da manhã.
Em Veneza, foi instaurada uma nova taxa de cinco euros para os turistas que passam o dia na cidade, que recebe cerca de 30 milhões de visitantes por ano. Destinado apenas a quem não pernoita na cidade, ou seja, cerca de dois terços dos visitantes. Na Croácia, Dubrovnik, onde residem apenas 41 mil pessoas, apesar de receber cerca de 1,5 milhões de visitantes por ano, também estuda limitar a chegada de navios de cruzeiro e a abertura de novos restaurantes. Na Islândia, o Canon Fjaðrárgljúfur teve que ser fechado ao público após aparecer em Game of Thrones e num vídeo de Justin Bieber. E na Áustria, grupos de manifestantes protestaram neste mês de agosto contra o turismo na cidade de Hallstatt, património mundial, onde vivem 700 habitantes, mas que recebe cerca de 10 mil visitantes por dia na época alta.
É o chamado overtourism, um anglicismo para turismo de massas, um problema que não é recente, mas que, após a experiência da pandemia, está finalmente a ser combatido por soluções restritivas e punitivas.
E aqui estará um dos pontos quentes da discussão. Voltaremos a ter turismo para ricos e pobres? As viagens serão apenas para uma elite privilegiada? E o que dizer da intenção real de algumas cidades em tornar inacessíveis a turistas zonas da cidade, bairros e outros locais apenas acessíveis por códigos e cartões de acesso a residentes?
“Esperamos todos que as nossas cidades do futuro sejam abertas, livres e prósperas. De 10, 15 ou 30 minutos, é irrelevante. O importante é que a liberdade prevaleça e se fortaleça. Caso contrário, teremos outra versão de Oppenheimer, desta feita para as cidades.“
No corolário de abundantes teorias de conspiração com as cidades de 15 minutos encontramos muitos absurdos, contudo, também é possível detetar abusos e exageros por parte das cidades e governos que, cada vez mais, anseiam por controlar mais e melhor os cidadãos. E se na Europa e no mundo ocidental em geral este imaginário distópico e totalitário tomou conta das nossas vidas durante a pandemia, noutras latitudes está já efetivo e a ser executado em pleno.
Seja qual for a solução, deve ser sempre equilibrada. Se formos no sentido inverso e começarmos a ver apenas restrições, proibições e outros cortes na liberdade de movimentos dos cidadãos, apenas com intuito de controlar, então os fundamentos defendidos por Carlos Moreno serão subvertidos dando razão as teorias conspirativas, o que será um enorme dano para a nossa sociedade tal como qualquer outra invenção, opção estratégica ou inovação concebida para nos facilitar as vidas e contribuir para que sejamos mais felizes e tenhamos maior qualidade de vida. Julius Robert Oppenheimer também sofreu as agruras da alma dividida entre o progresso e o lado bom da ciência com o seu mau uso e nefastas consequências para o mundo e para a humanidade. Ficou celebre a sua frase: “Agora tornei-me a Morte, a destruidora de mundos”. Espero, pela grande amizade que tenho por Carlos Moreno, que ele nunca se sinta nesse papel de ter criado um conceito fantástico repleto de virtudes e que tenha sido mal-interpretado ou usado de forma errada numa sociedade que tem manifestado, cada vez mais, sinais complicados relativamente ao futuro das democracias e do mundo livre.
Esperamos todos que as nossas cidades do futuro sejam abertas, livres e prósperas. De 10, 15 ou 30 minutos, é irrelevante. O importante é que a liberdade prevaleça e se fortaleça. Caso contrário, teremos outra versão de Oppenheimer, desta feita para as cidades.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.
Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 41 da Smart Cities – outubro/novembro/dezembro 2023, aqui com as devidas adaptações.