Tenho observado ultimamente – e confesso que com alguma perplexidade – que existem seres humanos neste planeta que se consideram donos e proprietários do espaço que é de todos. Ainda antes de definirmos o que é o espaço, admitamos que há propriedade privada e que mesmo assim não é permitido aos proprietários fazerem tudo o que querem e desejam na mesma. Porquê? Porque existem regras, regulamentos e autoridades que monitorizam o “interesse público”, defendendo a sociedade de potenciais abusos do coletivo.

Mas vamos dar um exemplo extremado. Os chineses anunciaram que irão construir uma base na Lua com potencial nuclear – não se sabe em que quantidades e quais as reais intenções. O espaço lunar é público? Sim, pois alterações na sua estabilidade e harmonia com o nosso planeta afetariam todos de uma forma inimaginável e com consequências desconhecidas. A sociedade deve, por isso, chamar a atenção da China para esta situação e geri-la da melhor forma. Mas e se os chineses quiserem ir para Marte fazer, lá, o que lhes bem aprouver? Teremos alguma coisa a ver com isso? Não. O espaço é de quem o conquista e, embora com uma corrida arrefecida, não esqueçamos um nada insignificante detalhe: foi a corrida ao espaço, nos anos 50, que catapultou a inovação tecnológica para o patamar em que nos encontramos atualmente. O espaço é de todos e o espaço sideral não é de ninguém porque ninguém consegue alcançá-lo (pelo menos, ninguém humano).

Mas vamos a outro exemplo. Há um projeto que está a ser apelidado de “teoria da conspiração”, mas que pretende mesmo avançar em breve com o lançamento de biliões de partículas (?!) na atmosfera para “reduzir os efeitos do sol”. Ou seja, há um projeto liderado por científicos, e patrocinado por Bill Gates e mais alguns iluminados, que quer reduzir a quantidade de luz solar que atinge a terra. Sinceramente, prefiro que os chineses façam asneiras na Lua do que patetas autodenominados “cientistas” nos retirem, em nome de um suposto “interesse comum”, o usufruto do nosso sol que alimenta a vida no nosso planeta.

Já chega de exemplos radicais; passemos aos casos mais comuns e frequentes. Há, neste mundo, e particularmente em Portugal, a ideia de que o espaço público é propriedade de alguém, de uma autoridade, de um governo, de um município, etc. Não. Em definitivo, não. O espaço público é de todos e, no caso das democracias participativas, é transmitido ao eleito o dever de zelar e gerir, em nome de todos, os interesses comuns e gerais dos cidadãos.

Então, sendo assim, porque não avançam mais medidas de aproveitamento do espaço público com o propósito de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos? Pergunta de difícil resposta… Mas vamos imaginar que necessitamos de resolver o problema da habitação e o Estado (ou governo), com a autoridade que lhe é delegada, em vez de aproveitar o espaço público para solucionar o problema, decide confiscar a propriedade privada em nome de um interesse geral e público. Talvez seja mais um exemplo radical e imaginário, mas não duvidem de que há tiranos à espreita em cada eleito democraticamente porque é essa a tendência dos humanos: assumir que por terem o privilégio de poder ir à Lua esta passa a ser sua propriedade.

E aqui estamos nós, cidadãos incautos e convencidos de que mudamos o mundo pelo voto, a convocar tiranos para o nosso quotidiano que não se interessam pelo espaço público, [mas, sim,] apenas pelos seus interesses imediatos e lucrativos enquanto gestores temporários desse mesmo espaço. Com a devida ressalva para imensas exceções, temos (todos!) de prestar atenção e sindicar com cautela e determinação quem se aproveita de um poder (ou poderes) efémero e comprovadamente limitado quer pelo espaço quer pelo tempo.

Sustentabilidade ou eficiência?

Aproveitando o tema do momento, resolvi recordar nesta edição o seguinte artigo que escrevi em 2015 e que, pelos vistos, se mantém atual:

 “Falar de cidades nos dias de hoje tornou-se uma banalidade. Para o bem e para o mal, muito do que está a acontecer no mundo, neste preciso momento, tem uma cidade como palco ou protagonista.

Descobrimos precisamente isso quando as próprias cidades se empenham em anunciar aos gritos todas as suas façanhas ou potencialidades, escondendo debaixo do tapete as suas debilidades e os seus problemas.

Uma cidade inteligente precisa de saber lidar com tudo. Com o bom e com o mau. Precisa de não se envergonhar dos seus defeitos nem exaltar excessivamente as suas virtudes. Uma cidade inteligente tem de ser, acima de tudo, humilde – na forma como fala com os seus cidadãos, na forma como comunica.

Naturalmente que nesta época dominada pelos media, pelas televisões e pelo mediatismo e populismo é cada vez mais complicado discernir o que é uma mensagem humilde, [distinguindo-a] de uma mensagem imodesta, ou pior, falsa ou propagandística.

Todos os dias vemos exemplos disso mesmo. Todas as cidades do mundo são escrutinadas em milhares de rankings de todo o género e feitio. Dá para todos os gostos. E se uma cidade fica em último lugar num desses rankings aparecerá em primeiro noutro qualquer. Comunicar os rankings não é, por isso, uma forma inteligente de comunicar a cidade. Pode levantar temporariamente o moral dos cidadãos, dos residentes, dos turistas, mas é sol que pouco dura. É uma comunicação efémera. Sem substância. Não envolve a comunidade nem a torna consciente da realidade, antes pelo contrário. Muitas cidades vivem da ilusão, dos rankings pagos, das publirreportagens nos mais ‘prestigiados’ órgãos de comunicação social. Este ilusionismo, um dia mais tarde, pode tornar-se um problema.

Uma cidade eficiente terá, porventura, mais sentido do que uma cidade sustentável. A eficiência é o estado de uma perfeita harmonia entre os diversos setores.

Uma grande parte dos cidadãos já vive conectada, participa nas redes sociais, mas não interage nem está para se aborrecer com o excesso de otimismo e positivismo que subitamente inundou este planeta, nos negócios, nas empresas, nas escolas, nas cidades. O cidadão sabe que a realidade não é assim tão cor-de-rosa como a que querem pintar. Por isso, quem quer comunicar com os cidadãos tem de ter uma postura humilde, franca e honesta e, ao mesmo tempo, direta e frontal. Não pode escudar-se em ‘marketing territorial’, seja lá o que isso for. Tem de se mostrar tal qual como é. Tem de ser exatamente aquilo que os seus cidadãos sabem que é.

Tudo isto por causa da última moda do palavreado Smart nas cidades: a sustentabilidade. De repente, todos querem ser sustentáveis. Até há bem pouco tempo, era um palavrão, na boca de fundamentalistas ambientalistas. Hoje, está na moda ser sustentável. Mas ser sustentável pode significar muitas coisas. E quando se adota a sustentabilidade por exemplo no setor energético ficamos com muitas dúvidas. Ser sustentável energeticamente não significa que se seja sustentável, por exemplo, economicamente.

Por isso mesmo, há vocabulário que entra na comunicação das cidades sem pedir licença. É adotado porque está na moda e porque soa bem. E quando entra é complicado remover e contrariar a ideia de que, embora não seja enganadora, também não corresponde à realidade.

Uma cidade eficiente terá, porventura, mais sentido do que uma cidade sustentável. A eficiência é o estado de uma perfeita harmonia entre os diversos setores. É uma conspiração de vontades para que toda a organização social e económica das cidades se articule criando bem-estar, progresso e desenvolvimento. Sendo eficiente, uma cidade será sempre sustentável, porque não depende de medidas avulsas nem tiradas de pacotes instantâneos de considerações filosóficas.

Uma cidade sustentável pode ser uma coisa boa de se ouvir, mas se na realidade não o for torna-se ruído e confunde. Uma cidade eficiente, por outro lado, sustenta-se em dados reais, em análises pragmáticas dos resultados de todos os setores, afastando o empirismo ligado ao vocabulário, afastando possíveis tendências de se alimentarem a propaganda e a ilusão. É disso que precisamos também, de cidades eficientes na forma de ler o que são e o que serão. A sustentabilidade será um extra. Neste caso, bom.” 

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 39 da Smart Cities – Abril/Maio/Junho 2023, aqui com as devidas adaptações.