Os espaços verdes são peças fundamentais no puzzle do planeamento e gestão da cidade, onde desempenham uma panóplia de funções que ajudam a moderar o impacto das consequências negativas das atividades humanas.

Compatibilizar os sistemas naturais com os sistemas construídos é um dos maiores desafios do século XXI na gestão das cidades. Por um lado, há que garantir a preservação dos sistemas naturais nas áreas urbanas, por outro, há que contrariar a perda gradual do contacto com a natureza nas cidades. Paradoxalmente, as cidades são incomensuráveis sorvedouros de recursos naturais, como água, energia, alimentos e muitas outras matérias-primas. Segundo dados da ONU, as cidades ocupam hoje apenas 3% da superfície terrestre, mas representam 60% a 80% do consumo de energia e 75% das emissões de carbono de todo o mundo!

Os espaços verdes são peças fundamentais no puzzle do planeamento e gestão da cidade, onde desempenham uma panóplia de funções que ajudam a moderar o impacto das consequências negativas das atividades humanas. Os benefícios dos espaços verdes urbanos são percetíveis, por exemplo, na contribuição para a preservação da biodiversidade ou na aproximação da população à natureza, promovendo, desta forma, a saúde e o bem-estar.

Os designados bens e serviços de ecossistema (ou seja, bens e serviços que estes espaços podem prover às áreas urbanas e aos seus cidadãos) vão desde a regulação do clima local, à qualidade do ar, sequestro de carbono, preservação de espécies e habitats, recreação, valorização económica de bens e serviços, envolvimento dos cidadãos no planeamento e gestão locais, etc.

O Central Park, em Nova Iorque, foi o primeiro parque urbano desenvolvido nesta base conceptual que revolucionou a relação entre a natureza e a cidade, e introduziu a ideia de que o espaço verde deveria ser acessível a todos os cidadãos. Foi inaugurado há cerca de 160 anos como o “pulmão verde” da cidade que nunca dorme.

Nos últimos anos, intensificaram-se os estudos em torno do impacto dos espaços verdes na saúde dos indivíduos, tendo ficado demonstrado, por exemplo, que contribuem para mitigar doenças respiratórias e psíquicas. A falta de atividade física é um dos principais fatores de risco para a saúde e estima-se que seja responsável por um milhão de mortes (cerca de 10% do total), por ano na Europa, segundo dados da Organização Mundial de Saúde.

No Japão, por exemplo, há muito que se percebeu a necessidade de reaproximar as pessoas à natureza. Desde a década de 1980 que é utilizado o shinrin-yoku (banho de floresta), uma espécie de terapia florestal que consiste basicamente em ir para uma área de floresta ou um parque e passar algum tempo em contacto com a natureza.

Nos Estados Unidos, a campanha “10minutewalk” está a lançar um movimento nacional de autarquias que se comprometem a criar espaços verdes para que todos os cidadãos de grandes e médias cidades tenham acesso a estes espaços em apenas dez minutos de casa, até 2050.

É verdade que as áreas verdes incentivam a atividade física ao proporcionar um ambiente agradável para esta prática. Os parques, com trilhos e árvores de grande porte, favorecem as caminhadas ou a prática de exercícios físicos. Já os espaços verdes urbanos, que proporcionam áreas para relaxar e socializar, promovem uma maior atividade social e o reforço dos laços de vizinhança.

Em Cascais, procuramos equilibrar estas vertentes, sendo que o desenho de novos espaços verdes tem tido o foco nos princípios da multifuncionalidade e da equidade. Um dos melhores exemplos disso são as Hortas Comunitárias, integradas em espaços verdes urbanos de proximidade. Promove-se a horticultura em modo biológico, praticada pelos munícipes que aderem voluntariamente ao programa Terras de Cascais. São espaços inclusivos onde as pessoas se reúnem, aprendem em conjunto e partilham os equipamentos disponibilizados.

As hortas situam-se em áreas residenciais, são visualmente abertas ao exterior, com os horticultores presentes diariamente, o que contribui para a vigilância informal dos espaços verdes adjacentes. O espírito de comunidade é reforçado por relações interpessoais positivas, além dos já referidos benefícios ambientais dos espaços verdes urbanos. O projeto nasceu em 2009 e, nestes dez anos, registámos um total de 567 horticultores com parcelas, que totalizam uma área de quase 10 hectares ou 10 campos de futebol em exploração!

A Quinta do Pisão, com 380 hectares inseridos no Parque Natural de Sintra Cascais, assume um carácter completamente distinto. A regeneração desta antiga quinta de produção agrícola permitiu criar um espaço único que conjuga a recuperação ambiental e paisagística, educação ambiental, espaço de lazer e atividades de natureza.

A Quinta do Pisão é um dos casos de estudo integrado no Health and Social Benefits of Nature, publicado pelo Institute for European Environmental Policy, destacando o trabalho desenvolvido neste espaço, até então, abandonado e a sua disponibilização à população. Hoje, com uma média de 8000 visitantes por mês, a Quinta do Pisão conta com cerca de 124 espécies de animais referenciadas. A recuperação de antigas infraestruturas agrícolas e de uma capela do século XVI reforça ainda o papel da quinta na preservação das tradições e da história local.

A fazer a ligação entre a Quinta do Pisão e a baixa de Cascais, temos outro importante espaço verde que começámos a regenerar: a Ribeira das Vinhas. O percurso estende-se ao longo de 7 km, dos quais já intervencionámos 2 km com limpeza de 10 hectares de terrenos, ações de conservação de espécies e renovação de um antigo trilho cujo acesso pedonal e ciclável faz a ligação com localidades adjacentes.

Este vale é um corredor ecológico fundamental para o funcionamento dos serviços dos ecossistemas: funciona como um corredor eólico e um mecanismo de renovação do ar da vila, promovendo a amenização da temperatura e proteção da biodiversidade, bem como a circulação de fauna e dispersão de flora.

As encostas arborizadas permitem a regeneração da floresta autóctone e ajudam à infiltração das águas de origem pluvial, promovida pela cobertura do solo e da respetiva vegetação instalada, mitigando assim o risco de cheia. Este é um projeto com impacto considerável na mitigação das alterações climáticas ao nível local, mas também que responde à problemática da fragmentação dos espaços verdes nas cidades, que restringe o pleno usufruto dos benefícios ambientais.

Se considerarmos ainda que os espaços verdes integram o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis, que pretende “proporcionar, até 2030, o acesso universal a espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, particularmente para as mulheres e crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência”, não há como ignorar o papel fulcral que estes devem ter no planeamento de cidades mais sustentáveis, saudáveis e resilientes.

Os espaços verdes urbanos têm de ser planeados e desenhados a pensar nas pessoas, numa perspetiva integrada e considerando as suas várias funcionalidades. Os espaços verdes urbanos devem ser uma ferramenta para a construção das cidades do futuro, como ponte para a valorização do capital natural e histórico, e em articulação com a sua envolvente.

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.