O imperativo cada vez maior de desenhar espaços públicos de excelência, idealmente amplos e integrados na natureza, atribui aos municípios um papel fundamental, nomeadamente através dos planos diretores. A cada um cabe a tarefa de responder à importante função social que o espaço público preconiza.

Tendo como assente que ao longo da História o espaço público desempenhou um relevante papel na vida das sociedades, bastando lembrar a importância da Ágora na Antiga Grécia e do Fórum no vasto Império Romano, importa escalpelizar algumas das questões atuais relacionadas com a sua génese. Desdobrando, em tese, a origem do espaço público em duas origens principais, teremos aquele que se consolidou ao longo dos séculos e regista intervenções qualitativas, mas mantém a sua fisionomia identitária, como sucede com as grandes praças das principais cidades europeias, e aquele que resulta de novas urbanizações na expansão dos aglomerados urbanos.

Na primeira situação, o espaço público assume-se como uma enorme sala de estar e de vivência comunitária, força centrífuga das dinâmicas sociais, políticas e religiosas, onde tudo e todos convergem num somatório de experiências que marcam o pulsar de uma cidade, de quem lá vive e de quem a quer sentir, ainda que numa breve passagem. Dir-se-á que este espaço público se encontra desenhado pelas vicissitudes urbanas de séculos e o seu desenho não admite senão reinvenções qualificadoras da mesma área, num esforço permanente de o tornar adequado à fruição coletiva de acordo com as tendências de cada época, ou até de cada geração.

No segundo caso, temos o espaço público emergente, fruto de cedências ao domínio público municipal, aquele a que gostaríamos de dedicar especial atenção, desde logo pela forma casuística e incoerente como tem surgido, gerando mais encargos para o erário público do que benefícios para a comunidade.

Para uma compreensão mais fácil do que defenderemos, tenha-se presente o que estabelece o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), nos seus artigos 43.º e 44.º, inseridos na Subsecção I, que regula as operações de loteamento. O artigo 43.º determina que os projetos de loteamento devem prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos, sendo que os parâmetros de dimensionamento das áreas referidas são os que estiverem definidos em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território.

De acordo com o mesmo normativo, para aferir se o projeto de loteamento respeita os parâmetros fixados, consideram-se quer as parcelas de natureza privada a afetar àqueles fins, quer as parcelas a ceder à câmara municipal, sendo que espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos.

Por sua vez, o artigo 44.º impõe que o proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear cedam gratuitamente ao município as parcelas para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização coletiva e as infraestruturas que, de acordo com a lei e a licença ou comunicação prévia, devam integrar o domínio municipal, devendo o requerente assinalar as áreas de cedência ao município em planta a entregar com o pedido de licenciamento ou comunicação prévia.

Torna-se por demais evidente que o legislador seguiu um critério que torna difícil o surgimento de novos espaços públicos de fruição coletiva, porquanto admite que as cedências também se operem para o domínio privado do município ou fiquem mesmo integradas nos próprios lotes, como zonas comuns dos edifícios que neles venham a ser construídos em regime de propriedade horizontal. Acresce que, na eventualidade de o prédio a lotear se encontrar já servido pelas infraestruturas ou não se justificar a localização de qualquer equipamento ou espaço verde públicos, não há lugar a qualquer cedência para esses fins, ficando, no entanto, o proprietário obrigado ao pagamento de uma compensação ao município, em numerário ou em espécie, nos termos definidos em regulamento municipal.

Na verdade, tomando como referência o município de Braga, em que se encontram mais de mil e quinhentos loteamentos em vigor, assiste-se a uma excessiva e perniciosa pulverização de pequenas parcelas provenientes de cedências ao domínio público, cuja gestão é incumbida aos serviços municipais e que nem sempre representam efetivos espaços de fruição dos moradores vizinhos, muito menos da comunidade mais alargada. Ora, se descermos à teleologia dos normativos acima invocados, facilmente se conclui que o objetivo primacial do legislador foi dotar cada nova operação de loteamento de espaços verdes e de utilização coletiva capazes de garantir a sua função de descompressão urbana e de convívio dos vizinhos de cada comunidade residencial numa lógica de proximidade e coesão territorial.

Se dúvidas não subsistem de que esse era o objetivo, também nada evidencia que o resultado tenha sido atingido, pelo menos de forma francamente satisfatória. Custa-nos aceitar que se persista e insista num modelo lógico-formal de interpretação e aplicação da lei que nos conduziu ao resultado manifestamente negativo, senão mesmo caótico, no que concerne aos espaços públicos que tanto se pretendeu acautelar.

Assim, atrevemo-nos a preconizar um novo paradigma que proporcione áreas generosas de espaço público, ao invés de minúsculas e ridículas áreas de cedência casuística sem dimensão nem dignidade que lhes confira a atratividade necessária para cumprirem a sua função social.
Para que tal seja possível, torna-se imperativo que os municípios identifiquem previamente nos seus planos diretores as áreas destinadas a responder às necessidades e aos interesses da população, de forma a que se tornem desideratos coletivos, e que para eles contribuam ativamente os promotores de cada operação de loteamento.

Só assim se poderá disponibilizar autênticos espaços públicos de que as pessoas possam usufruir em plena liberdade, individualmente ou em grupo, neles encontrando verdadeiras áreas de convívio e lazer que convidem a práticas quotidianas de uma vida saudável. Não podem os municípios alimentar indefinidamente a integração em domínio público de áreas que mais não representam do que excrescências de cada operação de loteamento, redundando no aumento dos encargos com a sua conservação e limpeza, sem que constituam espaços públicos com o mínimo de condições para serem aprazíveis e contribuírem para melhorar a qualidade de vida da população.

A experiência recente a que fomos todos expostos com a pandemia veio enfatizar a necessidade de espaços públicos de excelência, preferencialmente amplos, integrados na natureza ou dotados de uma forte componente natural, que possam servir de escape às pressões e ao stress que a vida moderna nos impõe. É este o caminho que teremos de percorrer no desenho dos novos espaços públicos.

Artigo publicado na edição n.º 40 (Julho/Agosto/Setembro) da Smart Cities

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