O conceito de smart cities é algo extremamente fascinante. Não só pela multiplicidade de áreas e temas que encerra, mas também por uma certa componente aspiracional que lhe está associada. Poder utilizar a tecnologia para gerir os recursos que são colocados à disposição dos cidadãos nos centros urbanos é um dos desafios mais complexos, mas também um dos mais estimulantes que existem.
A democratização do acesso a novas tecnologias tem sido um dos principais motivadores da disrupção a que assistimos diariamente nas nossas vidas. Veja-se o exemplo do tema mobilidade urbana, este é provavelmente um dos mais tangíveis, pois é impossível ficarmos indiferentes a todas as novas soluções de mobilidade com que nos cruzamos nas principais cidades europeias.
Contudo, ao contrário do que acontece, não deve ser só a tecnologia a ditar o caminho da disrupção. Tem de existir algo mais. Senão, vejamos: se, por um lado, a tecnologia permitiu melhorar a acessibilidade dentro dos centros nevrálgicos das cidades, por outro, contribuiu para o seu congestionamento. E, de acordo com um estudo recente realizado pela Fehr & Peers, as plataformas UBER e LIFT foram responsáveis por um aumento do congestionamento dos centros de seis grandes metrópoles americanas, entre 7 a 13%.
Neste sentido, mais do que focar a tecnologia, deve-se pensar estrategicamente na sustentabilidade das soluções que essa mesma tecnologia permite determinar no desenvolvimento e na adoção das mesmas, pois as principais previsões para a nova década, que agora iniciámos, apontam no sentido de um acentuado aumento da pressão social sobre os centros urbanos. Partimos de 7,5 bi de habitantes para cerca de 9 em 2030, com um aumento da idade média populacional (+ 29% acima dos 65 anos) e um aumento da esperança média de vida.
Desta forma, perante este novo cenário da demografia mundial, a saúde é, sem dúvida, um dos temas estruturantes da organização, em sociedade, para os próximos 10 anos. Não só pelo prisma da “Eficiência” da prestação dos cuidados, como também pelo prisma da “Acessibilidade”.
Porém, num tema tão complexo como é o da saúde, ainda existem muitas áreas que podemos considerar como “subótimas”, no qual não estamos a conseguir otimizar os recursos da sociedade da forma mais eficiente possível. Embora a estimativa da IDC indique que a saúde é uma das áreas que, nos próximos anos, terá um dos maiores investimentos em TI’s, diria que estamos ainda distantes de ter as soluções tecnológicas mais eficientes e sustentáveis. Ou seja, não basta termos a tecnologia disponível – é fundamental que ela exista, mas também que seja colocada à nossa disposição, de forma a responder a problemas concretos da sociedade moderna, caracterizada pela vida dos grandes centros urbanos.
Consideremos, por exemplo, o tema do congestionamento das salas de urgências dos hospitais. A Finlândia tem vindo a endereçar este tema com base em soluções tecnológicas que foram integradas de forma transversal por toda a cadeia de valor, desde o processo de acesso aos cuidados de saúde. Hoje, é possível fazer um processo de triagem de forma remota, comodamente a partir de casa de cada pessoa, no final do qual existe sempre uma solução/resposta de entre várias possíveis: encaminhamento para o serviço de urgência (com triagem já realizada), aconselhamento de saúde com marcação de consulta não urgente, aconselhamento de saúde com follow-up telefónico.
Deste modo, este novo processo de triagem remota foi construído aliando tecnologias como IA ou Machine Learning, Chatbots, etc., às estruturas instaladas já existentes e que foram otimizadas de forma específica para responder a um problema muito concreto.
Então, as questões que se colocam são as seguintes: o que procuram as pessoas nos cuidados de saúde dos grandes centros urbanos? Como é que nos podemos preparar para responder aos desafios dos próximos dez anos na área do acesso à saúde nas cidades?
O primeiro tema que deveríamos endereçar com urgência é o dos dados. A existência de dados é estruturante para que possamos perceber com profundidade as implicações que os novos estilos de vida têm na sociedade moderna. Já dizia William Edwards Deming, “In God we trust, all others must bring data”.
Porém, para percebermos com exatidão o tipo de serviços, em que local, em que horário, em que modelo de financiamento, entre outros, são mais necessários, temos de analisar a informação da utilização desses mesmos serviços de saúde aos dias de hoje – quer sejam serviços hospitalares, urgências, pequenas clínicas, serviços especializados, quer sejam farmácias ou até mesmo serviços de saúde e bem-estar. Mas, para tal, é necessário pensarmos na criação de um repositório de dados de saúde nacional, um Data Lake, com capacidade para agregar todos os dados de utilização dos atuais serviços de saúde. Pois, só através da análise dos dados, é possível criar soluções eficientes ou promover a utilização racional das já existentes, de forma a evitarmos a “tragédia dos [bens] comuns”, conceito no qual todos pagamos os abusos individuais.
Neste sentido, nas cidades inteligentes da próxima década espero que assistamos à evolução do conceito SNS – Serviço Nacional de Saúde, para SGS – Serviço Global de Saúde, em que, com base em serviços públicos e/ou privados, através da análise dos dados e com o recurso à tecnologia, poderemos construir uma rede integrada de cuidados de saúde, de acesso personalizado, eficiente e sustentável.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.