Por:
Joana Pereira, Madalena Abreu (coordenação), Patrícia Costa Pereira e Susana Lopes (equipa do Observatório de Branding Territorial, ISCAC Coimbra Business School)

Reflexões em torno do envolvimento comunitário como elemento essencial de uma estratégia de branding local (Parte 2).

Falar das comunidades como a identidade e o motor do branding territorial é, como já foi referido no artigo anterior desta “saga” (Comunidades para o branding local – Parte 1), trabalhar para que estas comunidades se reconheçam enquanto o núcleo central da marca. Isto porque são as comunidades que carregam a história, os valores, os costumes e o poder de fazer a história, e são elas que fazem, efetivamente, o local acontecer – o que também implica que devem aprender este “ofício” e fazer brilhar ativamente a sua identidade e cultura.

Por outras palavras, está-se a falar de valorização do património material e imaterial. Como tal, as comunidades têm de ser ativamente alertadas para a imperiosa necessidade de cuidarem do seu património específico. Este cuidado pelo património que é de todos torna-se, para além do implícito orgulho e gozo que transporta para muitos dos atores envolvidos, um fator fundamental para o desenvolvimento e para a sustentabilidade dos territórios.

Com efeito, é sabido que a existência de marcos de património cultural material num determinado território constitui, sempre, um fator de atratividade para visitantes e de valorização da identidade específica de uma comunidade. Óbidos, Santa Maria da Feira ou Guimarães são reconhecidos pelos seus castelos, Batalha ou Alcobaça pelos seus mosteiros, Fátima pelo seu santuário. Todos eles são exemplos de património cultural que identifica, nacional e internacionalmente, os territórios onde se localizam, alavancando toda uma dinâmica económica geradora de desenvolvimento e riqueza.

A existência de visitantes gera e distribui riqueza, pois os mesmos, inevitavelmente, acabam por frequentar os estabelecimentos de restauração, os alojamentos locais e as lojas de recordações e artesanato. Toda a atividade económica local beneficia de se conseguir atrair visitantes/clientes e, cada vez mais, o património cultural é um dos mais importantes motivos que levam as pessoas a deslocarem-se a uma determinada comunidade e ou a um dado espaço.

O mesmo se aplica no que toca ao património cultural imaterial. O crescente aumento do interesse pela redescoberta das nossas tradições imateriais tem possibilitado que as mesmas se tornem marcos identitários de um determinado território. E, aqui, são múltiplos os campos onde é possível encontrar fatores de identificação, diferenciação e valorização de um território. São exemplos fundamentais o artesanato e as profissões do antigamente, muitas das quais se têm vindo a perder, a gastronomia tradicional, as tradições religiosas, o folclore, os mitos e as lendas, as musicalidades e as teatralidades, algumas das quais já se alcandoraram ao estatuto de Património Cultural Imaterial da Humanidade, com tudo o que isso representa em termos de valor acrescido para o nome e para a visibilidade de um território.

No nosso território nacional, podemos identificar alguns dos casos que podem encher de orgulho qualquer mostra turística. São exemplos o Carnaval de Podence, a olaria preta de Bisalhães, o figurado de barro de Estremoz, a arte da Falcoaria em Salvaterra de Magos, o Cante Alentejano, a Dieta Mediterrânica, a Manufatura de Chocalhos, as Festas do Povo em Campo Maior ou o Fado. Podemos continuar este conjunto de “estrelas territoriais” falando da festa dos tabuleiros e da ligação aos Templários, da romaria da Senhora da Agonia em Viana do Castelo, dos Círios ou da doçaria conventual (Ovos Moles de Aveiro, Pastéis de Tentúgal, Travesseiros de Sintra, Pastéis de Belém ou Palha de Abrantes são alguns exemplos), os quais constituem fatores de atratividade e, por conseguinte, oportunidades de negócio e de consequente elevação e valorização do território de que fazem parte.

Assim se saiba procurar e valorizar; e em todo o Portugal existem exemplos de património cultural material ou imaterial potenciadores da valorização da marca do território e do desenvolvimento económico que dela pode resultar. O caso do Carnaval de Podence é exemplar. Era uma tradição que estava a morrer, numa pequena aldeia que poucos conheceriam, no concelho de Macedo de Cavaleiros. Estas personagens, similares aos caretos, existem ainda noutros locais em Portugal (como é o caso do Entrudo de Lazarim). E, claro, “repetem-se” na maioria dos países europeus (com Dzied Moroz por terras eslavas, Krampus na Alemanha, Troll Grylla na Islândia, La Befana em Itália, bem com com os Kallikantazaroi gregos, com o galês Mari Lwyd e tantos outros) e apesar de mostrarem uma muito antiga raiz cultural comum evoluíram para especificidades locais que as tornaram únicas. É importante frisar neste artigo que é fruto do envolvimento da comunidade que se tornaram, atualmente, num ritual conhecido por toda a Europa.

Estas “festas de Carnaval” apresentam uma notável dinâmica e capacidade de crescimento e renovação, como acontece no caso português do Carnaval de Podence (esta renovação pode ser vista no facto de hoje existirem senhoras trajadas a caretos a participar no evento), e são o motor do desenvolvimento de uma aldeia cujo nome hoje é reconhecido por todos. Para este caso se tornar num sucesso, foi vital envolver a comunidade, quer a residente, quer a dispersa pelo país e pelo mundo: é essa a principal chave para o sucesso de consolidação e divulgação de uma marca territorial. A capacidade de valorizar o património cultural, seja ele material ou imaterial, implica, necessariamente, o envolvimento ativo de toda a comunidade, sem a qual as memórias e as tradições imateriais se perdem e o património material se degrada e desaparece.

Uma comunidade habilmente envolvida por quem tem como função liderar e dinamizar é garante de dinâmica de desenvolvimento e futuro. Não menos certo é o retorno para essa mesma comunidade como resultado do afluxo de visitantes.
Todos os exemplos de sucesso citados neste curto artigo passam pelo empenho e pela determinação das respetivas comunidades em recuperar, manter e promover as suas heranças ancestrais. A capacidade de ver mais além e de compreender a mais-valia do legado cultural deixado pelas gerações que nos antecederam, material ou imaterial, é essencial para fazer do território uma marca de progresso e identidade. As duas primeiras décadas do século XXI têm sublinhado o interesse e a importância do envolvimento das comunidades neste processo, sem o qual se está destinado a falhar. E, felizmente, por todo o país, são cada vez mais os responsáveis políticos e comunitários que estão despertos para esta realidade e empenhados em trabalhar para, em seu redor, solidificarem a marca do território.

Independentemente da vertente pela qual observemos os territórios, a história, cultural e tradicional, e o património cultural são a alma de uma comunidade e o símbolo que lhes permite sobreviver e prosperar.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 39 da Smart Cities – Abril/Maio/Junho 2023, aqui com as devidas adaptações, e continua na edição nº 40.
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