Por:
Joana Pereira, Madalena Abreu (coordenação), Patrícia Costa Pereira e Susana Lopes (equipa do Observatório de Branding Territorial, ISCAC Coimbra Business School)
Reflexões em torno do envolvimento comunitário como elemento essencial de uma estratégia de branding local (Parte 1).
Atualmente, tornou-se comum falar de uma cidade enquanto produto de moda. Quer isto dizer que estamos a olhar e a considerar um lugar enquanto marca, marca esta que as pessoas associam no imediato a ruas e a casas, com as suas cores, janelas, persianas e telhas específicas, com uma determinada programação artística. Podemos também pensar numa aldeia com cafés reconhecidos pela sua clientela habitual, pelo tipo de bebidas servidas e com determinado ambiente. Isto é, o denominado branding local inclui uma vasta ‘fauna humana’ e material que determina e identifica esse mesmo espaço.
Este rico conjunto de variáveis humanas, materiais, territoriais é, com efeito, o que se considera comunidades de um território, as quais têm os seus ritmos próprios e laços implícitos e explícitos, que se vão entrelaçando e tecendo com o passar dos dias. Sim, as comunidades são, de pleno direito, o mais forte ativo de uma marca territorial.
Mas o que vem a ser isto de “comunidades como ativos de marca”?! Uma marca territorial não é meramente um produto de atração turística, mas, sim, o somatório de vários produtos ativos que nele residem e que, pela interação singular e dinâmica global, criam uma idêntidade. Como refere Abranmovay (2006), “territórios não se definem por limites físicos e, sim, pela maneira como se produz, em seu interior, a interação social”. Não haja dúvidas: muito mais do que as características físicas e o cartaz de um destino turístico, é a interação da comunidade que irá determinar o desenvolvimento do seu território.
Dito isto, as comunidades são fulcrais para o valor de um território e para possibilitar a identificação e a dinamização da sua marca. Que fique registado para ‘memória futura’: uma comunidade que desconheça ou não valorize a sua identidade histórica e cultural é uma comunidade sem futuro. É, então, óbvio tomar em linha de conta que o território não deverá estar só focado em atender às necessidades dos turistas, mas também às necessidades das comunidades locais, pois são estas os grandes motores no processo de construção de uma marca territorial.
O fortalecimento da interação social dos ativos e a sua cooperação têm um papel fundamental na preservação, valorização e capitalização daquilo que é a identidade do território, não só nas suas tradições, nos seus valores e costumes, mas também na preservação e promoção dos produtos endógenos, que assumem um papel de relevância no desenvolvimento económico e sustentável.
Cada território é único e não existe nenhum segredo nem nenhuma regra que seja aplicável a todos. A receita é cada um conhecer bem as suas potencialidades únicas e distintas, num trabalho integrado com a comunidade através de ações de valorização. No entanto, existem características únicas que deverão ser a base desse trabalho por serem dificilmente reproduzidas. Trata-se do legado intangível – as tradições, o conhecimento popular, os produtores locais, entre outros fatores essenciais. Este legado é a verdadeira fonte de competitividade, contribuindo para a sustentabilidade da oferta e do desenvolvimento.
Deve-se ainda alertar para a seguinte máxima: as pessoas não só deverão desenvolver consciência do seu papel fulcral na valorização do seu território, como deverão ser convidadas a valorizar o que é o produto do seu esforço, do seu trabalho e de várias gerações. Torna-se, assim, fundamental sensibilizar a população para os valores e para as potencialidades dos produtos da sua região. Só assim se constroem marcas territoriais e locais.
Mas é fundamental advertir que esta valorização nem sempre é fácil de conseguir. Em muitas situações, os meios rurais acabam por não valorizar os seus produtos, que são fruto de anos de trabalho e resultado daquilo que é a sua vivência e o seu dia-a-dia. É bastante custoso, por vezes, sensibilizar estas pessoas para a importância da ruralidade como fator de diferenciação no mercado, para o valor das experiências que podem proporcionar aos turistas no contacto com o território, acabando este por ser um fator crítico para o sucesso.
Outro fator de maior complexidade é o desconhecimento da cultura e das tradições que podem passar de geração em geração. A falta de continuidade do testemunho das diferentes gerações faz com que, aos poucos, os territórios vão perdendo aquilo que é um fator único e que os distingue uns dos outros, facultando a sua identidade.
São, por isso, as comunidades os ativos vitais da experiência que o turista deseja ter no destino: o bem receber, a experiência com os produtos locais, a partilha de histórias e da identidade do território. É desta forma que o turista cria envolvimento e identificação com a comunidade. Mais diferenciador do que aquilo que há para ver, cada vez mais, o que faz voltar o turista é o sentir, como se o turista também fizesse parte daquele território.
O desenvolvimento territorial só é possível com uma grande vontade coletiva, individual, empresarial, política, comunitária, associativa (…) com um forte conhecimento da história e dos recursos existentes, criando estratégias e ações. Para que este envolvimento ocorra, é importante envolver todos os ativos como parte integrante do processo de construção da marca territorial. Valorizar os seus contributos e conhecimento individual nas mais diversas áreas, para que se identifiquem e, ao mesmo tempo, contribuam para o desenvolvimento do processo, o que os fará verdadeiros promotores do território, quer interno, quer externo, e assim alcançar o objetivo da promoção e a valorização dos territórios – um desejo legítimo e tão desejado por todos.
Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 38 da Smart Cities – Janeiro/Fevereiro/Março 2023, aqui com as devidas adaptações, e continua na edição nº 39.
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