A par de todas as dificuldades, a pandemia de Covid-19 tem sido encarada por muitas cidades como uma oportunidade para pensar os seus territórios. Os desafios impostos vão muito além da resposta à crise sanitária e passam, também, por resolver problemas pré-existentes, que, com a ameaça do novo coronavírus, se intensificaram. É sabido que não existem receitas universais, mas será possível orientar as decisões a tomar?
Quando estamos no centro da tempestade, apercebemo-nos de que a nossa civilização é apenas uma película fina de ordem que nos permite dar sentido ao caos de acontecimentos. Mas, apesar de toda a confusão, momentos como o actual permitem-nos ver com clareza o que é realmente importante.
Temos vivenciado muitas mudanças, começando pelo acelerar da transição digital, que está a alterar a nossa capacidade de ver como a vida pode ser vivida. À medida que o teletrabalho se generaliza, surgem novos contornos na relação das pessoas com os espaços, os locais e o próprio tempo. Isto tem impacto não só nas esferas social e de networking da nossa vida profissional, mas também na cidade e na sua urbanidade. Se passarmos a ir ao local de trabalho apenas duas ou três vezes por semana, isso vai ter impacto no espaço que os escritórios ocupam, sobretudo, nos centros das cidades. Novos padrões de mobilidade vão surgir e áreas suburbanas podem tornar-se mais atractivas, permitindo às pessoas mais espaço e mais qualidade de vida, sem, no entanto, perder a proximidade do frenesim da cidade, que podem experienciar uma vez ou outra.
Estamos a viver três grandes crises – sanitária, económica e psicológica. Para as superar, vamos assistir a inovações tecnológicas e sociais, vindas de diversas fontes, com o objectivo de nos permitir sentir seguros para fazer o que fazíamos anteriormente e também para tornar possível a proximidade. A inovação tecnológica prende-se mais com o conceito de smart city ou com soluções relacionadas com a ideia de inteligência, como as que estão a permitir que o Fantasma da Ópera continue em cena para pequenas audiências na Coreia do Sul. A inovação social terá mais a ver com acções como a de um restaurante em Amesterdão que, para reabrir, colocou pequenas estufas onde as pessoas desfrutavam da refeição mas com a distância necessária.
Também neste tempo de mudança, temos de ser estratégicos no que se refere aos nossos princípios, o que significa definir claramente os nossos objectivos, a nossa missão, o nosso ethos, os nossos valores, tudo isto. Se estes forem robustos, é possível, então, sermos tacticamente flexíveis, pois iremos sempre relacionar aquilo que fazemos com os nossos princípios. E, no rescaldo desta pandemia, que princípios podem ser esses? Por exemplo, vimos que esta pandemia nos forçou a uma redução de emissões. Se o governante afirmar – e esta é uma questão política – que o ambiente é crucial, então, a consciência ambiental pode ser um dos nossos pilares.
“Também neste tempo de mudança, temos de ser estratégicos no que se refere aos nossos princípios, o que significa definir claramente os nossos objectivos, a nossa missão, o nosso ethos, os nossos valores, tudo isto. Se estes forem robustos, é possível, então, sermos tacticamente flexíveis, pois iremos sempre relacionar aquilo que fazemos com os nossos princípios.”
Se abordarmos estes princípios na perspectiva do planeamento urbano, recordo-me logo do caso de Medellín, na Colômbia, onde o mayor Sérgio Fajardo fez coisas como colocar bibliotecas fenomenais em favelas e a transformação foi imensa. Esta abordagem de colocar o melhor junto dos que estão mais desfavorecidos e envolvê-los nestas acções gera respeito, pois dá o sentimento às comunidades mais pobres que algo lhes pertence. Este exemplo leva-me a um terceiro princípio que é o de ver as coisas de uma perspectiva de 360º graus. Não olhar apenas para elementos isolados, tais como os problemas sociais, a economia, ou as infra-estruturas, mas vê-los em conjunto de forma integrada. Já nos apercebemos de que a saúde, a economia, etc., todos esses elementos estão interligados.
É um exercício difícil quando a nossa educação é compartimentada e é suposto sermos especialistas apenas numa coisa. É uma forma diferente de operar, mas que não significa que a especialidade – em urbanismo ou em mobilidade ou noutro tema – seja má, apenas tem de ser olhada no contexto de tudo o que está a acontecer.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.