Perante o contexto atual, torna-se impossível não falar do futuro urbano. A crise provocada pela COVID-19 fez emergir uma necessidade urgente de repensar o modo como as cidades são projetadas – não só como torná-las mais bem equipadas para impedir a propagação de doenças, mas também como adaptá-las aos novos hábitos de vida dos cidadãos. Neste sentido, a questão coloca-se: em cidades onde voltarão a circular milhões de pessoas por dia, como podemos usar a tecnologia para impedir engarrafamentos, criar novas formas de mobilidade ou informar a população?

Durante o confinamento, vimos crescer a importância do conceito de espaço público, bem como a necessidade de uma mobilidade integrada que viabilize a transição para cidades pensadas mais para o cidadão e menos para o carro. Cidades como Bogotá e Oakland já estão a fechar ruas para dar espaço a percursos pedestres e ciclovias, sendo que os urbanistas querem priorizar o movimento das pessoas – peões, ciclistas, utilizadores de transportes públicos – ao invés do carro. Esta é uma forma de ganhar espaço nas ruas, enquanto a maioria dos automóveis está estacionada.

Por sua vez, a COVID-19 afetou o modelo de “economia de partilha”, mas será fundamental encontrar um modelo de mobilidade que permita transformar o transporte urbano mais inteligente, mais verde e menos congestionado, através, por exemplo, do controlo e informações de tráfego, de uma gestão mais inteligente dos semáforos, e da criação de “ciclovias pop-up”, ciclovias temporárias destinadas a incentivar as pessoas a deixarem os seus carros em casa.

Simultaneamente, a atual crise torna a economia circular mais relevante do que nunca, pois, ao basear-se na reutilização de produtos e materiais, cria oportunidades vitais para o crescimento económico das cidades. Os seus princípios já estão a ser aplicados, por exemplo, para ajudar a lidar com a escassez de materiais no setor da saúde, através da descontaminação de máscaras para lhes proporcionar uma segunda vida.

Dado que a pandemia aumentou as preocupações com a segurança alimentar e energética e com o futuro dos transportes, a economia circular tem potencial para se tornar o novo normal nas cidades. Além do foco no ser humano para reduzir o uso de carros particulares e regenerar espaços verdes, outros hábitos podem vir a ser implementados: resíduos orgânicos podem ser transformados em fertilizantes de alta qualidade para a produção local de alimentos nas áreas rurais e edifícios, construídos a partir de materiais rastreáveis ​​e recicláveis, podem absorver dióxido de carbono, tratar águas residuais e produzir energia, por exemplo.

Por último, não posso deixar de falar sobre o envolvimento do cidadão, um fator crítico para definir o sucesso das cidades nos dias de hoje. O diálogo cidadão-governo nunca foi tão importante, sendo que um dos melhores exemplos de como a tecnologia e os dados já estão a ser usados para envolver a população acontece em Seul. A cidade sul-coreana adotou uma filosofia de “cidadãos como presidentes do município”, uma abordagem que visa dotar as pessoas da mesma informação em tempo real que o presidente. Esta iniciativa permite que os cidadãos tenham acesso a dados anonimizados, atualizados e detalhados sobre pessoas infetadas em relação a idade, género e locais visitados após o desenvolvimento de sintomas, e possam tomar medidas de precauções.

Quando falamos em “smart cities”, a imagem de uma cidade automatizada e imersa em tecnologia de ponta ainda nos salta à cabeça e deixa-nos deslumbrados. No entanto, acredito cada vez mais que esta imagem só por si não é a solução para a felicidade urbana. A tecnologia aplicada às cidades deve ser usada como um meio e não um fim. A crise atual é a prova e, face a este contexto, a imagem de “cidade inteligente” muda de forma radical. Lisboa é já uma das cidades a ter esta abordagem, em que, através de um programa de colaboração entre setor público, empresas privadas e startups irá resolver os desafios trazidos pela pandemia à cidade.

Neste sentido, mais do que o uso de tecnologias como inteligência artificial e máquinas inteligentes, a pandemia veio mostrar o quão importante será usar a inovação para criar soluções imediatas que venham aprimorar serviços e a experiência nas cidades, bem como combater os seus grandes desafios sociais e económicos.

 

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