Em Aveiro, a semana de 12 a 18 de Outubro tem sido dedicada à tecnologia, criatividade e cultura. A abertura oficial da Aveiro Tech Week aconteceu na passada terça-feira, numa mostra pela cidade das várias inovações tecnológicas que estão ali a ser desenvolvidas no âmbito do projecto Aveiro Tech City e que contou com a presença, entre outros, de Pedro Siza Vieira, ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital. José Ribau Esteves, presidente da câmara municipal aveirense, falou à Smart Cities sobre a experiência do município e foi peremptório naquilo que é preciso fazer para a recuperação do país: entregar “mais poder aos municípios” e colocar os mecanismos de apoio ao desenvolvimento “à disposição de todos”.

Um ano depois do lançamento do projecto Aveiro Tech City, que balanço faz?

É um balanço muito positivo, pois este é um projecto que surge da nossa realidade, do ecossistema que existe em Aveiro e de uma câmara [municipal] empenhada em resolver os seus problemas estruturais e em construir, a cada dia do presente, o futuro que chegará certamente e onde nós queremos estar no lugar da frente. Ao mesmo tempo, nós tirámos o proveito das competências que temos ao nível da nossa Universidade, [da presença] de empresas tão importantes em termos de investigação na tecnologia como a Altice Labs, mas de tantas outras que não dizemos o nome, pois são muito pequenas naquilo que é a sua dimensão em quantidade de recursos humanos, por exemplo, mas que são hoje operadores mundiais. Apostámos em pôr este projecto em cima desta herança para a qualificar e podermos integrar, de forma mais competente, os nossos parceiros, ser melhor equipa e aproveitar as oportunidades.

Como é que o projecto se está a reflectir na vida dos aveirenses?

Dentro do Aveiro Tech City, há, com um espaço muito especial, o projecto Aveiro STEAM City, que é de grande dimensão – são 6,1 milhões de euros, financiados a fundo perdido com 4,9 milhões de euros da Urban Innovative Action. Estes não são, exactamente, para nos entretermos na formação do desenvolvimento teórico, mas consistem no desenvolvimento de projectos piloto que passem para a vida das pessoas, nas áreas da mobilidade, energia, comunicação. É à custa destes projectos piloto, que, um dia, vão passar para a vida de todos os cidadãos, que vamos conseguir ser melhor cidade, melhor município, dando o contributo para a nossa região e país, na medida em que vamos estar a melhorar a nossa performance na gestão urbana, lidar melhor com os factores ambientais, ser mais eficientes na mobilidade, nos transportes públicos. Vamos deixar os motores de combustão dos nossos moliceiros ou do ferry e instalar motores eléctricos…! São casos muito práticos que trazemos do laboratório de investigação e que, com esta Aveiro Tech City, marcamos a sua transposição para a vida dos cidadãos. Tudo vive pelo cumprimento desse objectivo: levar estas coisas que servem para melhorar a qualidade de vida [às pessoas], facilitar a relação entre os cidadãos com as entidades públicas, a capacitação das empresas nos seus processos produtivos. É para isto que estes projectos existem: para as pessoas. É nesse sentido que o Aveiro Tech City se vem qualificando e crescendo, levando todas as qualificações que a tecnologia nos vai permitindo para a vida da urbanidade e das pessoas.

Considera que as competências que têm estado a ser desenvolvidas no âmbito do projecto vão ajudar, de alguma forma, à recuperação pós-pandemia?

Temos esta coincidência…! Ninguém chamou a pandemia, como é evidente. O nosso projecto está pensado e desenvolvido sem pandemia, mas a realidade é que esta chegou em Março e vamos ter de viver com ela até não sabemos quando. [Neste período] O que constatámos é que este tipo de projectos é adicionalmente útil para combatermos a pandemia e o seu impacto brutal na actividade económica e social, e, portanto, é uma capacidade nova que, embora não quiséssemos que o projecto tivesse, acaba por demonstrar também ter: o de ser um instrumento que nos vai ajudar, capacitando os agentes, a universidade, a cidade, as empresas, etc., a responder com mais capacidade e rapidez à tal recuperação económica em que estamos todos empenhados, tornando-nos mais resilientes e capazes de lidar com esta pandemia ou qualquer outra contrariedade que o futuro nos possa vir a trazer.

“É à custa destes projectos piloto, que, um dia, vão passar para a vida de todos os cidadãos, que vamos conseguir ser melhor cidade, melhor município, dando o contributo para a nossa região e país, na medida em que vamos estar a melhorar a nossa performance na gestão urbana, lidar melhor com os factores ambientais, ser mais eficientes na mobilidade, nos transportes públicos.”

A sessão de abertura da Aveiro Tech Week contou com a presença do ministro Pedro Siza Vieira. Considera que, a nível central, têm sido criadas as condições necessárias para apoiar o desenvolvimento deste tipo de projectos?

Queremos sempre mais. Claro que a presença do Sr. Ministro é um indicador de reconhecimento do nosso trabalho e também de incentivo e de compromisso. Obviamente que temos hoje instrumentos financeiros de grande importância, não tanto o Orçamento do Estado (OE), pois o OE está dedicado a vários outros objectivos, mas os tais 13 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que são geridos pelo Governo do país, e os quais o Governo tem o compromisso de disponibilizar ao seu país, a todos nós, que somos actores de desenvolvimento para que, de facto, o país se capacite e se torne mais resiliente e recuperado na sua dimensão social e económica.

Como se pode assegurar que isso acontece?

Nós queremos que o Governo seja competente nas decisões [que toma], que o PRR possa descontaminar-se de um excesso de centralismo que a visão estratégica do professor António Costa e Silva, na nossa opinião, tem. Que seja transversal e que não deixe que uma cidade e uma região como Aveiro, que tem esta dimensão tecnológica que é um exemplo a nível do país, tenha, depois, um hospital que não tem condições para cuidar devidamente dos seus 400 mil cidadãos.

Faz falta uma estratégia nacional para os municípios inteligentes?

A visão do professor Costa e Silva fala um pouco disso e tem até aquela ideia, com alguma piada, das autarquias laboratório. Nós contrapropusemos com uma Comunidade Intermunicipal Laboratório, já que a região de Aveiro tem condições para o ser. Mas o que precisamos não é tanto uma estratégia nacional, mas que os instrumentos de apoio ao desenvolvimento, à qualificação dos territórios e da vida das pessoas estejam à disposição de todos nós. E que, obviamente, o Estado seja complementar para apoiar aquelas parcelas do território que per se não têm potenciais endógenos tão fortes e que, por isso, têm de ter, da parte do Estado, mecanismos adicionais para apoiar o seu desenvolvimento. Isto porque queremos pessoas a viver em todo o território nacional. A grande estratégia é a da descentralização, na qual a democracia se fortalece. O desenvolvimento é mais capaz de acontecer nos quatro cantos se o Governo entregar mais poder às autarquias, aos municípios portugueses, e se disponibilizar fatias relevantes do PRR e – ou não – do quadro financeiro plurianual 2021-2027 aos municípios portugueses. Não é preciso mais nenhum documento, mais nenhum professor contratado para fazer estratégias!

Com o PRR e o próximo quadro comunitário, há a promessa de muito dinheiro. Para além do desenvolvimento tecnológico, que outras prioridades é preciso acautelar?

Ao mesmo tempo que fazemos os investimentos na transição digital e na transição energética, nas tecnologias, etc., temos de cuidar daquilo que é básico para a vida e a saúde é básica para a vida. [Reflecte-se] Quando reivindicamos fundos comunitários para financiar a qualificação e ampliação do nosso hospital no quadro do Centro Hospitalar do Baixo Vouga, para integrar o centro académico clínico que vai ter a mistura dos professores da nossa Universidade com os profissionais do hospital no seu trabalho diário e fazendo, aí também, a tal introdução da investigação e da tecnologia na vida do hospital e nos cuidados que presta aos cidadãos. Esta é uma luta que é fundamental para nós e, de facto, este objectivo já devia estar cumprido há muito tempo, mas, agora, que vamos ter instrumentos extraordinários de financiamento para capacitar o país, o grande desafio que nós fazemos ao Governo, a exigência destes 400 mil cidadãos, com o compromisso de seguirmos juntos na primeira linha do desenvolvimento, é que matérias tão básicas e importantes para a vida quanto é a qualidade dos cuidados hospitalares estejam na linha da frente do investimento destes próximos anos.

“O que precisamos não é tanto uma estratégia nacional, mas que os instrumentos de apoio ao desenvolvimento, à qualificação dos territórios e da vida das pessoas estejam à disposição de todos nós.”

A forma como os fundos vão ser distribuídos é determinante neste futuro próximo?

Absolutamente! Temos uma preocupação grande por causa da opção centralista da gestão, mas compreendemos que há questões de rapidez, de tempo… É importante fazer muitas coisas, como, por exemplo, alterar o Código da Contratação Pública – pertenço ao grupo dos que acham que a proposta do Governo é tímida –, mas é fundamental que saibamos que a entrega de poder aos municípios, aos actores que podem contribuir para que o desenvolvimento e a recuperação, se faça, e, claro, com um papel muito importante também das empresas. É fundamental para termos sucesso.

 

Fotografias: ©Aveiro Tech City