Um dos grandes desafios da educação ambiental é a dificuldade em pensarmos no longo prazo e em encontrarmos motivação para mudar hábitos com base em benefícios que não apenas os imediatos para a nossa esfera pessoal. Daí que, não raras vezes, a mensagem de sensibilização ambiental encontre a sua muleta num argumento externo, seja o da poupança económica, seja o do bem-estar pessoal. O problema desta associação é que acaba por fazer depender a nossa evolução, enquanto cidadãos ambientalmente mais conscientes, da existência de um retorno direto e imediato. O desafio será, portanto, formar cidadãos ecologicamente mais altruístas, independentemente do seu poder económico, posição social ou hábitos de vida.
Quando aplicamos este desafio à questão da escassez de água – um dos problemas incontornáveis da atualidade ambiental –, percebemos o quão urgente é colocar as coisas em perspetiva e sair do microcosmos da “torneira lá de casa” para o cenário macro de uma população com acesso cada vez mais desigual a este bem escasso e, no entanto, tão essencial.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a quantidade de água doce que circula no planeta, na forma de chuva, água superficial ou subterrânea, é, na verdade, suficiente para abastecer as necessidades de uma população mundial em crescimento. Contudo, isso só será possível mudando drasticamente a forma como consumimos, gerimos e partilhamos este recurso essencial.
Muitas grandes cidades têm vindo a sofrer situações de escassez severa devido a períodos de seca prolongados. O exemplo mais recente é o da Cidade do Cabo, na África de Sul, que já impôs limites obrigatórios ao consumo de água da rede pública e pode tornar-se, em breve, na primeira metrópole mundial a ter de fechar as torneiras. Em Portugal, a pouca chuva que tem caído nos últimos tempos está longe de ser suficiente para inverter a situação de seca que afeta o país há vários meses, de Trás-os-Montes ao Alentejo. Este ano, teme-se que não seja possível regar mais de metade da área irrigável do país, com prejuízos avultados para o setor agrícola.
Ao nível do consumo doméstico, apesar de estar para já garantido o abastecimento público às populações, não podemos ficar à espera de entrar em contagem decrescente até que as torneiras sequem. Se a escassez de água é um dos grandes desafios para as cidades de hoje, a sua gestão deve ser uma prioridade. As cidades do futuro precisam de reinventar-se e dotar-se de infraestruturas que permitam aproveitar e reutilizar a água de forma estratégica e inteligente, nomeadamente no que respeita aos fins não potáveis. Faz cada vez menos sentido usar água da rede (tratada) para lavar ruas ou regar espaços verdes. Também os edifícios do futuro deverão ser concebidos para armazenar água da chuva ou reutilizar automaticamente as águas cinzentas nas descargas do autoclismo.
As cidades que, no curto prazo, não conseguirem ou não quiserem adaptar-se a esta nova realidade, ficarão reféns da instabilidade provocada por situações de catástrofe natural, com consequências imprevisíveis do ponto de vista económico, social e ambiental.
*Sara Campos é técnica no Grupo de Energia e Alterações Climáticas da Quercus
A publicação deste artigo integra-se numa parceria entre a revista Smart Cities e a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, com vista à promoção de comportamentos mais sustentáveis.