De ano para ano, o fantasma da seca começa a pairar cada vez mais cedo. Com a precipitação anual a diminuir, em média, entre 30 e 40 milímetros a cada década em Portugal, as alterações climáticas estão a tornar o clima português cada vez mais semelhante ao dos países do norte de África. A ocorrência de períodos de seca nos meses iniciais do ano é um forte indício de que podemos vir a enfrentar sérios desafios quando chegar o verão. Notícias dão conta de que, neste momento, seria preciso chover um mês inteiro seguidopara evitar uma catástrofe na produção agrícola em algumas regiões do país, como o Alentejo. Por sua vez, só em janeiro deste ano, foram realizadas 179 operações de abastecimento de água às populações, especialmente em concelhos do interior, como Mértola, Miranda do Douro ou Mirandela.
Perante estes cenários, prolongar situações de desperdício é bastante condenável, quer no consumo do dia-a-dia, que todos podemos controlar, quer antes da água chegar às nossas torneiras. Dados oficiais mostram, por exemplo, que 30% da água de abastecimento público não chegará a ser faturada, em grande parte devido a situações de fugas por rupturas ou a consumos ilícitos. Alguns municípios têm vindo a investir na remodelação das redes existentes para reduzir precisamente estas perdas nos sistemas de distribuição de água, uma decisão fundamental para evitar desperdiçar grandes volumes de água já tratada e transportada (com os consequentes gastos energéticos associados) mas que acaba por não chegar a nossas casas.
“Apesar de o contributo do cidadão individual ser muito importante, bem como a sua tomada de consciência e responsabilização (até por uma questão de óbvia poupança económica), a verdade é que a grande fatia do consumo de água em Portugal acontece noutro setor”.
É um facto que a maioria das campanhas de sensibilização para uma maior eficiência no consumo de água dirige-se essencialmente aos consumidores domésticos, embora a sua responsabilidade no bolo geral seja relativamente reduzida. Tal não deve obviamente desculpabilizar comportamentos irresponsáveis e desperdícios evitáveis. Mas, apesar de o contributo do cidadão individual ser muito importante, bem como a sua tomada de consciência e responsabilização (até por uma questão de óbvia poupança económica), a verdade é que a grande fatia do consumo de água em Portugal acontece noutro setor. A pecuária e a agricultura são responsáveis por cerca de 80% da água gasta no país e, nas culturas de regadio, o desperdício chega a rondar os 40%. Portanto, a adaptação a um clima em mudança deve começar por aí, até porque sabemos bem que uma das consequências imediatas das alterações climáticas, especialmente no sul da Europa, é o aumento esperado de períodos de seca mais frequentes e prolongados. Isto significa que estes setores económicos, que ainda baseiam a sua produtividade em culturas de regadio alimentadas com a água das barragens ou dos aquíferos, vão ter de se adaptar rapidamente a esta nova realidade climática imprevisível, apostando em culturas de sequeiro, em sistemas de rega mais eficientes ou ainda no uso de águas residuais tratadas para irrigação agrícola.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.