Dou comigo a perguntar qual é, efectivamente, a base que distingue uma Cidade Inteligente das restantes.
Muitos têm a resposta na ponta da língua: “Tecnologia”. Outros apontam o fator “humano” como o novo jargão. Consigo conviver perfeitamente com estes e os restantes conceitos, contudo, ainda sinto que falta algo. Uma base de sustentação, o pilar fundamental para que uma cidade seja sustentável económica e socialmente. Uma cidade que satisfaça as necessidades básicas de quem nela habita e visita, mas também as outras necessidades, mais complexas, de interacção, atracção e organização social.
Há uns meses, conversava com o meu amigo Esteve Almirall sobre as questões filosóficas que tão afastadas têm andado do tema smart cities. Falávamos sobre a capacidade que algumas cidades têm para ser mais bem sucedidas do que outras. No meio desta conversa, chegámos a um paradoxo incontornável: uma cidade que não pára de atrair gente para o seu seio vai acabar por sucumbir, mais cedo ou mais tarde. A outra realidade é que as pessoas que estão a migrar para essas grandes cidades acabarão por contribuir para a decadência em duas dimensões. Um canto de sereia que desequilibra e desfaz a harmonia estrutural das cidades que acolhem e das cidades que perdem população.
Sim, a tecnologia contribui para aliviar imensos problemas. Sim, a humanidade contribui para acamar muitas falhas da nossa sociedade. Mas é a inteligência e a estratégia de administração e políticas públicas que vão definir muito do que uma cidade inteligente pode fazer para manter os balanços e a harmonia.
Um verdadeiro labirinto que nem Teseu e o seu novelo de lã podem desvendar, muito menos encontrar e derrotar o Minotauro que o habita. Porquê? Porque nem todas as decisões sobre o caminho a seguir são claras e objectivamente coerentes. E também porque se tomam decisões no exacto instante em que se decidem políticas que geram novas dúvidas e novos caminhos. Um labirinto infinito portanto. Percorrê-lo é um ato de coragem extenuante e tortuoso. Na nossa conversa, Esteve Almirall revelou que não vislumbrava, por exemplo, uma solução para estancar e inverter a perda de população das pequenas cidades, principais principais vítimas do imenso buraco negro que são as grandes capitais e metrópoles. Entretanto, Berlim recorda-nos de uma das condições fulcrais para fixar pessoas, mantendo a sustentabilidade social e económica. Um pilar fundamental: a habitação. A capital alemã, como outras na Europa e no mundo, estava a entrar numa espiral incontrolável especulativa. As cidades tornaram-se em autênticas bolsas de capitais. Frias, calculistas e oportunistas. Em Londres, por exemplo, o preço da habitação é um factor que vai mantendo o balanço, mas continua a atrair gente que se vai instalando nos subúrbios, onde nem sempre a qualidade de vida corresponde ao “sonho”. Berlim anunciou, em Junho, um tecto máximo para o arrendamento e está a colocar em prática uma decisão política.
O grande paradoxo é que, enquanto as grandes cidades promovem políticas que atraem ainda mais habitantes, as pequenas perdem-se em labirintos dignos de um Dédalo ébrio. Uma vez mais, decidem políticas, escolhendo caminhos, e espalham novelos de lã que, em vez de ajudar Teseu, enredam-no totalmente, tornando impossível a tarefa de liquidar essa aberração metade homem, metade touro.
Será, certamente, interessante verificar quantas decisões inteligentes tomadas por grande metrópoles como Berlim, por exemplo, podem ser replicadas nas pequenas cidades. O custo da habitação (e também dos espaços comerciais e industriais) é um dos pilares. Um dos novelos. Falta descobrir a ponta, falta decidir o caminho.
* Vítor Pereira é host e um dos oradores da conferência internacional ZOOM Smart Cities, evento co-organizado pela revista Smart Cities, a Conteúdo Chave, a BAC e a Nova IMS. Com data marcada para os próximos dias 18 e 19 de Maio, o encontro tem já confirmadas as presenças de Saskia Sassen, Rob Adams, Carl Piva, Francis Pisani, entre outros. Vítor Pereira é director da revista Smart Cities e Head of Strategy da Conteúdo Chave, Lda. Em 2015, foi eleito Personalidade do Ano SmartCities, durante o evento Green Business Week, uma iniciativa da Fundação AIP, com o intuito de “distinguir a personalidade que durante o ano de 2014 mais contribuiu para a divulgação e desenvolvimento dos territórios e cidades de Portugal e dos seus projectos no âmbito da sustentabilidade e inteligência”.
No seu currículo conta com mais de 24 anos como profissional de rádio e imprensa, como jornalista, editor, director e fundador. Nos últimos, dedica-se à Agência de Comunicação e Inovação Conteúdo Chave, especializada em novas tecnologias aplicadas ao sector dos Media, Turismo e Cidades e que está entre os principais stakeholders europeus relacionados com as smart cities. Blogger oficial de alguns dos maiores eventos e plataformas globais dedicados ao tema das smart cities e é responsável pela plataforma independente “Smart Cities Online” (www.smartcitiesonline.net). Desde Abril de 2014 que é embaixador em Portugal, do concurso mundial Young Innovators Competition, promovido pela ITU, principal agência das Nações Unidas para as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Desde 2014, é director do evento internacional SMART TRAVEL. Representante em Portugal do Smart City Business Institute criado em 2014 e lançado publicamente já em 2015 em Barcelona.