Se, antes da Covid-19, os transportes públicos já viviam tempos desafiantes, a chegada da pandemia veio colocar este serviço de mobilidade ainda mais à prova. Mas, porque em todas as crises há uma oportunidade, este pode ser também o momento para o transporte público se afirmar enquanto peça imprescindível na construção de sociedades mais justas e cidades mais sustentáveis. Para isso, municípios, autoridades e operadores têm de passar à acção e tornar o transporte público uma opção de qualidade e à prova de futuro.

Qual é a sua relação com o transporte público (TP)? Talvez seja um utilizador regular, viva perto da estação de metro ou de autocarro, que o levam onde é preciso; talvez viva numa zona mais periférica e, para chegar a horas ao local de trabalho, faça mais de uma hora de viagem, entre comboio e metro, e uns 500 metros a pé; talvez seja um utilizador ocasional, ou tenha trocado o TP pela bicicleta e sinta que esse é o modo mais eficaz para si; talvez considere que o TP é mal frequentado, desconfortável, e, por isso, numa decisão tomada há anos, prefira usar o carro; pode também acontecer que, mesmo se quisesse utilizar o TP na deslocação para o trabalho, o tempo e o número de transbordos necessários para a distância a percorrer tornam a opção inviável; ou talvez viva numa zona mais rural e não tenha qualquer opção de TP nas proximidades; ou, por qualquer motivo, não tenha alternativa, gostando mais ou menos daquela experiência do dia-a-dia.

As possibilidades são infinitas e, dependendo das necessidades e do contexto individuais, cada um, à sua maneira, tem um motivo para usar ou não usar os transportes públicos. No fim de contas, o que todos queremos é ter opções de mobilidade, quer seja para ir trabalhar ou estudar, quer seja para passear ou visitar familiares e amigos. Pela simples liberdade de nos movimentarmos ou pela possibilidade de aceder a recursos e oportunidades.

Enquanto espinha dorsal de uma mobilidade urbana mais sustentável, o TP é a forma mais eficiente de transportar muitas pessoas de um lado para o outro. É, por isso, irrealista pensar que este se pode moldar ao perfil de mobilidade de cada um, porém, esse parece ser, cada vez mais, um dos desafios que se colocam. Isto porque, para competir com o automóvel particular, o TP tem de se apresentar como uma alternativa viável e isso só será possível se este encontrar formas de responder às mais variadas necessidades dos potenciais utilizadores. Mas os desafios não se ficam por aqui: este é um sector que tem de implementar uma estratégia urgente de descarbonização e cujo modelo financeiro é, por natureza, deficitário.

O cenário dificultou-se com a pandemia de Covid-19, que obrigou a novas regras, mais dispendiosas, e provocou quedas no número de passageiros, que chegaram aos 70% nos momentos mais críticos desta crise. Apesar das dificuldades, o TP foi crucial neste período e vestiu o seu papel enquanto serviço público essencial.

Agora entramos numa nova fase, e à medida que a percentagem de vacinação aumenta e os números retomam alguma normalidade, não há dúvidas de que a Covid-19 abalou não só a mobilidade urbana, mas também a relação entre o TP e os seus utilizadores (os de facto e os potenciais). O futuro da mobilidade urbana está cheio de incertezas, mas, em qualquer cenário, o TP é parte obrigatória da equação. Para o sector, a solução exige um reforço da resiliência e a capacidade de atrair mais pessoas. Mas, para isso, há que subir a parada no que se refere ao serviço prestado e na relação com cada um de nós – estará o transporte público à altura?

transporte público autocarro

ACESSIBILIDADE
Para as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, a utilização dos transportes públicos continua a apresentar muitos desafios. A situação foi agravada durante a pandemia, com a inexistência de procedimentos padrão para estes casos.

A importância do transporte público

A forma como se olha para o TP não é igual em todo o mundo. Na Europa, o modelo urbano é favorável ao TP, mas o seu uso alinha-se também com os princípios e objectivos do velho continente. Começando pela sustentabilidade: os transportes representam cerca de um quarto das emissões da União Europeia, o que faz do sector uma peça importante para alcançar a neutralidade climática a que a Comissão Europeia se propõe em 2050.

“São a opção mais ecológica de transporte em larga escala. Permitem reduzir o número de veículos privados na estrada, levando à redução da poluição gerada, e libertam espaço público nos grandes centros urbanos”, explica Miguel Cardoso Pinto, EY-Parthenon Leader. O Pacto Ecológico Europeu prevê a redução de 90% das emissões dos transportes até meados do século. Para servir este propósito, vão contribuir a descarbonização do TP e o facto de este “poder ser usado como ferramenta para a mudança modal, com vista a uma mobilidade mais activa e a outro tipo de serviços”, avança Lidia Signor, manager para a Mobilidade Combinada da UITP (Union Internationale des Transports Publics).

Também do ponto de vista social, o TP é preponderante. “O TP permite às pessoas aceder aos recursos e às oportunidades de que necessitam nas suas vidas”, avalia a especialista. Embora o tema da equidade ganhe maior dimensão noutros pontos do globo, como é o caso dos Estados Unidos, este foi um assunto que se tornou mais evidente na Europa durante a pandemia, com o TP a assegurar a mobilidade dos trabalhadores dos serviços essenciais – assumindo assim o seu papel como tal – e daqueles que não puderam ficar em teletrabalho durante o confinamento. “Os benefícios do TP para a equidade e para uma sociedade mais justa, com mais qualidade de vida, são algo que deveria ser mais reforçado”, lamenta, lembrando que garantir um serviço essencial durante uma pandemia tem um custo “elevado”.

Com o número de passageiros a cair na ordem dos 70% nas fases mais críticas e novas regras de segurança sanitária, a sustentabilidade financeira já frágil do sistema foi severamente afectada. “Os TP operaram vazios e isso custa muito dinheiro, que, na maioria das cidades europeias, é em boa parte subsidiado pelo sector público”, diz. O problema não fica por aqui: à crise de receitas na venda de bilhetes junta-se uma crise sistémica, que afectou modelos de financiamento de TP, como o estacionamento ou o arrendamento de lojas em estações, e que deverá agravar-se com as dificuldades económicas que se avizinham. São precisos novos modelos de negócio, é certo, mas, para Lidia Signor, não há dúvidas de que “o sector público tem de apoiar o TP a todos os níveis” e explica porquê: “Precisamos que o TP proporcione os máximos benefícios ambientais, sociais e económicos às áreas urbanas e não só”.

Missão: “Trazer as pessoas de volta”

Reduzir custos e aumentar receitas é a fórmula mais imediata para resolver questões financeiras. Para o TP, a nível operacional, tal significa ser mais eficiente, enquanto se atraem mais pessoas para o sistema. E onde se vão buscar essas pessoas? A resposta é fácil: ao automóvel particular. Já fazê-lo é mais difícil, pois implica que o TP se afirme como uma alternativa de qualidade. “Se queremos que mais pessoas usem o TP, temos de perceber o porquê de não o estarem a fazer e qual o gatilho que as fará mudar”, avança Aurelien Cottet, membro da MaaS Alliance e director de vendas da Instant System. O segredo, para Lidia Signor, está na melhoria da qualidade do serviço prestado. “Há um sentimento generalizado de que temos de trazer as pessoas de volta, mas, com a Covid-19, os padrões de mobilidade mudaram, logo os serviços têm também de mudar ou não estarão adaptados à nova realidade”, esclarece.

transporte publico barco

© TomFreire/Shutterstock

A pandemia trouxe muitas mudanças e o impacto foi transversal a todos os modos de TP. A afirmação do teletrabalho, a cessação de actividades, a flexibilidade de horários e a tendência para procurar novos espaços habitacionais na periferia são agora factores que os operadores de TP têm de ter em conta. Embora este “novo normal” seja ainda bastante desconhecido, Miguel Cardoso Pinto acredita que será precisa “uma maior capilaridade da rede de TP para abranger zonas urbanas periféricas e um serviço mais personalizado e integrado, capaz de atrair e fidelizar mais passageiros”.

Além de continuarem com os esforços para transmitir o máximo de confiança possível aos passageiros e levar a cabo a transição energética das frotas, os operadores devem pensar em “campanhas mais agressivas de sensibilização de passageiros, mecanismos de fidelização de passageiros frequentes, maior oferta de passes combinados, passes com descontos, parcerias com empresas de outros sectores que tragam benefícios para o passageiro e oferta de novos serviços, bem como o redesenho operacional para uma maior eficiência”, recomenda.

Com base no trabalho desenvolvido na UITP, Lidia Signor dá conta de que “há muita coisa a acontecer a nível internacional, mas muita incerteza também”. Reestruturar, adaptar horários e rotas são algumas das soluções, e, este sentido, um conceito tem-se mostrado chave: flexibilidade. “Temos visto muitos sistemas DRT – demand responsive transport, o que significa que se estão a usar outras opções mais pequenas e com diferentes capacidades. Podem ser miniautocarros ou táxis, mas a parte mais importante é a flexibilidade, e estes serviços podem hoje ser aplicados muito rapidamente, graças à tecnologia, e cobrir diferentes áreas, ter rotas e horários dinâmicos”, relata.

UMA QUESTÃO DE GÉNERO

No uso do TP, há uma experiência comum a muitas mulheres, mas da qual pouco ou nada se fala: o assédio sexual. Num inquérito não publicado sobre a violência de género em Lisboa, feito em 2016 e encomendado pela câmara municipal de Lisboa, o transporte público foi o segundo local mais apontado como cenário para a violência sexual contra mulheres, sendo que aquelas que tinham sido vitimizadas mostravam duas vezes mais probabilidade de evitar sair à noite. Dois anos mais tarde, um novo inquérito, porta-a-porta, mostrou que as mulheres estão mais preocupadas do que os homens com o risco de assédio sexual durante a sua deslocação diária.

O tema voltou a ser explorado em 2019, desta vez, entre a comunidade universitária lisboeta. Nos comportamentos reportados incluem-se olhares e gestos inapropriados, apalpões ou outro tipo de toque dentro dos veículos, ou assobios e uso de linguagem obscena nas paragens e estações. Cerca de 20% das mulheres inquiridas admitiram mesmo já terem sido perseguidas no trajecto de e para a estação ou paragem.

Estas práticas tendem a ficar impunes, já que a maioria das vítimas não as reporta ou fala sequer sobre elas, seja por desvalorizarem a gravidade do crime, seja por “não quererem mais problemas”. No entanto, este tipo de experiências leva a que as mulheres se sintam mais inseguras do que os homens a viajar nos TP, em particular à noite, acabando por restringir os seus comportamentos ou padrões de mobilidade para reduzir os riscos.

Num trabalho sobre o tema, elaborado por Pedro Homem Gouveia, Maria João Frias e Rita Jacinto, são propostos eixos de acção para responder ao assédio sexual nos transportes, que incluem colocar o tema na agenda política e dos responsáveis pelos TP, encorajar e facilitar queixas e denúncias, identificar zonas de elevado risco, incluir a resposta ao assédio sexual nos TP parte da estratégia smart city e fazer com que as necessidades de segurança de mulheres constem das guidelines para o desenho de paragens e outras infraestruturas, assim como da formação dos técnicos municipais desta área.

“O NOVO NORMAL”
A pandemia levou a população a adoptar novos padrões de mobilidade. Não se sabe ainda se estas mudanças serão apenas temporárias, não obstante, os operadores de TP têm de adaptar-se a um novo contexto.

Um caminho que o TP não tem de fazer sozinho

Juntando os acontecimentos recentes a tendências anteriores, está a dar-se uma “gestão de mudança” nos TP, mas que não tem de ser feita por uma única autoridade ou operador. A colaboração com outros stakeholders, incluindo entre o público e privado, é uma forma de complementar os serviços e de criar um ecossistema de mobilidade que vai permitir responder a diferentes necessidades. “Uma parte pode ser feita por um parceiro e outra por outro”, ilustra Lidia Signor.

Miguel Cardoso Pinto explica como a cooperação pode funcionar: “Por um lado, as empresas privadas terão um papel fundamental na inovação, no desenvolvimento disruptivo e na adaptação da mobilidade às novas tendências. Por outro, o sector público terá responsabilidades acrescidas de apoiar e encaminhar o desenvolvimento de acordo com as necessidades estratégicas nacionais, regionais e locais, e garantir o aumento da qualidade de vida dos utilizadores através de uma regulação que não só não restrinja a inovação como a estimule”. A isto, o gestor acrescenta a importância de “um investimento conjunto” que desenvolva “uma plataforma de partilha de dados standardizados capaz de criar um serviço de mobilidade completamente integrado, fundamental para o aumento da eficiência e segurança”.

transporte público novas tecnologias

As novas tecnologias e a digitalização, alavancadas pelo sector privado, têm facilitado algumas destas mudanças no TP e foram também muito úteis na resposta à pandemia, conta a responsável do UITP: “Desde a eficiência à ocupação ou monitorização de multidões nas paragens, mas também a um nível mais estratégico, na integração com outros agentes, na mudança de serviços, a tecnologia ajudou a uma reacção rápida dos operadores. Onde vimos um avanço grande foi na bilhética, talvez pela necessidade do contactless, e na comunicação dessa informação – mas era algo que já estava a acontecer, porque não se muda um sistema de bilhética numa semana”.

Do mais tradicional ao mais inovador, todas as ferramentas ajudam

Face à enorme diversidade de necessidades dos seus “clientes”, o TP dificilmente conseguirá responder a todas, daí que a complementaridade dos modos seja imprescindível num ecossistema de mobilidade eficiente. Esta complementaridade pode conseguir-se unindo dois conceitos: multimodalidade e a mobilidade como um serviço (MaaS). “Os TP poderão beneficiar destas duas grandes tendências”, avança Miguel Cardoso Pinto, “de facto, se os TP conseguirem garantir a interoperabilidade entre meios de transporte e com as novas soluções de micromobilidade e serviços de partilha, o gap que existia na primeira e última milha de viagem (e que levaria ao uso de transporte privado) pode estar ultrapassado e ser uma significativa oportunidade para o TP aumentar o número de passageiros”.

Por sua vez, o MaaS responde a muitas destas “não tão novas” necessidades, já que, na abordagem, “a chave é a qualidade da prestação do serviço, geralmente através de plataformas digitais que disponibilizam diversos tipos de mobilidade”, explica. Se bem gerida, é também uma forma de “tirar o máximo partido do dinheiro dos contribuintes”, já que tem no TP um dos seus principais elementos, mas, alerta Aurelien Cottet, “não vai acontecer sem uma regulação e um empurrão do governo local ou nacional”.

As soluções podem ser inovadoras, mas, se não aderirem à realidade e as pessoas não souberem da sua existência, pouco importa. “Quanto mais conhecimento tivermos da mobilidade de cada um, mais saberemos para dizer aos operadores como podem melhorar os serviços”, confirma Aurelien Cottet. Conhecer o passageiro é condição sine qua non para um melhor serviço, mas não tem sido uma prática comum. “Várias iniciativas MaaS foram desenvolvidas pelas autoridades ou operadores de TP sem pensar quem será o utilizador, não foram co-desenvolvidas e, no final do dia, quem as usou não fazia parte do público-alvo”, relata.

micromobilidade

Nesse aspecto, os dados são uma boa ajuda, uma vez que indicam que algo está a acontecer, diz o francês, mas não dão a resposta completa e “a realidade sobre o comportamento das pessoas pode ser muito diferente”. Adicionalmente, os dados precisam de análise e, recorda Lidia Signor, “não são algo que surja naturalmente no sector público”. Também aqui, defende, há “um desafio de gestão de mudança para a gestão de dados, o processo de tomada de decisão e criação de novas ferramentas”. Mais uma vez, esta foi uma área que a Covid-19 acelerou e que pode, por exemplo, levar a soluções para novas fontes de receita, sugere a responsável.

Fundamental para o sucesso dos TP são ainda a articulação entre os níveis municipal e regional e o diálogo com quem planeia a cidade e a mobilidade. “Tenho muitas vezes a sensação de que as autoridades para o TP não estão a falar com os planeadores urbanos, que estão a planear a mobilidade no geral – carros particulares, entregas, operadores privados e públicos. Gastamos demasiado tempo e dinheiro em resolver problemas que podiam ter sido prevenidos se tivéssemos trazido toda a gente à discussão”, lamenta. A isto, Lidia Signor acrescenta a necessidade de “quebrar silos e de olhar mais para os benefícios (…), com um foco maior nas pessoas e nas suas necessidades”.

Velhos problemas continuam por resolver

Não descurando o impacto da pandemia, com excepção de regras sanitárias mais exigentes, os desafios que se colocam aos TP já davam sinais anteriormente. Alguns constituem problemas que urgem ser resolvidos. É o caso da acessibilidade física. Diogo Martins é especialista no tema e o facto de ter de usar uma cadeira de rodas para se deslocar permite-lhe falar do assunto com experiência no terreno. “A minha incapacidade é a de andar e a minha deficiência está relacionada com a minha interacção com o meio e com o facto de a sociedade não adaptar esse meio à forma que eu tenho para me deslocar”, explica.

A mudança exige-se não só nos TP, mas em todo o meio urbano, e é “uma responsabilidade da sociedade como um todo”, reclama. Embora haja regras a cumprir nesta matéria quer para os veículos, quer para a infraestrutura do TP, o procedimento padrão parece não estar ainda “solidificado” e Diogo Martins dá conta de uma “inércia” para a mudança baseada em ideias que não correspondem à realidade e nalgum “desconforto” com o tema. “Somos a maior minoria do mundo: representamos 15% da população mundial, cerca de sete mil milhões de pessoas. Além disso, não funcionamos como um grupo estanque, já que qualquer pessoa, em qualquer fase da vida, pode ter uma deficiência ou ter problemas de mobilidade temporários”, explica. Basta ter uma lesão, estar grávida ou carregar uma criança de colo ou, simplesmente, envelhecer.

Segundo o especialista, “estas questões têm de ser pensadas de forma a que não se faça um planeamento da rede de TP como tem sido feito ao longo das décadas, que é muito focado numa pequena percentagem de população, que é uma população sobretudo activa, com um grau cognitivo muito elevado, capaz de compreender a informação, com um alto nível de escolaridade e de complexidade. Temos de perceber que este estereótipo do passageiro-tipo tem de ser desmontado, porque nem sequer corresponde àquilo que é o verdadeiro passageiro”.

Também nesta matéria a Covid-19 piorou o cenário. Uma análise feita pelo especialista mostra que, durante este período, “foram descuradas questões à volta da acessibilidade” e dá um exemplo concreto: “nos autocarros, houve inicialmente a ideia de bloquear o acesso pelas portas da frente, depois acabou por se voltar atrás, mas em nenhum destes casos foram previstos procedimentos para pessoas com deficiência”. A falha não aconteceu apenas nos autocarros, mas na generalidade dos TP, conta – “sempre que se falou em alterar de alguma maneira os procedimentos de forma temporária, estes nunca tiveram em conta as pessoas com deficiência e [a isto] acresce o que já tinha de se fazer antes”.

Diogo Martins está convencido de que existem em Portugal competências técnicas para melhorar a situação, mas é preciso uma mudança de “mindset”, ir além dos padrões mínimos e escutar os passageiros – pessoas reais, com e sem deficiência – para perceber quais são as suas necessidades. O momento de reflexão imposto pela pandemia pode ser oportuno também para resolver esta fragilidade, sugere, tendo também em conta que haverá no futuro mais situações extremas como esta que vivemos. “O ponto essencial é podermos solidificar todo este conhecimento e todas estas práticas de uma forma que nos prepare para o que vem a seguir”, afirma.

Aceitam-se apostas para o futuro

Num futuro que a pandemia deixou mais incerto, antecipam-se “muitas abordagens diferentes”, constata Lidia Signor. “Vai também depender se as cidades optam por um caminho de integração do ecossistema ou se permanecem num modo mais tradicional, ou algo no meio”. Este é um momento em que se está a experimentar muita coisa, mas a especialista internacional recomenda que se assegure que estão a ser criados benefícios permanentes e que, de algum modo, estes novos serviços possam vir a integrar os portefólios de mobilidade dos operadores.

No que se refere aos padrões de viagens e aos receios do regresso em força do automóvel às cidades, Aurelien Cottet crê que só será possível perceber o que vai acontecer quando a grande parte da população estiver vacinada e a vida voltar ao normal, mas deixa uma previsão: “quem estava habituado a usar o TP antes da Covid e começou a usar o carro vai sentir-se esgotado pelo trânsito e vai voltar – a grande questão é quanto tempo isso irá demorar”.

Ao mesmo tempo, o especialista está convicto do aparecimento de soluções e abordagens inovadoras que podem favorecer o TP, como os hubs de mobilidade privados – por exemplo, lugares de estacionamento, habitualmente vazios, em edifícios habitacionais privados localizados nas proximidades das interfaces de TP e que podem ser alugados –, ou o facto de os empregadores passarem a considerar a deslocação até ao local de trabalho como um factor de bem-estar dos seus colaboradores. “A mobilidade é – e será cada vez mais – uma commodity [produto], mas as cidades ainda não olham para isto assim. Não vêem o poder de dominar esta vertente e não é apenas uma questão de sustentabilidade, mas envolve tudo”, conclui.

Fotografia destaque: © The Escape of Malee/Shutterstock

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 32 da Smart Cities – Julho/Agosto/Setembro 2021, aqui com as devidas adaptações.