Ajudar as cidades a traçar uma estratégia e escolher soluções tecnológicas com vista à descarbonização do sistema energético e autossuficiência de recursos é o objectivo da ferramenta de modelação desenvolvida por um investigador português e que está, agora, a ser aplicada ao município de Cascais. A solução TIMES_CITYWEF combina energia, água e produção de alimentos e é um dos vários trabalhos que serão apresentados durante a Conferência APEEN 2021, que decorre hoje e amanhã em formato digital.
Desenvolvida por Luís Pereira Dias, investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL), a ferramenta tem por base a modelação do sistema energético, no qual se integra o sistema de abastecimento de água e o potencial de produção local de alimentos. Tendo o município de Cascais como caso de estudo, foi já possível apurar que, em linhas gerais, “num cenário óptimo, com condições específicas, um aumento da eficiência no consumo de energia tem o potencial para reduzir também cerca de 15 % do consumo de água”, revela o investigador.
Mas como se chega a estes números? Para cada um dos recursos – energia e água –, a solução identifica as fontes existentes ou o modo como “chegam à cidade”, onde são consumidos e de que forma. Perante isto, através de um modelo de optimização do sistema, é apresentado um portefólio tecnológico, com as alternativas custo-eficazes possíveis e os respectivos impactos, permitindo seleccionar as soluções que mais se enquadram com os objectivos do município para a mitigação de emissões. Para além disto, a ferramenta tem ainda em consideração potenciais sinergias – “Isto é, quando olhamos, à escala da habitação, existem co-benefícios de aplicação de tecnologias mais eficientes na óptica da utilização de energia nos consumos associados de água. Se, pela introdução de máquinas de lavar roupa ou sistemas de águas quentes com menor consumo de energia, houver um menor consumo de água, logo, há um co-benefício na introdução destas tecnologias”, exemplifica o especialista.

O tema da produção de alimentos está, por sua vez, ainda numa fase inicial de desenvolvimento da ferramenta, mas a ideia de Luís Pereira Dias é conseguir “modelar a parte da produção de alimentos à escala da cidade”, focando-se na produção em ambiente controlado, como é o caso das hortas verticais, e naquilo que é o impacto destas técnicas no sistema energético. “Este tipo de produção de alimentos de alto rendimento tem, por vezes, elevados custos e energia associados, por exemplo, à manutenção de temperatura ou iluminação artificial, o que induz uma pressão adicional no sistema energético da cidade, que se pretende que seja descarbonizado. Trata-se de modelar sistemas complexos e ter, logo à partida, o entendimento das interligações e interdependências entre estes temas e como se afectam as entre si”, resume.
Disseminar a ferramenta pelos municípios portugueses
Durante a conferência APEEN 2021, cujo tema central é a Transição Energética e Sustentabilidade, Luís Pereira Dias vai partilhar os resultados da aplicação da ferramenta ao município de Cascais, mas explicou, em primeira mão, à Smart Cities o trabalho desenvolvido. Em Cascais, “a ferramenta está desagregada pelas quatro freguesias e detalha dois diferentes sectores económicos – a mobilidade, contabilizando os quilómetros que são percorridos em cada uma dessas freguesias, e o edificado residencial, com a modelação de 11 tipologias de edifícios com diferentes características construtivas e diferentes características socioeconómicas, o que afecta o consumo de energia e de água”.

Principais componentes da ferramenta TIMES_CITYWEF. © Luís Pereira Dias
Numa primeira versão, que contemplava apenas o sistema energético, a ferramenta foi já utilizada em Évora e Almada. Depois de Cascais e com a integração dos temas da água e produção de alimento, pretende-se que a ferramenta seja disseminada por mais concelhos, mas a falta de dados locais pode ser um entrave em alguns casos. No entanto, o investigador da FCT-UNL, que tem trabalhado com ferramentas semelhantes utilizadas, por exemplo, para o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e outros documentos de apoio à decisão política, mostra-se optimista e realça o contributo que as novas tecnologias estão a dar nessa área, permitindo que, hoje, se façam “inúmeras coisas”. “Para usar este tipo de ferramentas, é preciso ter muita e boa informação. E essa informação está a aparecer, o que permite que as análises sejam cada vez melhores. Há cinco anos, isto era feito com indicadores nacionais aplicados à escala local. Hoje, já existe muita informação local associada a isso”.
Apesar “de ser uma ferramenta exigente”, Luís Pereira Dias está convicto de que a sua utilização representa uma mais-valia para os municípios, isto porque “permite responder a questões complexas” sobre um tema em que “o poder local é cada vez mais relevante”, considera o investigador. “Temos câmaras municipais que estão a fazer um esforço muito grande ligado às alterações climáticas, mas que já começam a perceber que isso é um factor de captação de população e de investimento. Ter boa qualidade de vida no seu município traz pessoas e também empresas, que têm algo a contribuir, não apenas ao operar o seu negócio, mas em contribuir para uma sustentabilidade mais forte. Há uma exigência cada vez maior dos cidadãos de ter melhor qualidade de vida e sustentabilidade, formas de melhorar a sua interação e impacto no ambiente, e a primeira linha de exigência é no município. Há municípios que estão a entender isto como uma oportunidade”, conclui.
Dois dias para a transição energética e sustentabilidade
Agendada para os dias 20 e 21 de Janeiro, a APEEN 2021 é a quinta edição da Conferência Anual da Associação Portuguesa de Economia da Energia e vai reunir, em formato virtual cientistas, investigadores e inovadores empresariais de renome internacional. O evento é organizado pelo CENSE – Centre for Environmental and Sustainability Research da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa, contando com os patrocínios da EDP, da GALP e do jornal Público, e com o apoio da ADENE – Agência para a Energia, da APREN – Associação de Energias Renováveis, do BCSD – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, e das revistas de especialidade Indústria e Ambiente, Edifícios e Energia e Smart Cities.