Portugal assiste, nos últimos tempos, a uma ‘invasão’ de street food. Carrinhas coloridas passeiam pelas ruas, com uma oferta gastronómica gourmet e um aroma que faz água na boca. Para as cidades, estes projectos são uma forma de dinamizar e animar espaços públicos, com o negócio a atrair, cada vez mais, novos empreendedores.

 

Movida a três rodas, uma típica Piaggio APE 50 vai deixando um cheiro a café pelas ruas de Lisboa. Na lateral, o símbolo e o nome não enganam: “A Brasileira”. Com 110 anos de história, a marca prolonga o seu serviço para longe das portas do estabelecimento do Chiado, onde descansa um Fernando Pessoa em estátua, e arriscar também no segmento da street food. Junta-se, assim aos mais de cem projectos de comida e bebida ambulantes que, hoje,  existem em Portugal. Mas o caso específico d’ A Brasileira, com uma identidade centenária, mostra como a tendência de comer e beber na rua já se reivindica como norma nas cidades portuguesas.

“A street food é um novo conceito, uma nova área de negócio que reflecte uma nova tendência de cozinha, de trazer a chamada cozinha premium ou gourmet para a rua, ao alcance de todos”, começa por explicar Luís Rato, presidente da Associação de Street Food Portugal (ASFP) e da marca Kiosquestreetfood, de produção de veículos para este segmento. Em Portugal, os food trucks, nome global dado a estes novos veículos de comida, começam a dar cada vez mais nas vistas. E, em forte contraste com as tradicionais roulottes brancas de bifanas ou farturas, destacam-se pelas cores vivas, dimensão mais reduzida (frequentemente Piaggios), aspecto apelativo e uma oferta gastronómica mais diversificada, dentro da especialização de cada um dos conceitos. A definição é, no entanto, contraposta por Francisco Vasconcelos, fundador da Hamburgueria da Parada, um dos pioneiros deste novo tipo de projectos em Lisboa. “Qualquer comida que se venda na rua é street food, seja sobre rodas, seja em bancas por exemplo, e será cada cliente a definir se a experiência é gourmet ou não”, argumenta. Mesmo assim, “a concorrência na rua está a ser feroz”, pelo que negócios mais antigos (como o das bifanas) “terão forçosamente de se actualizar”.

Nas ruas, há quem venda os tradicionais hotdogs e hambúrgueres, aliados ao tal conceito gourmet, mas pode encontrar-se muito mais do que isso. Há “choco louco”, com ideias diferentes para uma iguaria gastronómica bem portuguesa, sumos naturais, crepes, pães com chouriço, gelados ou cafés. As opções variam consoante a imaginação de cada um, entre opções mais universais ou a reinvenção da gastronomia tradicional. Mesmo assim, para Luís Rato, o mercado nacional ainda está a dar os primeiros passos numa tendência que já conquistou o mundo. “Ainda sentimos alguma dificuldade em ir para a rua, ainda é uma coisa nova para nós”, afirma, lembrando que “só este ano é que surgiram os primeiros eventos de street food” no país. Daí que o potencial de negócio em Portugal atraia: “o mercado nacional vai continuar a crescer a dois e três dígitos nos próximos quatro ou cinco anos; depois terá  uma fase de reequilíbrio e reajustamento”, antecipa o presidente da ASFP.

Comida que anima a cidade

Mas o que ganham, afinal, as cidades com esta explosão de comida ambulante? Maior dinamismo e animação ao espaço público, argumentam os empresários do sector. “As autarquias estão a apoiar porque cria emprego, gera negócio, receitas fiscais, mas também uma boa imagem para as próprias cidades”, frisa Luís Rato. Já Francisco Vasconcelos destaca o contributo do sector para uma nova forma de viver na cidade. “Em Portugal, e sobretudo em Lisboa, estamos a assistir a uma nova dinâmica de atrair pessoas para a rua, dar-lhes novos espaços – como esplanadas – ou novos tipos de animação”.

Os festivais de street food acabam por ser o contributo de excelência do sector para esta animação pública. A própria associação promove algumas iniciativas nos mais variados pontos do país. Em paralelo, outros empresários do ramo têm também trabalhado com as autarquias de forma a organizar eventos onde a comida ambulante é a atracção principal. Este foi o caso, por exemplo, do STR.EAT FEST que, a 10 e 11 de Julho [de 2015], animou a praça do Martim Moniz, em Lisboa. Durante esse fim-de-semana, mais de 30 veículos juntaram-se no largo e serviram 20 mil visitantes, segundo contas da organização, da qual Francisco Vasconcelos faz parte. Entre as carrinhas participantes, houve espaço para vários sabores e texturas, além da música constante que marca a vertente de animação de rua. Nos dois dias de festival, foi possível comer, por exemplo, os hambúrgueres da Hamburgueria da Parada, os bagels da The Skinny Bagel ou o choco frito da Choco Louco. Os vários food trucks estacionados na praça, de propósito para o STR.EAT Fest, mostraram que a oferta em Lisboa é variada, especializada e sempre associada a um conceito gastronómico.

Porém, haverá risco de ‘invasão’ de food trucks nas cidades, sobretudo em Lisboa? Perante a possibilidade de descaracterização das ruas lisboetas ou excesso de oferta semelhante, os empresários do sector desvalorizam. Até porque, como realça Francisco Vasconcelos, “cada autarquia tem as suas regras, o que evita o excesso de oferta”. O empresário admite ainda que deva ser “complicado [decidir o licenciamento], por parte de cada câmara municipal, porque cada projecto tem que ser avaliado caso a caso, não existindo critérios quantitativos”.

Luís Rato corrobora a mesma lógica: “as licenças estão a ser atribuídas caso a caso, numa avaliação de cada projecto por parte das autarquias”. Este cuidado evita, por isso, que “as cidades sejam invadidas com bons e maus projectos”. Também com esta preocupação em mente, uma das ‘missões’ da associação passa por “dar o máximo possível de informação às autarquias”. “Queremos explicar-lhes que isto é uma área de negócio completamente diferente, que revitaliza determinadas zonas, é um bom meio de comunicação e de criação de emprego”, realça o presidente da ASFP.

Transformar um conceito em realidade

Nos festivais de street food é possível ver, lado a lado, diferentes projectos de street food. Antes disso, a azáfama de criação de um novo veículo é grande. Que o diga Luís Rato, já que a sua fábrica Kiosquestreetfood, é já responsável pela produção de 98 food trucks só na primeira metade de 2015. Na fábrica do Cartaxo, 25 colaboradores dão vida à personalização destes veículos, de acordo com o conceito de cada projecto de street food pretendido. A partir de uma APE 50 comum, é possível então trabalhar num novo interior, com sistemas de frio e de água, por exemplo, adequados ao sector alimentar. Já no exterior, surgem decorações com fibra, vinis e o que mais for necessário para fazer o food truck brilhar nas ruas.

Na fábrica da Kiosquestreetfood não se pára, face ao dinamismo que o negócio assume, em Portugal. “Em dez meses, tivemos cerca de 500 abordagens por parte de pessoas que queriam lançar o seu projecto”, explica Luís Rato. A empresa, que garante, internamente, todos os elementos de produção dos veículos, fechou 2014 com receitas de 1,3 milhões. Este ano, as projecções da empresa apontam para dois milhões e, daqui a “dois ou três anos”, o empresário espera “atingir os seis ou sete milhões de euros de facturação só nesta área de negócio”.

Nas instalações da fábrica, são várias as ‘carcaças’ de veículos que aguardam um novo interior, apropriado ao negócio da comida de rua. Daqui a umas semanas, estarão prontos para vender cachorros quentes, pastéis de nata ou sumos naturais. Partindo de um lote de produtos “básicos”, como o hambúrguer ou o cachorro quente, “cada empreendedor vai afinando e tendo o seu toque, para o tornar diferente dos outros, quer através de uma marca, quer criando um produto completamente diferente”, vai explicando Luís Rato, enquanto mostra os quatro cantos da sua fábrica. No discurso guarda, no entanto, um carinho diferente pelo projecto d’ A Brasileira. “São 110 anos que estão na rua, não poderia ser um projecto feito de qualquer forma”, realça, lembrando que “este é o projecto com mais identidade e mais antigo com operação street food em Portugal e, talvez, mesmo na Europa e no mundo”.

A iniciativa partiu de um dos proprietários do mítico café, João Silva, que lançou a empresa Expandestória como forma de ‘atacar’ o mercado do street coffee. O novo negócio, defende o empresário do ramo do café, beneficia também o estabelecimento centenário: “é nossa intenção fazer de cartão-de-visita e encaminhar [os clientes] para uma visita ao Chiado”.

Uma aventura do café lisboeta que irá certamente, segundo Luís Rato, fortalecer o mercado nacional da street food. Por enquanto, são mais os projectos pensados de raiz para a rua do que as marcas existentes que resolvem pôr roda no chão e conquistar as cidades. Porém, pode ser que o percurso da carrinha d’A Brasileira, pelo miradouro lisboeta da Senhora do Monte, influencie a oferta noutro sentido, desafiando marcas já estabelecidas no mercado da restauração.

*O artigo foi publicado, originalmente, na edição #07 da revista Smart Cities. Aqui, com as devidas adaptações.