Autores: Cristina M. Monteiro (a), Cristina Santos (b,c), Ana Briga-Sá (d,e), Cristina Matos (c,d)
Com as recentes alterações climáticas e consequente degradação do ambiente, as soluções baseadas na natureza assumem um papel crucial na mitigação dos efeitos negativos decorrentes do desenvolvimento urbano, contribuindo para alcançar as metas para a neutralidade climática e o desenvolvimento sustentável.
O planeta Terra está em constante transformação, mas, nos últimos anos, as mudanças têm sido cada vez mais frequentes e significativas, sendo percecionadas numa única geração, como é o caso das recentes alterações climáticas.
Estas alterações ambientais e consequente pressão sobre os ecossistemas são mais sentidas e nefastas em ambiente urbano, uma vez que as cidades são zonas densamente povoadas e altamente impermeabilizadas, o que potencia os efeitos negativos da falta de vegetação, nomeadamente o aumento da temperatura do ar no centro das cidades (conhecido como efeito ilha de calor), o elevado índice de poluentes atmosféricos e o risco de cheias rápidas e inundações quando ocorrem eventos de precipitação extrema, que tornam as cidades insustentáveis e com baixa qualidade de vida. Paralelamente, o aumento dos requisitos de conforto interior nos edifícios exige a adoção de soluções que contribuam para a redução dos consumos de energia para climatização dos espaços (aquecimento e arrefecimento), reduzindo, quer a elevada dependência energética, quer as emissões de CO2 pelas quais o setor construtivo é grande responsável a nível mundial.
Estas soluções passam, por um lado, por estratégias de desenho urbano que permitam a correta integração dos edifícios no ambiente circundante, tirando partido das especificidades naturais do local ou criando alternativas que devolvam ao espaço urbano os elementos naturais que foram desaparecendo com o desenvolvimento e crescimento das cidades. Por outro lado, o recurso a soluções construtivas bioclimáticas contribui largamente para a melhoria da eficiência energética dos edifícios e, consequentemente, para a minimização do impacto nefasto no meio ambiente.
Segundo dados das Nações Unidas (2018), 55% da população mundial vive atualmente em zonas urbanas e espera-se que este valor aumente para 68% em 2050. Neste sentido, é fundamental aumentar e criar infraestruturas verdes espalhadas pelo tecido urbano, como forma de contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e dos edifícios, potenciando uma maior conexão da população urbana com a natureza.
Segundo a Comissão Europeia, a implementação das soluções baseadas na natureza (Nature-based solutions – NbS) em larga escala no planeamento urbano contribui para o aumento da biodiversidade, para uma maior resiliência às alterações climáticas e para o aumento do bem-estar da população. As NbS são definidas pela Comissão Europeia como soluções tecnológicas inspiradas e suportadas pela natureza que mimetizam os processos naturais e que contribuem para a resiliência e sustentabilidade das cidades, bem como para a criação de serviços ecossistémicos e aumento da biodiversidade.
Além disso, a implementação das NbS em ambiente urbano alinha-se com os objetivos da Agenda 2030 como forma de alcançar cidades e comunidades sustentáveis, contribuindo para as chamadas smart cities, ao mesmo tempo que desempenha um papel ativo na implementação estratégica e no cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), especificamente o “ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis” e o “ODS 13 – Adotar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos”. Um dos objetivos principais é aumentar, até 2030, a urbanização sustentável, através da implementação de planos e políticas para a mitigação, da redução de impacto e da adaptação às alterações climáticas através de construções sustentáveis e resilientes, reduzindo, assim, o impacto ambiental per capita nas cidades e reforçando o planeamento nacional de desenvolvimento.
Benefícios à escala urbana e local
A gestão das águas pluviais em ambiente urbano é um dos grandes problemas que é necessário planear e resolver a longo prazo. Neste sentido, existem atualmente várias NbS que podem ser aplicadas no ambiente urbano para gestão das águas pluviais, quer ao nível das vias de comunicação (como, por exemplo, os jardins de chuva, as valas drenantes e os pavimentos permeáveis), quer ao nível dos edifícios (através da implementação de coberturas ajardinadas e de jardins verticais) ou até de outras tecnologias como sistemas de aproveitamento de águas pluviais (como, por exemplo, tanques de retenção).
Estas soluções apresentam inúmeros benefícios ambientais, sociais e económicos, que se tornam evidentes quando há uma disseminação a larga escala. De entre as vantagens apresentadas na bibliografia da especialidade associadas à implementação de NbS à escala urbana destacam-se as seguintes: (1) melhoria da qualidade do ar; (2) diminuição do efeito de estufa e ilha de calor; (3) melhoria do desempenho higrotérmico e acústico dos edifícios; (4) promoção da biodiversidade, formação e manutenção de ecossistemas e (5) otimização da gestão das águas pluviais. A presença de vegetação nas grandes cidades promove também o contacto da população com a natureza, melhorando o bem-estar físico e a qualidade de vida da população.

Tabela 1: Benefícios das infraestruturas verdes nas áreas urbanas.
Todos estes benefícios acabam por estar intrinsecamente ligados, tendo em conta que as NbS acabam por reter e absorver parte das águas pluviais in situ, para além de contribuírem para a regulação das condições higrotérmicas do espaço urbano e dos edifícios. É importante referir que uma cidade que controla as águas pluviais no seu interior adquire uma proteção extra à ocorrência de ondas de calor. Por sua vez, a retenção (e o aumento do tempo de concentração) das águas pluviais pelas NbS contribui para a redução do escoamento superficial (e redução do caudal de ponta de cheia), minimizando a ocorrência de picos de cheias e de inundações urbanas.
Outro efeito adjacente à implementação de NbS muito relevante é a potenciação da recarga de aquíferos, principalmente em zonas costeiras, reduzindo a possibilidade de ocorrência de intrusão salina. É importante também destacar a melhoria da qualidade das águas de escorrência. Através de diversos processos físico-químicos, as NbS atuam como filtros naturais, promovendo a decantação e a filtração de partículas em suspensão, bem como a redução da matéria orgânica por processos de biofiltração que ocorrem nas diferentes camadas que as constituem.
Como impacto positivo das NbS em ambiente urbano, salienta-se ainda a mitigação do efeito ilha de calor e a melhoria do conforto interior nos edifícios a nível térmico e acústico. A existência de espaços verdes no ambiente urbano é essencial para a regulação das condições higrotérmicas dos espaços face à utilização generalizada de materiais com elevada capacidade de armazenamento de calor na construção das cidades.
A existência de zonas de sombra criadas pela presença de vegetação é também essencial para a minimização dos efeitos de sobreaquecimento durante o verão (estação quente). Caso se opte por vegetação de folha caduca, o aquecimento passivo dos espaços públicos é igualmente potenciado na estação de inverno. Assim, um planeamento estratégico das cidades poderá retirar o máximo proveito da existência de zonas de rios e lagos ou, em alternativa, na sua ausência, prever formas passivas de arrefecimento evaporativo. Este tipo de soluções funciona não só ao nível da escala urbana como forma de melhorar a vivência dos espaços, mas também ao nível do edifício, contribuindo para a melhoria do seu conforto interior.
Para além das soluções à escala urbana, as NbS trazem também benefícios ambientais em zonas costeiras e ao nível da gestão de bacias hidrográficas. Neste âmbito, a FEMA (Agência Federal de Gestão de Emergências dos Estados Unidos) classifica estas soluções em três categorias principais, tendo por base a escala e localização:
- NbS à escala da bacia hidrográfica ou da paisagem, o que inclui conservação de terras, vias verdes, restauração e proteção de áreas húmidas, parques de águas pluviais e planícies aluviais;
- NbS à escala local, incluindo a implementação das infraestruturas verdes dentro das cidades e espaços urbanos;
- NbS nas áreas costeiras, que incluem a implementação destas infraestruturas em locais da zona costeira, dunas, parques à beira-mar, reduzindo a erosão e protegendo a costa dos impactos das tempestades.

Figura 2: Coberturas ajardinadas no Porto: Praça das Oliveiras.
Entre as várias NbS à escala local cuja implementação no tecido urbano temos visto aumentar na última década, encontram-se as coberturas ajardinadas (Figura 2) e os jardins verticais (Figura 3) ao nível das construções. A introdução destas NbS na envolvente dos edifícios contribui para a diminuição das flutuações de temperatura e de humidade interior, minimizando os custos associados à utilização de aparelhos de climatização. Além disso, permitem ainda melhorias ao nível do conforto acústico e a retenção de águas pluviais para posterior reutilização.

Figura 3: Jardins verticais em Madrid.
Vários estudos científicos publicados realçam a capacidade das coberturas ajardinadas na retenção e redução do escoamento das águas pluviais (através da retenção das águas pluviais nas várias camadas constituintes, das necessidades hídricas e dos processos de evapotranspiração da vegetação), atrasando o início do escoamento e aliviando a pressão a jusante nos sistemas de drenagem urbana. A par disso, e em termos energéticos, a construção de uma cobertura ajardinada contribui para aumentar o desempenho térmico dos edifícios, ao promover um melhor isolamento térmico (minimizando as variações de temperatura no interior da construção), garantindo, assim, poupanças de energia. Um estudo desenvolvido por Morakinyo et al. (2017) mostrou que o espaço interior de edifícios com coberturas ajardinadas apresentava temperaturas do ar interior mais baixas (variando entre 0,4 – 1,4 ºC) quando comparadas com edifícios com telhados convencionais.
Para que se consiga usufruir em pleno de todas as vantagens das NbS no tecido urbano, no momento de escolha das soluções a implementar, é importante ter em consideração o fim a que se destinam e as condições locais, e, com base nisso, selecionar a tipologia mais adequada para os objetivos a atingir.
Com as recentes alterações climáticas e consequente degradação do ambiente, e no seguimento dos objetivos do Pacto Ecológico Europeu, as infraestruturas verdes urbanas assumem um papel crucial na mitigação dos efeitos negativos decorrentes do desenvolvimento urbano, contribuindo para alcançar a meta da Europa de ser o primeiro continente com um impacto neutro no clima, com emissões de gases com efeito de estufa nulas, em 2050, contribuindo para alcançar cidades e comunidades resilientes e sustentáveis.
(a)CBQF-Escola Superior de Biotecnologia – Universidade Católica Portuguesa; (b)Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; (c)CIIMAR – Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental; (d)UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro;(e)CQ-VR- Centro de Química de Vila Real
Agradecimentos
Cristina M. Monteiro agradece à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) no âmbito do projeto UIDB/50016/2020.
Referências
United Nations, 2018. Revision of World Urbanization Prospects. Population Division of the UN Department of Economic and Social Affairs;
Matos, C., Briga Sá, A., Bentes, I., Pereira, S., Bento, R. 2019. An approach to the implementation of low impact development measures towards an EcoCampus classification. Journal of Environmental management, 232, pp. 654-659;
Monteiro, C. M., Santos, Cristina, Wood, Jaran R., Rosenbom, Kim. 2022. Nature-based solutions using Leca® as a way to increase urban sustainable development and contribute to stormwater management. In: Urban Green Spaces, Rui Alexandre Castanho and José Cabezas Férnandez (Eds). IntechOpen. ISBN: 978-1-80355-157-9;
Morakinyo, T., Dahanayake, K.W., Ng, E., Chow, C.L. 2017. Temperature and cooling demand reduction by green-roof types in different climates and urban densities: A co-simulation parametric study. Energy and Buildings. 2017, 145, pp. 226-237;
Santos, C., Monteiro, C.M. 2022. Green Roofs influence on Stormwater quantity and quality: a review. Online first – 24th January 2022. In: Stormwater, Başak Kılıç Taşeli (Ed). IntechOpen ISBN: 978-1-80355-337-5.
Este artigo foi originalmente publicado na edição de Abril/Maio/Junho de 2022 da Smart Cities.