No primeiro lugar do ranking para a qualidade de vida da Mercer pelo décimo ano consecutivo, Viena costuma dar nas vistas também pela sua visão inteligente. Distinguida entre as boas práticas internacionais nesta matéria, o foco da estratégia Smart City Wien [Viena] passa mais por uma “cidade verde” do que por uma “cidade tecnológica”. Ina Homeier, responsável pela unidade Smart City Wien, esteve, em Junho, em Portugal para a apresentação da Aliança Europeia Cities for Trees e partilhou com a Smart Cities algumas das experiências da capital austríaca, apontando desafios para hoje e amanhã.

A experiência de Viena como uma cidade inteligente é apontada como um caso de sucesso internacional. Mas esta não foi uma estratégia de base tecnológica, certo?

A nossa estratégia tem a ver com tecnologia, mas não é orientada para a tecnologia. Entendemos a tecnologia como um instrumento, mas o nosso objectivo não é ter uma cidade tecnológica. O [nosso] entendimento é o de que devemos analisar e compreender quando é que precisamos de tecnologia ou de inovação tecnológica ou de inovação social. Algumas vezes, já temos as soluções, mas talvez tenhamos de as adaptar um pouco. Também temos uma estratégia para a digitalização. Na estratégia Smart City Wien, as TIC [Tecnologias de Informação e Comunicação] são uma ferramenta para alcançar algo e, por vezes, não são necessárias.

Sentiram a pressão das empresas tecnológicas?

Sim, claro. Se olharmos para o processo de standardização, há muita pressão, ao nível das ISO, para trabalhar aí e, claro, [estas] querem vender as tecnologias. Acredito que as tecnologias são importantes, em articular neste processo de transformação para a redução de emissões de CO2 ou na transição energética nos edifícios e na mobilidade. Precisamos mesmo das tecnologias para isso e é bom. É uma oportunidade para as cidades também.

Como encaram, então, o conceito de cidade inteligente?

Entendemos as smart cities como a criação de empregos verdes, de novas competências. A questão é: vamos comprar as tecnologias a outros países no futuro ou estaremos tão à frente que vamos desenvolvê-las nas nossas cidades? Portanto, não é que não queiramos a tecnologia, mas queremo-la no equilíbrio certo.

Qual foi o maior desafio para Viena?

Não falaria no passado. O desafio que temos agora é que o de encher esta estratégia com vida. Temos de trazer os stakeholders certos a bordo. Há muitos receios sobre se estes objectivos se mantém ou se temos de desistir de alguma coisa. Por exemplo, até 2025, todos os nossos novos edifícios terão de ter energias renováveis e, caso não alcancemos esses objectivos, levanta-se a dúvida sobre se [os responsáveis políticos] vão perder as eleições ou qualquer coisa assim?! O grande desafio é trazer a estratégia à realidade. Anteriormente, o desafio poderá ter sido o de encontrar metas consensuais, objectivos ambiciosos com os quais todos os partidos políticos concordassem.

Nesse processo, considera que os decisores políticos estão realmente preocupados com as metas ou estão mais focados em ganhar eleições?

Ficaria muito feliz se levássemos o enquadramento de trabalho que temos e o usássemos como uma ferramenta nas eleições, porque é forte e pode chamar os eleitores mais novos. Infelizmente, penso que a maioria dos políticos é mais táctica. No último ano, trabalhámos nos enquadramentos de trabalho para as emissões de gases com efeito de estufa e eu tornei-me quase radical! Comecei a prestar mais atenção aos meus hábitos de consumo, ao que compro no supermercado, à quantidade de plástico ou às deslocações de carro. Olhei para as temperaturas elevadas e as diferenças que se fazem sentir, as chuvadas, as ondas de calor. Enquanto mãe e pessoa, algo que não compreendo de todo é como, na indústria, no sector privado e na área política, há pessoas, como o Donald Trump, que considerem que as alterações climáticas são uma mentira.

Devemos falar de emergência climática?

Fiz um trabalho, neste processo, sobre análise de semântica e foi muito interessante de perceber o quão diferente pode ser a interpretação que as pessoas fazem das coisas. Não penso que seja benéfico provocar medo nas pessoas. Se começam a sentir-se assustadas, paralisam. Esta é uma crise que chegou nos últimos anos. Quando as pessoas dizem que já tivemos alterações climáticas no passado, sim, é verdade, mas aquilo a que assistimos agora é provocado pelo homem. Temos estragos que já não são reparáveis. Temos de definir medidas para a adaptação às alterações climáticas e isso é incrivelmente defensivo. É uma espécie de “ah, ok, temos isto agora das alterações climáticas, vamos adaptar-nos”. Temos de combatê-las. Temos de fornecer aos mais novos e mais velhos, aos vulneráveis, aos com baixos rendimentos, a possibilidade de arrefecimento, de sombreamento, de ar fresco, etc. É uma emergência, mas penso que é necessário trabalhar na nomenclatura.

As cidades europeias têm sido passivas nesta matéria?

Não. Se olharmos para outras cidades [mundiais], as europeias não têm uma atitude passiva. Para fazer a diferença, as cidades precisam do apoio dos governos federais e da Comissão Europeia. Até mesmo Viena. Se os regulamentos certos não estiverem em vigor, não conseguimos gerir isto.

Precisamos de uma Comissão Europeia forte?

Sim, sem dúvida.

“Para fazer a diferença, as cidades precisam do apoio dos governos federais e da Comissão Europeia. Até mesmo Viena. Se os regulamentos certos não estiverem em vigor, não conseguimos gerir isto”.

É arquitecta e urbanista. Como podem estas duas áreas de conhecimento ajudar a construir uma cidade inteligente e sustentável?

Sou apenas uma peça neste quadro. Poderia ser qualquer outra pessoa. O que é importante é o envolvimento das pessoas durante a sua vida. De forma geral, os arquitectos têm de aprender que o desenvolvimento urbano é mais do que apenas construir edifícios e, infelizmente, os meus colegas ainda pensam nas suas casas e não nos bairros e redondezas, a influência de cada coisa e tudo o mais. Na minha opinião, o desenvolvimento urbano está no centro [da questão]. É sobre mobilidade, colocar a infra-estrutura, planeamento energético, zonamento, onde colocar as áreas verdes, onde colocar indústria, etc., e temos ferramentas para isso. É sobre como interagir com a área. O desenvolvimento urbano é uma das peças mais importantes na transformação para uma cidade inteligente.

No caso de Viena, esta estratégia provocou alguma transformação em termos do modelo de governação?

Não as suficientes, digamos. Houve diferentes abordagens. Numa delas, as diferentes unidades, empresas ou outros ficaram responsáveis por implementar os objectivos da estratégia smart city. Concordo com isso, mas todos estes projectos implicam cooperação e as unidades e departamentos têm de trabalhar em conjunto. Acredito que é preciso alguma coordenação.

Esse trabalho conjunto não existe?

É algo que tem a ver com poder também, principalmente no que respeita às eleições. Se há um projecto em que três ou quatro vereadores estão envolvidos, cada um deles vai querer ser o único a aparecer na fotografia.

A Smart City Wien é transversal à cidade?

Sim, chega a todo o lado, e estamos a reforçar a cooperação com o lado da Investigação, a academia, a indústria, as associações industriais e as câmaras de comércio, etc.

E funciona?

Sim, funciona! Nas minhas apresentações, costumo apresentar uma imagem em que todos elogiam a estratégia smart city, mas, quando se pergunta quem vai implementar, todos fogem. O engraçado é que funciona de qualquer modo – e isto é típico de Viena. Funciona! Pensamos que ninguém é responsável, ninguém assume a responsabilidade, especialmente quando algo pode não resultar no final, mas há sempre pessoas parvas, como eu [risos], que insistem e insistem e funciona! As pessoas começam a trabalhar em conjunto. Isto também se deve ao facto de termos elaborado a estratégia e a sua monitorização de modo realmente bottom-up. As pessoas percebem qual é o seu papel e como podem participar nas suas rotinas diárias para cumprirmos este objectivo. Funciona!

Quando a estratégia é bem sucedida, é mais difícil ou mais fácil estabelecer metas mais ambiciosas?

No nosso caso, deixamos bem claro que, lá porque já conseguimos alcançar os objectivos, isso não significa que os próximos anos sejam iguais. Será completamente diferente. O contexto muda, tudo muda. Foi muito difícil, porque, em cerca de dez anos, tivemos a deslocação de milhares de pessoas. Depois de termos adoptado a estratégia smart city, em 2014, tivemos, num ano, mais 80 mil pessoas e, noutro, 50 mil, e foi impossível alcançar os objectivos. É uma experiência viva, não pára.

Como é feito o controlo da execução dos objectivos?

Estamos a fazer uma monitorização periódica no que se refere a [concretização de] medidas, mas também ao nível dos impactos daquilo que estamos a fazer. Calcular o impacto faz a diferença e traz uma pressão permanente.

Em Junho, uma revisão da estratégia Smart City Wien foi aprovada. O que traz de novo?

Acima de tudo, o que pretendo que mude é trabalhar numa comunicação muito forte para que as pessoas recebam informação real, porque considero que não fizemos isto o suficiente [nessa matéria].