Emprego, investimento e mobilidade são os três eixos fundamentais que dão forma à missão actual da secretaria de Estado da Valorização do Interior (SEVI), liderada por Isabel Ferreira. Agora sob a tutela do ministério da Coesão Territorial, criado há apenas um ano, a SEVI ganhou carácter móvel, com sede em Bragança, num modelo que tem permitido uma maior proximidade aos cidadãos e às empresas locais. Este primeiro ano trouxe desafios inesperados e, num contexto de pandemia, Isabel Ferreira defende que é tempo de se olhar para as oportunidades que os territórios do interior podem oferecer, nomeadamente no que toca ao teletrabalho. Para a governante, a criação de sinergias e a transição digital vão permitir “melhorar a eficiência dos processos, mas também chegar a produtos de maior valor acrescentado”.
O ministério da Coesão Territorial é uma novidade neste Governo e do qual faz parte esta secretaria. Porque era necessário este ministério?
O ministério da Coesão Territorial concretiza uma nova área governativa e traduz, sem dúvida, o empenho do Governo no desenvolvimento equilibrado de todas as regiões. Um desenvolvimento harmonioso que se traduza na competitividade idêntica em todo o país, seja nas zonas do interior, seja nas do litoral. E, dentro deste ministério, temos a SEVI, que também traduz o compromisso do Governo de olhar para o interior de forma diferenciada e reconhecendo que estes territórios precisam de um olhar distinto, o que significa investimento, uma aposta nas acessibilidades e nos serviços, mas também nas dinâmicas de empreendedorismo e nas estratégias de interacção entre centros de conhecimento e empresas.
Na criação de sinergias, é isso?
Criar sinergias e estratégias desenvolvidas pelos próprios agentes do território, mas aqui com o chapéu do Governo central. É preciso estimular a valorização dos territórios do interior, porque só assim é possível ter um país equilibrado, em que não haja concentração de pessoas só em determinadas regiões, com todos os problemas que isso traz tanto para essas regiões, como para as outras, com a problemática do território abandonado.
É também uma secretaria de Estado “móvel”, com sede em Bragança. Como tem sido essa experiência e que impacto é que isso teve no concelho?
A SEVI tem a sua sede em Bragança, que é a capital de distrito mais longe de Lisboa, onde tem vivenciado, na prática do dia-a-dia, a importância das políticas de proximidade. O facto de termos uma secretaria de Estado num território do interior permite-nos, primeiro, aproximarmo-nos de pessoas do interior que podem trabalhar nesta secretaria de Estado. Permite-nos ainda aproximar de cidadãos, empresas, produtores, associações e tantas outras instituições que identificam, ao falarem connosco, os problemas que enfrentam nestes territórios, mas partilhando também, muitas delas, os projectos que têm para os valorizar. Desta forma, fazem-no no interior, a falar com uma secretária de Estado também do interior e com pessoas da secretaria de Estado também do interior.
Qual é a actual missão da secretaria de Estado?
Antes da pandemia, tivemos oportunidade de fazer a revisão do Programa de Valorização do Interior (PVI), entre Outubro, quando tomámos posse, e Fevereiro, quando foi aprovada em resolução do Conselho de Ministros. Aí, definimos claramente a nossa estratégia para os territórios do interior, muito voltada para a captação de investimento e para a atracção e fixação de pessoas nestes territórios. São os nossos objectivos basilares. Só podemos tornar os territórios do interior mais competitivos se conseguirmos ter pessoas. E quando falamos em pessoas, falamos também de emprego, sobretudo emprego qualificado, que é aquele que capacita mais os territórios.
Construímos a nossa estratégia à volta disso, sem esquecer também o enorme valor que estes territórios têm no que diz respeito aos seus recursos endógenos, que são ímpares e muito valiosos, mas aos quais é preciso imprimir dinâmicas empreendedoras e empresariais. Temos de ter todos os sectores de actividade – o primário, o secundário e os serviços – presentes no território. Temos de ter cadeias de valor completas, sendo que as nossas medidas vão muito nesse sentido. E, depois, um eixo muito importante no PVI é a cooperação transfronteiriça, porque os territórios do interior assumem uma centralidade ibérica privilegiada e temos de começar a olhar para esse posicionamento geográfico como uma oportunidade para inserção no mercado ibérico e europeu. Em termos de medidas concretas e que concorrem para estes objectivos, estas estão alicerçadas em três pontos: emprego, investimento e mobilidade.
Que se traduzem em medidas mais direccionadas?
Sim, no emprego, implementámos o +COESO Emprego, que apoia o salário dos trabalhadores durante 36 meses. Estamos a falar de um apoio que pode ser de 1900 euros mensais e ainda 40% desse valor serve para que a entidade empregadora gaste naquilo que for necessário para a criação daquele posto de trabalho. Estamos a falar de apoio à contratação, quer em empresas, quer em entidades do sector social. Esta medida abriu com uma dotação de 90 milhões de euros e tivemos candidaturas de quase 500 milhões de euros, o que significa que houve uma procura avassaladora. E mais de 50% destas candidaturas são nos territórios do interior! Isto diz-nos que a medida vai ao encontro das necessidades, mas também prova que existe dinamismo nestes territórios e que, quando nós abrimos medidas de apoio, os actores locais se mobilizam, no sentido de fazer candidaturas com mérito e com o intuito de utilizar estes apoios. É importante saber que existem estes destinatários e desmistificar a ideia de que no interior não há massa crítica suficiente para criar este tipo de candidaturas.
Como é que foram estipuladas as restantes medidas nos vértices que apontou?
Para além do emprego, temos o vértice que se foca no investimento, em que temos apoiado, através do programa +COESO Competitividade, empresas e entidades do sistema científico e tecnológico, essencialmente politécnicos, universidades e centros de investigação, quer em medidas ligadas ao investimento e à inovação produtiva, quer no apoio à investigação e desenvolvimento tecnológico, pondo a trabalhar em conjunto empresas e entidades deste sistema, mas também no apoio à contratação de recursos humanos altamente qualificados. O que é de destacar é que estes avisos são exclusivos para os territórios do interior e foi a primeira vez que isso aconteceu.
Lá está, mais uma vez voltamos à pergunta inicial, porque é importante haver um ministério da Coesão Territorial? Porque é preciso ter instrumentos financeiros para desenvolver estratégias que capacitem os territórios do interior e que os valorizem e, portanto, lançámos estes avisos, que estão abertos desde a altura em que fizemos a revisão do PVI em permanência até o final do ano, para que os diferentes destinatários possam recorrer a eles no momento que considerem oportuno e, até, de forma complementar, isto é, podem recorrer a um programa, por exemplo, de apoio ao investimento ou a outro de apoio ao emprego. Este aviso de recursos humanos altamente qualificados está aberto também, mais uma vez, para empresas e para centros de conhecimento. Neste caso, temos tido inúmeras candidaturas e estou certa de que, quando começarmos a ter a implementação de todas estas candidaturas no terreno, vamos ver o seu resultado na valorização do interior.
“Só podemos querer atrair pessoas para onde nós próprios gostaríamos também de ir viver, e só gostamos de viver onde temos emprego, serviços públicos e boas acessibilidades.”
A pandemia trouxe muitos desafios para o país, mas, pensando só nos municípios de baixa densidade, acredita que o contexto actual pode tornar-se numa oportunidade para estes territórios?
Sim, note-se o que aconteceu durante o período de férias em que houve uma procura muito grande por destinos em territórios do interior, nomeadamente ligada ao turismo. Quem vive nos territórios do interior conhece bem todas as vantagens que existem, nomeadamente em termos dos recursos excepcionais, de paisagem, de património cultural e histórico, de qualidade de vida, mas sabe que precisamos de ter mais dinâmicas de oportunidades de emprego para poder atrair as pessoas para estes territórios. Isso só se consegue se tivermos empresas e centros de conhecimento fortes nos territórios. O que aconteceu com a pandemia foi que muitos portugueses que não conheciam tão bem os territórios do interior começaram a ter essa oportunidade e a optar por estes territórios, nomeadamente para as suas férias, onde puderam conhecer todas estas vantagens. Também agora o país todo conhece melhor os territórios do interior. E, sem dúvida, é uma oportunidade desse ponto de vista, ligada ao turismo, mas também ao teletrabalho e a outras dinâmicas, para criarmos condições para que as pessoas possam viver no interior e trabalhar a partir daí para qualquer parte do mundo.
Considera que o próprio Estado e a generalidade dos portugueses já olham com outros olhos para estas regiões?
Todos temos responsabilidades. Não é só o poder central. Cada cidadão tem o seu papel e também pode fazer a diferença no que diz respeito à valorização destes territórios. Encontramos inúmeros exemplos pelo interior fora de pessoas que fizeram a diferença e que conseguiram criar projectos que são verdadeiras referências em termos mundiais.
Realço que temos de abandonar o discurso de um interior só com dificuldades, porque isso obviamente não vai atrair nem fixar pessoas – não querendo com isto escamotear os problemas que existem, senão não existia a SEVI. Mas, mesmo dentro do interior, temos diferentes realidades. Temos cidades médias, com empresas e com centros de conhecimento que são exemplos de sucesso, e temos também territórios muito vulneráveis, onde fomos fechando serviços, onde as acessibilidades são mais deficitárias, o que leva ao abandono destas zonas.
Só podemos querer atrair pessoas para onde nós próprios gostaríamos também de ir viver, e só gostamos de viver onde temos emprego, serviços públicos e boas acessibilidades. De qualquer forma, não podemos estar sempre num discurso que veja só os problemas. Temos de fazer um discurso que construa também as soluções. A pandemia ajudou, no sentido de mostrar um interior com muitas oportunidades para diferentes sectores económicos e também mostrar, mais uma vez, que a diversificação da base económica é fundamental para contextos excepcionais como este que vivemos.
O teletrabalho, os nómadas digitais e a criação de espaços de cowork são algumas das actuais tendências. São estratégias que têm recomendado aos municípios?
Para nós, já eram bandeiras antes da pandemia, sendo que agora foram aceleradas e evidenciadas. Há, por isso, duas questões que consideramos muito importantes. Uma delas é os apoios à mobilidade que também estamos a criar, nomeadamente com o Trabalhar no Interior, que é um programa de incentivo à mobilidade geográfica e à fixação de trabalhadores nestes territórios. Para além disso, há o compromisso também do Governo no que diz respeito ao incentivo da mobilidade de trabalhadores da Função Pública para o interior com benefícios também específicos para estes. Quanto à questão do teletrabalho, consideramos que os territórios do interior oferecem oportunidades muito boas para conciliar uma vida pessoal com uma vida profissional, e, portanto, poder trabalhar a partir dali para qualquer parte do mundo. Quando falamos em teletrabalho não estamos a falar no trabalho isoladamente em casa, mas de trabalho à distância, que pode ser feito em espaços de coworking, criados com as infra-estruturas e os recursos necessários para que um trabalhador possa desempenhar a sua função à distância. E isso é importante, quer no contexto nacional, quer no contexto internacional. Hoje, estamos num espaço europeu, de mercados que são globais, onde podemos fazer o nosso trabalho a partir de qualquer local. Mas, para termos as dinâmicas de teletrabalho e de proximidade, que são tão importantes, por exemplo, nos teleserviços, e para que estes sejam sustentáveis, é preciso criar lógicas de serviços adaptados à distância, nomeadamente de cobertura de banda larga em todo o território nacional.
Esse é, aliás, um dos desafios que já tinha sido referido pela ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa.
Tem de ser um desígnio comum de todos. Não podemos deixar nenhum cidadão nem nenhum território para trás, porque a banda larga e a cobertura de rede móvel são as auto-estradas do presente. E nós não conseguimos atrair uma única pessoa, muito menos uma única empresa, se não tivermos essas acessibilidades.
Em que medida é que a transição digital pode ser uma oportunidade?
Temos todos de dar muito valor ao facto de vivermos numa era com tanta tecnologia à nossa disposição. Hoje, vemos que, nos territórios do interior, para além de agricultura e floresta, temos muitas empresas de base tecnológica, muitas até ligadas à biotecnologia, mas também às Tecnologias de Informação e Comunicação. Por isso mesmo, também dentro do PVI, uma das medidas que nós temos é o +COESO Digital, onde estamos a apoiar consórcios entre empresas da área do digital e empresas de outros sectores de actividade, porque, muitas vezes, essas empresas precisam de serviços que outras podem providenciar. As ferramentas digitais têm a enorme vantagem de poderem ajudar a melhorar a eficiência dos processos, mas também chegar a produtos de maior valor acrescentado. E, portanto, uma empresa que trabalha na área do digital, se estiver a trabalhar com uma empresa do agro-alimentar, certamente que, desta sinergia e desta interface, vão resultar melhorias nos processos e nos produtos.
As ferramentas digitais são valiosíssimas porque aproximam as pessoas dos serviços e permitem que uma pessoa recorra a serviços à distância ou trabalhe à distância. Por tudo isso, a agenda digital é uma prioridade deste Governo e um desígnio global da União Europeia.
Muito em breve, teremos um grande envelope financeiro à disposição, entre o quadro financeiro plurianual e os instrumentos para a recuperação. A coesão territorial é, desde sempre, uma prioridade de Bruxelas, mas nem sempre temos conseguido maximizar essa oportunidade em Portugal. Há lições que podemos tirar do passado para aproveitarmos da melhor forma o dinheiro que aí vem?
Sem dúvida. Independentemente do dinheiro que vem, este ministério já conta muito com fundos europeus, que é aquilo que ajuda a alimentar a nossa estratégia de valorização do interior. Quando nós pensarmos em todo o envelope financeiro, o que temos de destacar é que, para executarmos estes fundos, precisamos da mobilização de todos os actores e, mais uma vez, dos actores do território. Depois, estamos a falar numa aposta em eixos que considero essenciais para a valorização do interior, como a aposta na inovação, com cadeias de valor completas e produtos de alto valor acrescentado. Isto significa que têm de ser produtos diferenciados e únicos que tragam riqueza.
A transição digital, assim como a descarbonização, mas também as apostas na qualificação e na formação têm de ser contínuas. O emprego qualificado é muito importante para os territórios do interior porque estas pessoas são as que estão mais bem preparadas para responder aos desafios grandes que temos pela frente – de desenvolvimento dos territórios, do aumento da sua competitividade, e agora desafios que nós não prevemos e que acontecem de forma excepcional, como este da pandemia. Precisamos de ter um país preparado, o que significa um país coeso, resiliente, sustentável, digital, inovador e os territórios do interior têm de se desenvolver também à custa destas premissas.
Para além disso, todos os fundos actuais e futuros vão permitir, por exemplo, beneficiar de maior cobertura populacional e territorial de equipamentos e de respostas sociais, de mais desenvolvimento industrial e tecnológico e, hoje, temos de articular todas as dinâmicas de internacionalização dos nossos produtos com cadeias mais curtas de distribuição. Ou seja, as nossas empresas têm de ter a capacidade de internacionalizar os seus produtos, de exportá-los, mas também, em condições excepcionais como a que vivemos, de apostar na produção nacional e em cadeias mais curtas que garantam o escoamento de produtos.
Como é que gostaria de ver o território do interior quando sair desta secretaria?
Costumo dizer que a situação ideal era que não houvesse necessidade de haver uma secretária de Estado da Valorização do Interior. Quando isso acontecer, todos problemas estão resolvidos. Até lá, queria dizer de forma muito realista que não há fórmulas mágicas e que, quando o problema é demasiado complexo, devemos dividi-lo em pequenos problemas e ir resolvendo um de cada vez. É isso que temos estado a fazer. Aquilo que nós queremos é que o interior tenha mais pessoas, mais qualificadas e com melhor qualidade de vida. Se isso acontecer, certamente se reflecte, depois, no próprio território, mas, primeiro, vêm as pessoas.