Três anos depois da apresentação do Primeiro Grande Inquérito sobre Sustentabilidade em Portugal, a Missão Continente e o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa apresentaram, no dia 4 de Setembro, o Segundo Grande Inquérito sobre Sustentabilidade, que revela que a crise de 2008 está ainda muito presente nos hábitos de consumo dos portugueses.
A segunda grande análise às condições de vida dos portugueses voltou a ser feita por uma equipa coordenada pelas investigadoras Mónica Truninger e Luísa Schmidt. Através de uma amostra de 1 600 inquéritos, realizados a residentes em Portugal, maiores de 18 anos, estratificado por região, género e idade, o estudo começou por tentar perceber quais as grandes preocupações dos portugueses. O desemprego foi a resposta mais escolhida, seguida de baixo poder de compra (associado a baixos salários). Como tal, não é de estranhar que, quando questionados sobre a crise económica e a sua permanência, 53,5% dos inquiridos tenha respondido que esta ainda não passou. Apenas 29,8% consideram a crise está ultrapassada.
À semelhança do que foi constatado no Inquérito de 2016, a crise económica continua a ter impacto e alterou os hábitos de consumo de grande parte da população portuguesa. Segundo os resultados, apenas cerca de um terço dos inquiridos se manifesta imune à crise (à semelhança do inquérito de 2016). Foram, assim, as famílias de menores rendimentos que mais alteraram os seus hábitos de consumo. Mas o impacto não foi apenas sentido nesse âmbito. Os habitantes das áreas metropolitanas estão entre os que mais alteraram os seus hábitos, assim como as mulheres. Este último factor é, segundo os investigadores, justificado pela hipótese de as mulheres “estarem mais próximas das decisões de consumo no quadro doméstico”.
O documento refere também que a crise deixou “traumas que estão activos”, e um dos aspectos onde se verifica é através da re-orientação das prioridades de consumo. Comparando com o inquérito anterior, as prioridades passaram a ser, entre os mais velhos, a saúde, enquanto expressão de segurança própria, e, entre os mais novos, o sustento pessoal, sobretudo, expresso no acesso ao emprego. A segunda prioridade, que, em 2016, foi “fazer férias”, é, nesta edição, a “poupança”.
Para melhor definir e compreender o tipo de consumidor que actualmente existe em Portugal, o documento delineou o seu perfil através de oito orientações gerais de consumo. Tal como no inquérito de 2016, o perfil do “Consumidor Constrangido” (que gere um orçamento limitado e usa o preço mais baixo como principal critério no acto de compra) foi o mais escolhido, a par de um novo perfil introduzido neste inquérito – o do “Consumidor Suficiência”. Este tipo de consumidor considera que o consumo não traz necessariamente bem-estar e as suas escolhas são mais conscientes e ponderadas. Segundo os investigadores, “a importância atribuída aos dois perfis revela que os portugueses continuam a dar peso à gestão cuidada do seu orçamento familiar, contendo despesas (particularmente na dimensão de gerir o orçamento para que não falte dinheiro). Estas atitudes perante o consumo são, aliás, consonantes com as preocupações manifestas no início deste inquérito”, o desemprego e o baixo poder de compra.
Outros perfis foram também muito valorizados pelos inquiridos. São eles o “Prosumidor”, com capacidade de construir ou reparar os produtos que utiliza, e o “Consumidor Ético”, que dá importância ao impacto das suas práticas de consumo no mundo que o rodeia. Segue-se depois o “Consumidor Escolha”, que valoriza a diversidade de opções de consumo, o “Consumidor Explorador”, que aprecia a novidade no consumo, o “Consumidor Comunicação”, que valoriza o consumo enquanto representação do seu estilo de vida e, por fim, aquele que tem menor destaque, o “Consumidor Hedonista, que valoriza o consumo enquanto fonte de prazer”. Os investigadores fazem a comparação com a edição anterior do inquérito que mostra que o principal perfil de consumo manifesto em 2016, o “Constrangido”, se mantém como predominante entre os portugueses.
A procura de produtos em promoção e lojas de descontos ou visitar espaços de vendas ou trocas de produtos em segunda mão são hábitos que vieram da crise e se mantêm, assim como a produção dos próprios bens e serviços, como plantar uma horta, reparar bens ou efectuar serviços sem ter de incorrer em mais despesas. Constata-se, assim, um consumidor que busca poupança face a recursos económicos escassos, mas também com uma forma diferente de olhar o consumo, mais atenta às implicações éticas e à necessidade de reduzir consumos excessivos e desperdícios (apesar de este último estar associado a um grupo com mais rendimentos ou com um nível de escolaridade mais elevado).
Face a estes resultados, os investigadores deste Inquérito referem que “toda a política de sustentabilidade, seja pública, seja privada, tem assim de partir do reconhecimento de que, em termos psicológicos, a crise é um quadro instalado, sobretudo, para as camadas sociais mais baixas e menos escolarizadas. A crise não só ainda não acabou, como parece ser agora que está a instalar consequências profundas. O facto está visível na ordem das prioridades e nos perfis de consumidores, onde se destacam o “consumidor constrangido” e o “consumidor suficiência”, e onde emerge o consumidor “ético” e o “prosumidor”. Temos, assim, um grupo social vasto que se relaciona com o consumo em termos de grande prudência; e temos também um outro grupo social, este mais jovem e mais escolarizado, que tende a relacionar-se com o consumo de forma mais ética”.