O serviço público de abastecimento de água perde anualmente cerca de 184 milhões de metros cúbicos de água e a grande maioria, 162 milhões, diz respeito à rede do setor em baixa (abastecimento ao consumidor final). Esta é uma das principais conclusões do volume 1 do Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal (RASARP 2023), recentemente publicado pela entidade reguladora do setor, a ERSAR.

De acordo com o documento, 27,1% da água que entra nas redes de abastecimento portuguesas é desperdiçada com roturas, avarias e desvios, enquanto o setor em alta (que faz a ligação às entidades gestoras) perde cerca de 5%. Embora o indicador de “Água não faturada” (que mede as perdas na rede de abastecimento) tenha o valor mais baixo dos últimos cinco anos, o relatório sublinha “a necessidade de se investir na alteração de procedimentos de faturação e na redução de perdas físicas de água” e lembra que esta realidade traduz-se “em gastos desnecessários que as entidades gestoras em baixa têm de suportar com a compra de água às entidades gestoras em alta, e que por sua vez são repercutidos nas tarifas cobradas ao utilizador final”. Na prática, significa que os municípios acabaram por ter custos acrescidos de 83 milhões de euros em água comprada ao grupo Águas de Portugal.

Além isso, no setor em baixa, “a maioria das entidades gestoras opera redes envelhecidas” e não faz a devida reabilitação das condutas, diz o relatório, que apresenta dados de 2022. De acordo com a ERSAR, o investimento regista “valores de 0,2 %/ano no serviço em alta e 0,6 %/ano no serviço em baixa, constituindo um indicador com um dos piores resultados, em anos sucessivos, colocando em risco o seu desempenho estrutural, hidráulico, operacional e de qualidade da água”. Ainda assim, afirma que “a água na torneira dos consumidores em Portugal é de qualidade e segura”.

A ERSR alerta, no entanto, que embora 96% do país já tenha acesso ao serviço de abastecimento de água, ainda há uma percentagem considerável (11,2%) que utiliza origens de água alternativas, como furos, poços e outros. E isso, acrescenta, “levanta não apenas questões de saúde pública, mas também ambientais e de sustentabilidade do serviço”.

Águas residuais e resíduos urbanos

O RARSARP 2023 apresenta também um diagnóstico da gestão das águas residuais em Portugal e, nesse domínio, faz “uma avaliação boa para a cobertura do serviço em baixa”, que conta já com 87% (mais 1% que no ano anterior). Ainda assim, sublinha que “a adesão ao serviço por rede fixa, apesar de apresentar uma variação favorável desde 2018, mantém-se insatisfatória (89,6 %), devendo ser promovida a ligação efetiva dos utilizadores prevista nos contratos e na lei”.

Insatisfatória é também a ocorrência de inundações na gestão de águas residuais, tanto no serviço em alta (10,2%) como em baixa (4,67%), pelo que devem “ser implementadas medidas preventivas de manutenção e de reabilitação de coletores pelas entidades gestoras”. O trabalho da ERSAR refere ainda que são poucos os sistemas que produzem águas residuais para reutilização e que o serviço em baixa deve melhorar a cobertura dos gastos, apesar da evolução positiva dos últimos anos.

Relativamente ao serviço de gestão de resíduos urbanos, o relatório dá conta de uma evolução positiva na cobertura do serviço de recolha seletiva pelo utilizador final. Já a lavagem de contentores de recolha indiferenciada tem “avaliação mediana”, ainda que com muito melhores resultados nas entidades gestoras em baixa. Este trabalho analisou ainda os níveis de emissões de gases com efeito de estufa produzidos pela recolha indiferenciada e seletiva e classificou como insatisfatórios os resultados alcançados nas áreas rurais. Para a ERSAR, é necessária “uma maior otimização de circuitos de recolha e/ou no ajustamento das frequências de recolha à produção de resíduos”.

Municípios não escapam aos prejuízos

Por fim, o regulador faz as contas aos resultados líquidos agregados das entidades gestoras do setor das águas e resíduos, contabilizando um lucro de 7.9 milhões. No entanto, este deve-se sobretudo aos 95,1 milhões de euros de lucro na prestação de serviços em alta, já que o setor em baixa registou um prejuízo de 87,2 milhões de euros.

O relatório sublinha, por isso, que “em 2022, a maioria das entidades gestoras que não recupera os custos com a prestação dos serviços de águas e resíduos opera em regime de gestão direta (serviços municipais, municipalizados e associações de municípios), sendo mais evidente nos serviços em baixa e no setor dos resíduos”.

Fotografia de destaque: © Shutterstock