A instabilidade dos preços e o impacto da subida geral dos custos trouxe dificuldades e desafios redobrados às empresas, em particular no sector industrial. Mas, poderá o actual cenário colocar em causa o investimento em práticas inovadoras e sustentáveis? Procurámos a resposta junto de António Guerra, partner da Expense Reduction Analysts e especialista em reorganização de empresas e melhorias de eficiência.
Como aumentar a competitividade sem subir encargos, quais as melhores soluções e que desafios irão enfrentar as empresas no futuro são outros temas em análise nesta entrevista.
A actual crise económica, associada à instabilidade mundial, veio desviar a atenção e as preocupações das empresas para com a urgência climática, a ponto de tornarem este tema menos prioritário?
Algumas empresas, principalmente no sector industrial em Portugal, estão em modo sobrevivência devido à instabilidade de preços, interrupções nas cadeias de abastecimento e redução da procura. Contudo, os gestores e, principalmente, os accionistas, estão muito cientes de que o público em geral está atento à sua actividade – há mais transparência, estando a informação disponível à distância de um clique. Por causa da potencial perda de clientes, e das penalizações associadas ao não cumprimento da legislação, a generalidade das empresas não arrisca despriorizar a Sustentabilidade. Além disto, está demonstrado que, na grande maioria dos casos, produzir de uma forma ambientalmente mais responsável constitui um factor de competitividade.

Como podem as empresas adoptar práticas inovadoras e sustentáveis, mantendo-se competitivas e sem sobrecarregarem encargos? Quais as melhores soluções?
Se as empresas tiverem a preocupação de reduzir as perdas ao longo do processo de fabrico, optimizarem os circuitos de compras de matérias-primas e subsidiárias, reduzirem a aquisição de combustíveis fósseis utilizando fontes renováveis de energia, e adoptarem fornecedores com uma pegada de carbono menor, tornam-se seguramente mais competitivas, sem aumentarem os encargos. A Expense Reduction Analysts pode ajudá-las em todo este processo e nas várias componentes mencionadas. Um exemplo prático: se uma empresa com uma frota muito grande de automóveis e camiões (para transporte de matéria-prima e produto final) apostar na compra de veículos híbridos para os que fazem distâncias curtas e 100% eléctricos para os que fazem entre 100 e 500 quilómetros por dia, além de ter uma vantagem fiscal na aquisição das viaturas, tem custos de utilização muito menores. A mesma coisa se aplica a quem queira investir em painéis solares e no hidrogénio verde: ficam muito menos dependentes das flutuações do mercado e têm uma percentagem de até 35% de autoprodução a um custo muitíssimo mais baixo.
Que vantagens e dificuldades acarretam para as empresas uma adopção de modelos e processos mais sustentáveis?
Uma das principais vantagens é que, ao reduzir o desperdício, reduz-se a quantidade de matérias-primas que é preciso adquirir, a energia necessária para produzir, bem como o tratamento e deposição do desperdício. Isto conduz a uma maior rentabilidade para os accionistas e competitividade no mercado, porque a produção fica mais barata. Ao obterem bons resultados, as empresas divulgam as suas práticas ambientalmente correctas, nem que seja entre o seu universo de trabalhadores, que depois espalham a palavra nos seus círculos mais íntimos. Cria-se, assim, um microcosmos que acaba por criar tracção e ajudar a ganhar novos mercados, uma vez que quem está mais interessado neste tipo de produção é a faixa etária entre os 18 e 40 anos, que é um universo enorme de gente.
Já as maiores dificuldades prendem-se, essencialmente, com a necessidade de investimento em mudanças tecnológicas, comprar diferente – mais ‘green’, que é mais caro, mas tem mais vantagens competitivas – e mudar as mentalidades das organizações – que, pela minha experiência, observo que é o mais difícil, pois há uma distância entre o dizer-se ambientalista e efectivamente ser-se, na prática.
Quais os principais desafios que as empresas enfrentam neste contexto? E, para o futuro, que outros poderão surgir?
Os principais desafios actuais são a falta de liquidez, a redução da procura, a instabilidade de preços e a inflação, a perda de clientes, e a mudança dos países fornecedores de matéria-prima. Todas as empresas, principalmente as do sector industrial, sentem-nos. O sector dos serviços tem outros desafios ainda, como o facto de os combustíveis e transportes estarem mais caros. Isto conduz a algum nervosismo e, nalguns casos, a falta de sensatez nas tomadas de decisões. Quanto mais pequena for a organização, tipicamente menor é o tempo e equipa envolvida na decisão. O contexto não é fácil, e agrava o facto de Portugal não ser um país “amigo” das empresas.
Outro desafio para os negócios é a existência de uma profusão enorme de legislação europeia neste âmbito que implica atenção permanente, com a agravante das metas estarem a ficar cada vez mais apertadas, dando cada vez menos tempo às organizações para se adaptarem. Por exemplo, a venda de carros com motor a combustão era suposto ser proibida em 2035, e passou em 2020 para 2030, e há países na União Europeia que pretendem fixar essa meta em 2025. Assim, a capacidade de adaptação da indústria automóvel é muito menor. Por último, as empresas europeias enfrentam, neste momento, concorrência desleal de homólogas no Extremo Oriente e da América do Sul. A União Europeia tem feito pouco por isso: exige muito da produção interna, mas aceita a importação que não cumpre com nenhuma ou poucas normas ambientais.
No futuro, o maior desafio das empresas será a adaptação à electrificação da economia: tudo está cada vez mais eléctrico e isso pode causar uma grande subida do preço da energia. Outro grande desafio é a falta de mão-de-obra qualificada no Ocidente e em Portugal, com muitos jovens a quererem imigrar depois do país ter investido tanto na sua formação, mas não ter criado condições, nomeadamente fiscais, para os reter. A falta de atractividade – transversal a todos os sectores – é enorme, não permitindo que a massa cinzenta que pode fazer o nosso tecido empresarial avançar, fique cá.
Que importância assume o envolvimento dos funcionários das empresas e as dinâmicas internas neste processo de mudança?
Uma organização para se tornar mais ‘verde’ precisa necessariamente de envolver toda a sua equipa, top to bottom. Para isso ocorrer num espaço de dois ou três anos, implica um investimento em formação humana muito grande no sector do Ambiente para se saber as implicações da Sustentabilidade nos processos, nomeadamente através da contratação de especialistas externos para se darem muitas ações de formação. Isto não entra à primeira, havendo resistência das pessoas em fazer diferente daquilo a que estão habituadas, mesmo que se considerem ambientalistas: é a tal mudança de mentalidades que é necessária, mas que representa um enorme desafio.