No segundo país mais envelhecido da União Europeia, as cidades querem acertar o passo face aos desafios da longevidade. Enquanto combatem o isolamento social, tentam dar resposta a uma nova geração de idosos, cada vez mais ativa e interventiva. Municípios procuram ser inclusivos e solidários, acrescentando mais anos à vida e mais vida aos anos.

Nem precisa de despertador para se levantar todos os dias, religiosamente, às cinco da manhã. Aos 79 anos, Joaquim dos Santos é quase sempre o primeiro da vizinhança a sair à rua e a dar os bons dias ao bairro Dona Leonor, na freguesia lisboeta de São Domingos de Benfica, onde vive há mais de três décadas e meia. Ninguém lhe pediu, mas faz questão de arrumar bem cedo os caixotes do lixo do prédio e conferir se está tudo em ordem nas redondezas, ou não tivesse sido ele fiscal da câmara durante mais de meia vida. Depois, vai até ao clube do bairro para dois dedos de conversa com os amigos ou chama-os para a porta de casa que, tantas vezes, serve de ponto de encontro aos mais velhos. “Olhe, ainda ontem isto aqui estava cheio de rapaziada, um a beber ginja, outro a beber Favaios, outro com cerveja, tudo aqui comigo na paródia e na conversa”, conta à Smart Cities. 

Energia não lhe falta. Nos tempos de juventude, libertava-a nos ringues (chegou a ser campeão de boxe no Benfica) e hoje catalisa-a para “as coisas boas da vida”. Se não for a mobilizar os vizinhos, há de ser a trabalhar na horta que tem no quintal, de volta das favas e dos chuchus, ou a passear na Costa de Caparica com a mulher. “Eu quero andar, viajar, ver, fazer alguma coisa. Para mim, isto é que é viver. Tudo isto faz o coração bater e o cérebro trabalhar”, diz o quase octogenário. A idade não o assusta, mas, quando olha à volta, dá conta dos “muitos problemas e dificuldades que os mais velhos passam” no bairro. Afinal, por ali “todos se queixam da insegurança, alguns “não têm força ou ânimo para se levantar do sofá e passam o tempo a ver televisão” e até há uma vizinha em risco de ser despejada porque o filho vendeu a casa e, agora, o comprador diz que vai precisar dela. É a outra face do envelhecimento, mais dura, numa realidade tantas vezes repetida em outras cidades.

Aos 79 anos, o ex-campeão de boxe Joaquim Santos continua a dar luta ao envelhecimento

Joaquim sabe bem que se, por um lado, existe uma nova geração de idosos, como ele, mais ativos, exigentes e interventivos na sociedade, também há outros que têm de enfrentar o isolamento, a exclusão, os problemas de saúde, os efeitos da pobreza energética e as consequências da gentrificação. Mas não imaginava que, somando uns e outros, Portugal tem quase 2,5 milhões de idosos e que, destes, 552 mil vivem sozinhos, enquanto mais de 400 mil estão em risco de pobreza, segundo dados Pordata. Considerando o índice de envelhecimento, que compara a população idosa (65 ou mais anos) com a população jovem (dos 0 aos 14 anos), o nosso país é mesmo o segundo mais envelhecido da União Europeia (com 185,6 idosos por cada 100 jovens, segundo o INE; 2022), logo depois de Itália. É certo que a esperança média de vida está a aumentar, mas os níveis de saúde e qualidade de vida não têm crescido ao mesmo ritmo, como alerta Nuno Marques, cardiologista e diretor do Centro de Competências do Envelhecimento Ativo (CCEA): “Embora vivamos o mesmo número de anos, em média, que outros países europeus, a verdade é que temos uma menor qualidade de vida nos últimos anos das pessoas, tornando-nos menos saudáveis, ativos e independentes que nos outros países. E isso é muito preocupante”.

Este diagnóstico acabou por ser um dos principais focos do Plano de Ação para o Envelhecimento Ativo e Saudável (2020-2023), a nova estratégia nacional para o setor, que o especialista coordenou. O documento apresenta 83 medidas e 135 atividades para os próximos três anos e funciona como um puzzle que junta as várias peças de diferentes áreas governativas, tendo em conta um objetivo principal: promover a saúde, o bem-estar e a autonomia dos idosos.  
Entre as muitas ações previstas, o responsável destaca, por exemplo, a criação de mais apoios no domicílio, “para que as pessoas possam ficar em casa, a usufruir da comunidade onde sempre estiveram inseridas, em vez de serem institucionalizadas” e o aumento da acessibilidade, “seja nos transportes, com a eliminação de barreiras ou com a melhoria das plataformas tecnológicas”, mas também através de programas de proximidade e habitação acessível. A estas, acrescenta ainda o mapeamento de todos os lares de idosos do país, uma nova linha telefónica 60+ ou o projeto Radar Social, destinado a fazer um levantamento nacional dos casos de vulnerabilidade. Isto, sem esquecer o empoderamento dos seniores, “que lhes permita ter uma intervenção ativa na sociedade e dizer o que realmente querem para ela”. Chegou o tempo de dar mais voz aos idosos.  

Envelhecer nas cidades: o desafio dos municípios

Sabendo que as cidades deverão ser a casa de mais de 43% dos idosos em todo o mundo até ao ano de 2050, segundo a OCDE, com que papel ficam os municípios na transição para a longevidade? Para José Carlos Mota, investigador e professor do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Territoriais da Universidade de Aveiro, a primeira missão é ajudar a combater o isolamento social, “um flagelo intimamente associado ao envelhecimento”. Para tal, defende que podem atuar a vários níveis, “acorrendo às emergências de quem está mais fragilizado e mapeando os locais e as pessoas mais necessitadas, bem como promovendo a participação dos idosos na comunidade e a própria intergeracionalidade, porque as bolhas etárias e sociais são cada vez maiores no nosso país”.

Também Nuno Marques defende que os municípios são um elemento-chave para a identificação e resolução de problemas, “tornando-se muitos deles um exemplo de boas práticas de aproximação às pessoas, seja com diversas atividades, em medidas de apoio à população ou intervindo no espaço público”. Um desses bons exemplos é Loulé, diz o especialista, cidade a partir da qual coordena o Plano de Ação para o Envelhecimento Ativo e Saudável e que, acrescenta, “será o grande centro de decisão política do setor”. De facto, no concelho algarvio está a nascer um verdadeiro ecossistema ligado ao envelhecimento ativo, que junta o Centro de Competências, o Observatório para o Envelhecimento Ativo e a futura sede do Algarve Active Ageing. Para o presidente da câmara de Loulé, Vítor Aleixo, este protagonismo é resultado de uma política integrada que começou com a ligação à academia, nomeadamente ao Algarve Biomedical Center, e ganhou raízes através de diversos projetos, “como o A3Core [um programa de exercício personalizado para a população] ou com a adesão ao projeto abem, que oferece medicação crónica aos idosos, além do apoio a uma fortíssima rede de academias sénior”. Em fase de implementação está também um programa de cobertura digital que faz a gestão e o acompanhamento dos idosos em situação de isolamento no concelho. “Um feliz casamento entre as polícias sociais da câmara e as novas tecnologias, que permite aos mais velhos, através de uma linha dedicada, contactar e pedir ajuda à IPPS de referência da sua área”, acrescenta o autarca.

Loulé é considerado uma referência em matéria de envelhecimento ativo e saudável.

Em Lisboa, uma das capitais mais envelhecidas da União Europeia, os desafios têm uma escala bem maior. De acordo com os Censos de 2021, a cidade soma cerca de 127 mil idosos, o que corresponde a 23% da população e, pior ainda, poderá vir a duplicar este número até ao final do século. Perante tal realidade, o município tem atacado em várias frentes, mas o programa “Lisboa, Cidade com Vida Para Todas as Idades assume-se com a resposta mais transversal, desde logo porque envolve diferentes entidades, como a Câmara Municipal, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), a PSP, a Administração Regional de Saúde, a Segurança Social e a Universidade Nova. Juntas, dão corpo a “uma parceria colaborativa que promove ações de cidadania e de coesão social com vista a uma cidade mais amiga das pessoas idosas, assente em três eixos fundamentais: a vida ativa, a vida autónoma e a vida apoiada”, explica Mário Rui André, diretor da Unidade de Missão da SCML para este programa. De acordo com o responsável, esta visão estratégica tem produzido vários resultados, com destaque para o Projeto Radar, que coloca equipas no terreno para identificarem a população sénior e detetarem situações de isolamento, solidão não desejada e vulnerabilidade social. Para ele, o trabalho desenvolvido pelo programa prepara-se para dar mais um salto qualitativo, graças à criação do Centro Local de Informação e Coordenação de Lisboa (o CLIC-LX) que, além de “funcionar com um espaço de encontro para todos os parceiros, vai também ser um repositório de conhecimento que ajude as pessoas a encontrarem soluções para as suas necessidades”.

Considerada uma das cidades mundiais mais amigas dos idosos pela Organização Mundial de Saúde, o Porto procura fazer jus ao estatuto atribuído desde 2010 pela Rede Mundial das Cidades Amigas das Pessoas Idosas, que integra atualmente 1400 municípios de 51 países. Para isso, apresentou no final do ano passado o Plano de Ação “Porto Cidade Amiga das Pessoas Idosas(2023-2025), um trabalho que envolveu 70 entidades da rede social da cidade e resultou em mais de 80 ações e projetos. Para o vereador da Coesão Social na Câmara Municipal do Porto, Fernando Paulo, “não se trata de um mero plano de intenções ou de um amontoar de projetos, mas de um plano efetivo com respostas concretas para as necessidades da população sénior”. Entre as várias medidas e ações, destaca, por exemplo, “a criação de uma comissão municipal para sinalizar idosos em isolamento e exclusão”, mas também uma série de programas, como o Aconchego “em que os idosos acolhem jovens em casa e, em troca, recebem afetos e companhia”; O Porto Importa, “que consegue acompanhar cerca de 2 mil idosos de bairros sociais da cidade”; ou O Porto é Lindo, “com mais de 22 roteiros turísticos para maiores de 65, dando a conhecer o património da cidade e, acima de tudo, permitindo o convívio e a sociabilização”.

Que cidades vamos deixar aos mais velhos?

Para muitos especialistas, o futuro da velhice será urbano. Para outros, as próximas décadas vão assistir a um êxodo das cidades, com muitos idosos a regressarem às raízes, fruto de fenómenos como a gentrificação, mas também em busca de um final de vida mais tranquilo. E neste caso, há quem aponte as comunidades ou aldeias seniores como uma tendência de futuro. Já o presidente da câmara de Loulé, território de contrastes que junta um interior envelhecido e de baixa densidade a uma faixa litoral mais povoada, as duas realidades até poderão acontecer em simultâneo. “Não tem de haver um único caminho porque as motivações podem ser diferentes e, em ambos os casos, o importante é valorizar o papel dos idosos, seja em contexto urbano ou de aldeia, por isso o grande desafio até poderá passar por haver mais campo na cidade e mais cidade no campo”, comenta Vítor Aleixo.

O envelhecimento da população é o principal desafio das cidades, diz um estudo da EC2U

Por sua vez, José Carlos Mota lembra as diferenças entre o envelhecimento rural e urbano, mas defende que, em qualquer dos casos, o combate ao isolamento é fundamental. E até deixa uma sugestão: “Porque não reinventar as Casas do Povo que havia nas aldeias e cidades do nosso país? Temos de criar novas casas comunitárias, onde os vizinhos e as pessoas se possam encontrar, conversar, fazer coisas em conjunto e sentirem-se úteis em qualquer idade”.

Nuno Marques acredita que o futuro dos idosos não será necessariamente urbano e lembra que a pandemia, associada às novas competências digitais, mostrou que é possível viver longe das grandes cidades. O especialista lembra também as oportunidades que a longevidade traz, independentemente do local onde acontece. “Não nos devemos esquecer que um terço dos rendimentos em Portugal já são de pessoas com idades mais avançadas, e isso vai aumentar ainda mais. Isto cria uma janela de oportunidade para a economia e as empresas que, mais cedo ou mais tarde, terão de responder às novas exigências e necessidades dos idosos, conclui”. Afinal, como disse Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, “o envelhecer não é um problema, mas uma conquista da Humanidade”.

 

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 43 da Smart Cities – janeiro/fevereiro/março 2024, aqui com as devidas adaptações.