Com mais de oito séculos de história, Moscovo está hoje com um pé no futuro. Desde 2011, a transformação é, essencialmente, digital, mas está também a acontecer nas ruas, com o intuito de tornar Moscovo numa cidade onde valha a pena viver.

A poucos meses de receber o campeonato do mundo de futebol, Moscovo quer afirmar o seu lugar como uma megacidade inteligente. Numa estratégia que arrancou em 2011, a capital russa, que celebrou, em 2017, o seu 870º aniversário, tem em marcha uma profunda transformação digital. “A cidade como serviço, o cidadão como cliente” é uma das máximas que está na base da ambição moscovita, mas não só. Desde 2014, um projecto de renovação urbana está a mudar a “aparência” da cidade, com mais praças e espaços verdes, reduzindo o espaço para o automóvel e aumentando as zonas pedonais, com o objectivo de tornar Moscovo mais confortável para quem lá vive.

Quando se fala de Moscovo, todos os números são impressionantes. Com mais de 12,5 milhões de pessoas, a cidade está entre as maiores da Europa. Se tivermos em conta a área metropolitana de Moscovo, o número de habitantes sobe para os 20 milhões (cerca de 14% da população russa), responsáveis por 26% do PIB do país. Assegurando o funcionamento de mais de 2000 serviços públicos, a máquina administrativa da cidade não tem tarefa fácil e, quando a equipa do actual mayor, Sergei Sobyanin, tomou posse, em 2010, apercebeu-se de que “não havia controlo” sobre a cidade. “Havia tantas instituições públicas, tantas infra-estruturas governamentais, que nem o mayor sabia o que estava a acontecer”, revela Eldar Tuzmukhametov, coordenador do Smart City Lab do Departamento de IT moscovita. “Rapidamente nos apercebemos de que uma boa parte do dinheiro estava a ser gasta de forma pouco eficiente, não sabíamos o que os cidadãos pensavam sobre o que acontecia na cidade, do que precisavam ou o que queriam”. Para além disso, recorda, o governo era muito lento e, por exemplo, a passagem de um documento oficial de um departamento governamental para outro levava cinco dias. “Era inaceitável”, exclama.

Foi desta “confusão” que Moscovo viu nascer a sua estratégia “smart city” com três missões muito específicas. “A primeira é tornar a vida dos cidadãos melhor, mais barata e mais rápida, ou seja, criar serviços eficientes. Mas, para os criar, precisamos de ter uma governação efectiva, que é a segunda parte do programa, e a terceira é dotar a cidade da infra-estrutura”, explica Andrey Belozerov, senior advisor de Estratégia e Inovação do Chief Innovation Officer (CIO) de Moscovo.

Desde então, a cidade não perdeu o foco e, de acordo com o índice da PwC, encontra-se hoje no top 5 das cidades mais aptas à implementação de tecnologias do futuro. Mais: a centralização do sistema de gestão da administração pública e a respectiva digitalização dos serviços públicos colocaram Moscovo entre as finalistas dos prémios World Smart City Awards 2016.

“A primeira [missão] é tornar a vida dos cidadãos melhor, mais barata e mais rápida, ou seja, criar serviços eficientes. Mas, para os criar, precisamos de ter uma governação efectiva, que é a segunda parte do programa, e a terceira é dotar a cidade da infra-estrutura”.

Andrey Belozerov

senior advisor de Estratégia e Inovação do Chief Innovation Officer (CIO) , Moscovo

O futuro está na educação

Moscovo quer ser “uma cidade pioneira em diversas esferas”, mas há uma área que recebe especial atenção: a educação. “É, provavelmente, o investimento mais eficaz”, diz Belozerov. Moscovo tem cerca de duas mil escolas públicas, com 1,6 milhões de alunos. O primeiro passo foi a ligação de todos estes equipamentos à rede de banda larga e a criação de um diário digital electrónico, que serve (e conecta) professores, alunos e encarregados de educação. Para além disso, o município lançou o projecto de e-learning Escola On-line, que junta numa plataforma na cloud 800 mil alunos, 65 mil professores e 750 escolas. Até ao final deste ano, as expectativas são de que todas as escolas integrem a iniciativa e estimando-se, ainda, um investimento de 300 milhões de dólares num upgrade das infra-estruturas tecnológicas dos locais de ensino, por exemplo com a instalação de quadros interactivos ou dispositivos de realidade virtual. Para o executivo municipal, a razão para a aposta é óbvia: “Trata-se da próxima geração de moscovitas, de especialistas para o governo e para todas as outras áreas”, refere Tuzmukhametov.

A par da educação, também os serviços de saúde da cidade passaram, desde 2012, a estar digitalizados. Mais importante do que a possibilidade de fazer marcações on-line e da integração dos registos médicos electrónicos com os diferentes serviços, é o facto de este processo agilizar o planeamento dos serviços médicos da cidade. “Antes da implementação deste sistema, a fila de espera era de duas semanas nalguns distritos da cidade, enquanto noutros não havia ninguém. Tendo um sistema destes e este mecanismo de planeamento, podemos equilibrar o número de médicos para toda a cidade”, relata Belozerov, “hoje, o tempo de espera por uma consulta é inferior a dois dias para pediatria e três para adultos”.

Quem paga?

330 quilómetros com cobertura Wi-Fi na rede do metro, 2500 hotspots gratuitos, 160 mil câmaras de videovigilância instaladas. Onde arranjou Moscovo financiamento para tudo isto? Foi preciso criatividade, confessam os responsáveis. “Tivemos de inventar novos modelos de cooperação com as empresas e isso foi difícil, embora, para estas empresas, seja sempre interessante ter um parceiro como o governo, que tem dinheiro, é estável e faz o que promete”, diz Tuzmukhametov. A tarefa foi bem sucedida e, dos 600 milhões de dólares do orçamento para IT, 450 milhões vieram de empresas privadas.

Entre as soluções encontradas, destaca-se o programa de videovigilância, no qual se adoptou um modelo de parceria público-privada, com base num contrato único de serviços, no qual o investimento, a instalação e manutenção das 160 mil câmaras estão ao cargo de uma empresa de telecomunicações, que, por sua vez, utiliza as mesmas infra-estruturas para diferentes funções.

Também para a cobertura Wi-Fi da cidade, a solução foi original, com as empresas a avançarem com a infra-estrutura e a receberem o retorno através da publicidade mostrada antes da conexão. “Os operadores ficaram surpreendidos com a quantidade de dinheiro que fizeram, só no metro temos mais de 10 milhões de passageiros diários que se ligam à rede”, exclama, admitindo que a cidade está também a explorar soluções semelhantes para a instalação de contadores inteligentes nos edifícios.

Falar de dados é também levantar questões de privacidade e Moscovo não é excepção. “Foi uma questão muito falado no início e não é exclusiva de Moscovo. Por um lado, as pessoas querem viver numa cidade segura e limpa, mas, por outro, alguém diz que é o Big Brother. A solução é mostrarmos que isto é uma ferramenta não só para a cidade, mas também para o cidadão”, argumenta Belozerov.

Do digital para as ruas

Apesar de todo o hype à volta das novas tecnologias, em Moscovo, as transformações não são apenas no foro digital. Desde 2014, o programa My Street está a mudar o centro da cidade, de forma a fazer de Moscovo “uma cidade conveniente para viver”. Para isso, estão pensados mais parques, mais árvores, mais zonas pedestres, mais mobiliário urbano, substituição de pavimentos, melhoria da iluminação – medidas que buscam inspiração nos “conceitos contemporâneos de desenvolvimento urbano que dão prioridade aos residentes”, explica o sítio on-line de Moscovo, que não se inibe de lhe chamar “o maior” projecto de renovação urbana do mundo. Com um investimento inicial na ordem dos 1,6 mil milhões de dólares, estava previsto que o My Street estivesse concluído em 2018, mas a câmara municipal alargou a sua execução até 2020, havendo também, segundo o jornal Moscow Times, indicação de uma derrapagem no orçamento inicial. Ainda assim, a transformação já é visível, com cerca de 233 ruas renovadas, sendo a maioria no centro de Moscovo.

No âmbito do My Street, para identificar as áreas de conflito e perceber o que era preciso fazer, a cidade recorreu a uma equipa de especialistas que, através de Big Data e modelação de dados, analisou parâmetros de densidade populacional, tráfego de veículos e circulação pedestre e eficiência das rotas de transportes públicos. “Usando este sistema, construímos um novo modelo virtual da cidade e avançámos com o projecto. Redesenhámos todos os acessos para carros no centro, que passaram a ter só duas vias em vez de três, eliminámos os pontos de estrangulamento e implementámos zonas de estacionamento pago”, relata Tuzmukhametov. Ao mesmo tempo e para compensar algum desagrado inicial dos cidadãos para com estas medidas, a cidade reforçou a aposta nos transportes públicos, com a aquisição de novos autocarros – para Março, a câmara municipal já anunciou a chegada de 588 veículos e 20 trams –, a implementação de 400 novos abrigos nas paragens, agora com Wi-Fi e pontos de carregamento USB. Qual foi o resultado? “As pessoas começaram a gostar mais de andar de transporte público”, conta o responsável.

A iniciativa inclui ainda a reabilitação de 2417 edifícios históricos, a instalação de mais de 11 mil semáforos inteligentes e a plantação de cerca de 12 788 novas árvores. Os ciclistas moscovitas passaram também a ter 20 quilómetros de ciclovias adicionais nesta zona da cidade. Segundo o município, as intervenções resultaram num aumento de 10 % da velocidade de circulação e em 25 % da capacidade, através de um sistema inteligente de transporte, e já o número de pessoas a andar no centro aumentou 70%. De forma geral, o My Street aumentou as zonas pedonais existentes em até 200%.

Cidadão é um cliente

Na agenda futura, o Smart City Lab de Moscovo tem prevista a integração das várias aplicações de serviços públicos numa só, mas há mais novidades. Outro dos objectivos é que os moscovitas comecem a ter soluções para as suas necessidades com a devida antecedência, numa espécie de prestação automática de serviços públicos. “Por exemplo, quando as crianças estão a um ano de entrar na escola, o sistema alerta os pais, informando-os sobre quais as opções de escolas na área de residência e, com apenas um clique, podem inscrever o seu filho na que mais lhes convém”, ilustra.

Tornar o serviço público mais fluente para a cidade e mais confortável para o cidadão é o propósito da estratégia, que, para o responsável, encontra paralelismo com o que acontece com as grandes empresas, como a Google ou o Facebook. “Todas estão a tentar melhorar os seus interfaces com o utilizador e as cidades raramente fazem isso. As cidades são uma trapalhada, mas o cidadão é um cliente e é por isso que pensamos que um bom governo deve fornecer serviços a um cliente”, argumenta Tuzmukhametov.

E será que os moscovitas sentem que vivem numa “smart city”? “Honestamente, demora sempre tempo para que as pessoas se apercebam das mudanças e, quando isso acontece, já ninguém se lembra como era antes. Por isso, estão sempre a pressionar-nos para fazermos mais qualquer coisa”, reconhece, confessando que nem sempre as decisões necessárias são as mais populares. “Bem, é o papel do governo e as pessoas não o devem adorar sempre e em todas as decisões. Por vezes, é preciso tomar a responsabilidade de fazer algo impopular, mas, depois do qual, as pessoas vão esquecer a parte menos boa e apreciar o resultado”.

Uma das intervenções feitas no âmbito do My Street (antes e depois).

“As cidades são uma trapalhada, mas o cidadão é um cliente e é por isso que pensamos que um bom governo deve fornecer serviços a um cliente”.

Eldar Tuzmukhametov

coordenador do Smart City Lab do Departamento de IT , Moscovo

Uma plataforma para o cidadão

Lançado há três anos, o portal “Active Citizen” tem sido uma importante ferramenta para a participação cívica em Moscovo, tendo já ajudado a escolher, por exemplo, qual o nome do novo comboio, da nova linha de metro ou qual a cor dos novos bancos do estádio Luzhniki, onde terá lugar o jogo de abertura do campeonato do mundo. Uma das decisões mais importantes colocadas ao escrutínio dos moscovitas teve a ver com as mudanças previstas no programa de renovação urbana My Street, nomeadamente quais as ruas que iriam ser intervencionadas, que árvores plantar, que materiais utilizar ou qual a nova rota de autocarro.

De modo a cativar a participação dos cidadãos, a cidade utiliza uma estratégia de gamificação. Isto é, quem votar recebe pontos que podem, depois, ser transferidos, por exemplo, para bilhetes de transportes, museus, corridas de cavalo ou ainda tempo de estacionamento automóvel. Com dois milhões de utilizadores registados, desde o seu lançamento, em 2014, o portal recolheu já 88 milhões de opiniões. Recentemente, o executivo municipal anunciou o lançamento de um projecto piloto para a implementação de um mecanismo blockchain no programa de e-voting. A decisão surge em resposta às dúvidas sobre a autenticidade dos resultados das votações, que levantaram suspeitas de manipulação. Através da tecnologia blockchain, será possível registar todos os votos, sem a possibilidade de que estes sejam apagados ou alterados.