A fase dos projectos piloto e da gestão individual está, finalmente, a terminar e, em breve, as cidades inteligentes evoluirão para “a gestão integrada e correlacionada”. Quem o diz é Miguel Eiras Antunes, Partner and Public Sector & Transportation, Infrastructures & Services Leader da Deloitte, que, em entrevista à Smart Cities, antecipa as linhas que cosem o futuro da mobilidade urbana.

Que tendências a Deloitte identifica no sector das cidades inteligentes?
Entre as grandes tendências de smart cities para 2018, destacamos a adopção, por parte das cidades ou países, de uma visão estruturada de médio/longo prazo. Esta nova realidade passa pela elaboração de planos estratégicos integrados, os quais incluem a integração, correlação e extracção de sinergias em vários domínios, como a mobilidade, o ambiente, energia, entre outros, ao mesmo tempo que surgem soluções mais robustas e escaláveis. Ou seja, evoluiremos de pilotos e de uma gestão individual destes domínios para uma gestão integrada e correlacionada, colhendo, dessa forma, verdadeiros benefícios de eficácia e eficiência com o proveito final para o cidadão.

Como vê a implementação dessas mudanças na realidade portuguesa?
O número de cidades (e até países) que já implementaram ou estão a avançar com planos integrados para cidades inteligentes aumentou drasticamente no último ano, estando a Deloitte envolvida em mais de uma centena de projectos de transformação digital de cidades em todo o mundo. Portugal não é uma excepção. Temos vindo a concretizar diversos projectos nesta área. E já existem soluções premiadas que atraem a atenção de outras cidades, algumas das quais já estão a ser replicadas lá fora. Por exemplo, soluções desenvolvidas em Cascais, nomeadamente Mobi.Cascais, CityPoints, o FixCascais, são facilmente adaptáveis a 96% das cidades europeias, uma vez que aproximadamente 80% das cidades na Europa têm menos de 200 mil habitantes.

É possível pensar nestas mudanças sem os sistemas e plataformas inteligentes?
Uma smart city não é só tecnologia, mas invariavelmente a tecnologia ajuda a acelerar esta mudança e a que seja mais eficaz. A cidade é o mais complexo organismo criado pelos humanos e, para se tornar inteligente, tem de “aprender”, integrando os diferentes domínios. Assim, a cidade deve usar os sentidos (sensores), aprender com dados recebidos, para, no final, se tornar suficientemente inteligente e passar de uma actuação reactiva para uma actuação proactiva e preventiva de incidentes e problemas. Isto parece muito óbvio, mas, na realidade, falar de um “sistema operativo de uma cidade”, de integração e correlação entre domínios é algo bastante recente, mesmo nas mais avançadas smart cities. Tecnologias como a inteligência artificial e a automação de processos, o reconhecimento de voz natural e processamento, a sensorização (IoT) do meio urbano, realidade aumentada e virtual, etc., são disruptores que apenas, e só, podem criar valor quando este layer básico estiver disponível.

“(…) A adequação da mobilidade da cidade às necessidades dos cidadãos apenas será possível se os operadores de transporte capitalizarem complementaridades entre as suas ofertas. É importante que os sistemas de transportes estejam articulados entre si”.

No caso da mobilidade, a solução terá de passar por uma visão integrada. Está o mercado preparado para disponibilizar essas soluções mais abrangentes?
Cada cidade ou região tem as suas características e não haverá um sistema único que se adapte a todas. Assim, temos de olhar para as grandes tendências, como a crescente utilização de soluções alternativas ao automóvel particular, onde a partilha do meio de transporte assume particular relevância. Nesta transformação, o foco está cada vez mais na experiência e nas necessidades especificas do indivíduo em cada situação, na crescente autonomia dos veículos e na descarbonização dos meios de transportes, dado o enorme impacto que os transportes têm hoje em dia na poluição e qualidade de vida das cidades. Assim sendo, o futuro passa por uma oferta de mobilidade como um serviço (Mobility as a Service-MaaS), disponibilizando soluções flexíveis que integrem diferentes serviços e operadores públicos e privados, interligados por interfaces únicas e sistemas de pagamento transversais. Por debaixo desta oferta, um sistema de mobilidade equilibra a oferta e a procura de transportes entre operadores e regiões, mantendo as necessidades do utilizador como centrais, ou seja, alinhado com drivers como a velocidade, conforto, ecologia, entre outros. Tal exigirá uma coordenação inédita entre entidades privadas, órgãos governamentais e cidadãos para ajudar a garantir a interoperabilidade entre as camadas física, digital e regras de operação.

Como chegamos aí?
Na camada física, os esforços devem concentrar-se em projectar e adaptar as redes de energia e abastecimento, infra-estrutura e modos de transporte, por forma a que sejam interoperáveis sem fricção para o utilizador. Na camada digital, a integração dependerá da disponibilidade e padronização de elementos de dados críticos, que podem ser compartilhados entre os actores participantes, para criar um mercado de transporte que possa fazer o balanceamento de preços e o pagamento aos operadores em tempo real. Finalmente e, talvez, o mais importante, o sistema não pode existir sem protocolos de integração, segurança nas transacções, regulamentos, acordos e outros instrumentos que permitam a governança, o controlo e propriedade de dados eficazes.

As nossas cidades desenvolveram-se privilegiando o uso do automóvel particular. É possível inverter isso?
A mobilidade partilhada é uma tendência incontornável e desempenhará um papel central na mobilidade do futuro – estimamos que, em 2025, mais de 10% dos quilómetros percorridos em automóvel terão subjacentes modelos de mobilidade partilhada. Este movimento da mobilidade partilhada será, cada vez mais, exigido pelo mercado já que, de acordo com as nossas estimativas, o custo por passageiro por quilómetro num veículo partilhado é 32% mais barato do que num automóvel não partilhado. Mas acreditamos que a adequação da mobilidade da cidade às necessidades dos cidadãos apenas será possível se os operadores de transporte capitalizarem complementaridades entre as suas ofertas. É importante que os sistemas de transportes estejam articulados entre si.

Há espaço para o carro particular?
Mesmo numa perspectiva de longo prazo, será difícil tirar da equação da mobilidade o carro particular. A descarbonização da mobilidade implica transformações relevantes nos meios de transporte (frota a combustão vs. frota eléctrica) e, consequentemente, nas respectivas infra-estruturas de suporte (postos de carregamento de energia eléctrica vs. postos de abastecimento de combustíveis). A concretização de uma transição desta natureza requer investimentos de relevo e obriga ao desenvolvimento de novas competências nos players da mobilidade. E criará aos operadores e gestores de infra-estruturas um desafio complexo ao nível da gestão e da eficiência das suas operações, em virtude da coexistência de tecnologias e activos com características tão distintas.

O cidadão é um elemento fundamental numa transição para mobilidade mais sustentável. Como podemos incentivar a mudança nos hábitos de mobilidade dos portugueses?
Elementos como a elevada qualidade do ar e o baixo nível de risco em termos de segurança são factores que levam a que este processo ocorra de forma natural, uma vez que o impacto na qualidade de vida dos cidadãos é um valor por si só. Se o cidadão souber que a poluição provocada pelos transportes deve ser responsável por cerca de 2 000 mortes anuais em Portugal, e dos fortes impactos de um sistema de MaaS no seu orçamento e qualidade de vida, ele será um agente de mudança. Informação boa e factual leva à mudança de actuação. Na realidade, tornámos as cidades num espaço “hostil” para as pessoas que caminham e andam de bicicleta; os carros, essencialmente, venceram. Mas os veículos autónomos podem devolver qualidade de vida à cidade e dar nova independência às pessoas com mobilidade reduzida e idosos.

Como devemos pensar uma estratégia a longo prazo para as smart cities portuguesas?
Nos casos mais avançados, as cidades e os países estão a implementar Centros de Comando, onde os vários domínios são integrados e geridos por um “Sistema Operativo da Cidade”. Nesses Centros de Comando, equipas especializadas cooperam de forma coordenada de maneira a dar uma resposta adequada a emergências e ocorrências. O tratamento de toda a informação recebida poderá proporcionar aos agentes do ecossistema uma correcta tomada de decisão quanto a investimentos e manutenção, ficando com uma percepção mais exacta da satisfação dos cidadãos.

Como pode a Deloitte ajudar?
A Deloitte tem competências e capacidades distintivas que cobrem o ciclo de vida da transformação inteligente das cidades. Com uma vasta experiência, que vai desde a estratégia até à operacionalização dos centros de controlo, prestamos serviços que ajudam as cidades e regiões a responder aos desafios com que se deparam diariamente e a planear o futuro de forma harmoniosa e coerente. Por outras palavras, as cidades inteligentes só se tornarão uma realidade se os diferentes agentes colaborarem, consolidarem parcerias e actuarem de forma integrada.