Por toda a Europa, vilas e cidades de pequena e média dimensão são afectadas pelo declínio dos seus centros históricos. Na tentativa de revitalizar o tecido comercial e combater o aumento do número de lojas vazias, os modelos tradicionais mostram-se ineficazes e é preciso pensar “fora da caixa”. É o que está a acontecer na vila portuguesa de Melgaço, onde o modelo pop-up está a ajudar pequenos empreendedores a dar o pontapé de saída no seu negócio, ao mesmo tempo que ajuda a recuperar a vida local.
Arranjos de costura, bolos e bolinhos, salgados com “sotaque” brasileiro, pequeno artesanato ou montagem de sistemas de caixilharia de janelas. Estes são alguns dos pequenos negócios que encontraram, em Melgaço, uma oportunidade para crescer e que, desde Setembro, têm ajudado a animar as ruas da vila raiana. Tudo acontece por causa da Melgaço tem pop-up!, uma iniciativa no âmbito da rede de transferências Re-GrowCity do programa URBACT, que concedeu a estes empreendedores um espaço comercial, em condições especiais, para que pudessem dar um empurrão às suas actividades.

Eis como funciona: nos primeiros três meses, a renda é gratuita e, nos três seguintes, define-se o pagamento mensal de um valor simbólico, de 1 euro por metro quadrado, ao proprietário; neste período, todos os gastos de consumo ficam, por sua vez, ao cargo do inquilino. Depois disso, se tudo correr bem, as duas partes podem chegar a um acordo e dar continuidade ao arrendamento do espaço em moldes mais convencionais.

O objectivo é combater um problema comum a muitas vilas e cidades europeias: a degradação do tecido comercial aliada ao despovoamento do território. “Não sabemos identificar qual é a causa e qual é o efeito”, mas o resultado são “lojas vazias, ruas sem actividade urbana, sem vida, e todo um conjunto de problemas que daí decorrem”, diz José António Lopes, coordenador do grupo local de trabalho do projecto em Melgaço. Nesta acção do URBACT, juntam-se a ele um grupo de cidadãos “que representam as instituições e forças da vila” e ainda a câmara municipal, “com igual poder de opinar e votar”. “Este é um processo dirigido por cidadãos para cidadãos”, exclama.

A Melgaço tem pop-up! foi buscar inspiração na boa prática da cidade alemã Altena, que é, aliás, a coordenadora desta rede URBACT. Em 2011, Altena começou a implementar medidas para travar a proliferação de lojas vazias no seu centro histórico, no entanto os empreendedores locais mostravam pouco interesse na abordagem proposta, muito devido ao medo de falhar e de não conseguir cumprir com as condições exigidas. A introdução deste modelo pop-up surgiu em 2013 e foi bem recebido quer pelos proprietários das lojas, quer pelos empreendedores locais, agora, mais dispostos a arriscar. Desde então, este esquema tem sido adoptado com sucesso pelo município alemão e, em 2019, passou a ser o mote para a Rede de Transferência URBACT Re-GrowCity, que junta, para além de Melgaço e Altena, mais seis cidades – Manresa (Espanha), Idriji (Eslovenia), Igoumenitsa (Grécia), Isernia (Itália) , Nyirbator (Hungria) e Aluksne (Letónia).

Na vila portuguesa, desde o arranque da iniciativa, em Setembro, oito lojas aderiram à acção: uma serve de “âncora” ao projecto, numa espécie de sede do grupo local de trabalho, e outras seis estão ocupadas com negócios locais, sendo que duas passaram já para a fase seguinte de arrendamento comercial. Todos estes espaços, até então vazios, pertencem a privados, o que exigiu ao grupo coordenado por José António Lopes um esforço de sensibilização contínuo junto destes proprietários. “Sensibilizámo-los para a responsabilidade que estes têm nas dinâmicas urbanas, mas também para fazê-los perceber que o relançamento da actividade económica lhes traz uma valorização patrimonial”, relata. A ajudar ao processo esteve o facto de estas lojas estarem “nas mãos de famílias tradicionais locais e que foram sensíveis a uma responsabilidade quase histórica que têm na vila”. A reacção acabou por ser “uma surpresa muito agradável”.

Depois do acordo com os proprietários, as lojas ficam à guarda da câmara municipal de Melgaço, sob a jurisdição do programa e exclusivamente para esse fim. No caso de precisarem de pequenas intervenções de reabilitação, como pintura, arranjo de fechaduras ou substituição de vidros partidos, estas são asseguradas pela autarquia. “Este é, de facto, o pequeno investimento que o município faz em reabilitação e é o suficiente para dotar o espaço das condições de habitabilidade”, refere o responsável.

Preparada a loja, cabe depois ao grupo de trabalho local a missão de encontrar projectos de negócio “para acarinhar e colocar nesses espaços”. Nessa escolha, José António Lopes diz “não haver requisitos base, mas há constrangimentos base”, não sendo, por exemplo, possível acolher actividades que exijam espaços com licenciamentos específicos, como restauração ou bares.

Neste projecto, o comércio pré-existente na vila tem também um papel e, para estes lojistas, foi criado o estatuto de “apoiante”. “Não queríamos que pensassem que se estava a criar concorrência desleal e os comerciantes compreenderam logo que era melhor ter as ruas cheias do que vazias e, para além disso, a publicidade gratuita que damos nas redes às lojas pop-up também se estende ao que já existia”, esclarece.

Com a chegada da pandemia e durante a declaração do estado de emergência, as lojas pop-up estiveram encerradas, tal como os restantes estabelecimentos. Mas o grande impacto, conta José António Lopes, fez-se sentir nos bastidores do projecto. Durante o confinamento, foi impossível realizar as reuniões necessárias. Candidaturas, gestão corrente de problemas, etc., foi tudo resolvido à distância, mas sem a ajuda necessária do grupo local de trabalho”, recorda. Chegado ao fim desse período, os trabalhos já retomaram e as lojas pop-up voltaram a abrir, agora com as precauções de segurança sanitária exigidas. Inclusivamente, o início de Julho ficou marcado pela inauguração de mais duas lojas.

Em sequência da pandemia, a duração do projecto, que terminaria no final de 2020, foi alargada por mais seis meses. Durante o tempo que resta, o grupo local de trabalho já tem um objectivo traçado: continuar a sensibilizar os proprietários para ter mais lojas “disponíveis para acarinhar” o empreendedorismo comercial.

Uma abordagem inovadora para um problema de décadas

Por toda a Europa, cidades e vilas de pequena e média dimensão padecem do declínio do tecido comercial nos centros históricos. As lojas e ruas vaziam acabam por resultar na estagnação da vida local e degradação do edificado. Combater estes problemas não tem sido fácil, até porque, explica o responsável, estas cidades, em virtude do reduzido número de habitantes, são muitas vezes “esquecidas” na aplicação de fundos europeus de grande escala. Por esse motivo, exige-se uma solução diferente.

“Há uma oportunidade que podemos encontrar na Europa fora dos fundos estruturais e os municípios cada vez mais tomam atenção à possibilidade de realizar parcerias com outros municípios à escala europeia”, refere. “Toda a gente tenta dinamizar as lojas vazias, mas o que este projecto traz de inovador é a atitude para com este problema urbano. Em vez de se fazer um investimento intensivo, através da injecção de dinheiro, da subsidiação ou por infra-estruturas ou beneficiação do espaço público próprio, este programa tenta uma abordagem com muito pouco dinheiro. Tentar pensar de forma disruptiva soluções para atacar o problema”, defende José António Lopes.

Para o coordenador, o modelo pop-up tem “muitas vantagens na óptica da gestão pública da coisa: por um lado, temos as lojas ocupadas, ruas com movimento e com soleiras comerciais a funcionar, isto é, pessoas a parar nas montras, turistas que visitam Melgaço pela fama da restauração e que acabam por ter opções de compra no passeio que fazem e isso é bom para todos; por outro, um jovem empreendedor pode sempre optar por morar aqui, ajudando a fixar população, e toda a dinâmica económica colateral que isto traz”.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 28 da Smart Cities – Julho/Agosto/Setembro 2020, aqui com as devidas adaptações.