Durante nove dias, de 9 a 17 de Setembro, o bairro lisboeta de Campo de Ourique vai testar o conceito de superquarteirão, uma solução urbanística que revolucionou a mobilidade em Barcelona e começa agora a ser replicada noutras cidades. Poderá Lisboa tornar-se a próxima?

A proposta partiu de um grupo de cidadãos, a propósito das obras do Metro no Jardim da Parada, e acabou por ser bem recebida não só pela Junta de Freguesia de Campo de Ourique, que vai organizar a iniciativa, mas também pela Câmara Municipal de Lisboa, que a apoia. A autarquia já testou a ideia na Praça da Alegria, surgida no primeiro Conselho de Cidadãos, mas tem agora a oportunidade de tirar mais conclusões, precisamente no bairro da capital onde o desenho urbano mais se assemelha à quadrícula rectilínea e ortogonal de Barcelona.

Na cidade catalã, a solução passou por agrupar blocos de nove quarteirões num só, de 400 metros por 400 metros, em que o trânsito fica restrito à parte externa, enquanto as ruas do interior são substituídas por passeios mais largos, ciclovias, áreas verdes e zonas de lazer. Neste caso de Campo de Ourique, o princípio é o mesmo, mas com uma escala mais reduzida que, na prática, elimina a circulação automóvel à volta do Jardim da Parada e transforma uma área verde de 5.400 metros quadrados em cerca de 9.700 metros quadrado livres.

“Com esta proposta, o trânsito toca apenas nas esquinas do jardim e volta imediatamente a sair, possibilitando que as ruas que o circunscrevem passem a ser pedonais e deixe de haver distinção entre a placa central e os passeios, ou seja, cria-se um contínuo de fachada a fachada”, diz a arquitecta e urbanista Rita Castel` Branco, um dos elementos do grupo de cidadãos que começou a promover a ideia. “Como consequência, os oito troços de rua que convergem no jardim deixam de ter tráfego de atravessamento, tornando-se de acesso local. Assim, cria-se um superquarteirão composto pelo jardim e pelos oito quarteirões em volta”, explica um folheto que distribuíram no bairro.

Em cima, o esquema de ciculação atual. Em baixo, o esquema de circulação proposto pelo grupo de cidadãos. (DR)

Também a Junta de Freguesia de Campo de Ourique coloca expectativas elevadas neste teste, acreditando que ajudará a evidenciar as vantagens da solução. Em entrevista à Smart Cities, o Presidente da Junta, Pedro Costa, disse ter “a convicção que, de facto, este é o modelo de futuro para as cidades” e que “tal como mostrou Barcelona, só se conseguem fazer superquarteirões negociando, aparecendo e dando a cara junto das pessoas afectadas”. E poderá Campo de Ourique vir a ser o primeiro bairro de Lisboa com um superquarteirão? “Eu diria que sim, o mais certo é que venha a ser o primeiro bairro a ensaiar este modelo e tenho a convicção muito profunda que o caminho será devolver espaço dos carros às pessoas, portanto, o modelo acabará, mais cedo ou mais tarde, por se espalhar ao resto da cidade”, afirmou o autarca.

Antes deste teste, que amanhã se inicia, a Junta de Freguesia já fez um primeiro ensaio do superquarteirão do Jardim da Parada, ao organizar a iniciativa “Há mais Vida no Jardim”, realizada durante dois domingos (em Junho e Julho). Comparando um e outro, Pedro Costa admite que os resultados foram bem diferentes: “O primeiro mostrou que é possível, mas a comunicação passou tarde por isso estou absolutamente convencido que a maior parte das pessoas julgou que houve uma fuga de gás. Já no segundo, confesso que não estava à espera que corresse tão bem, porque esperava alguma resistência que não aconteceu. O que tivemos foi toda a gente absolutamente convencida dos ganhos com aquela utilização do espaço público”.

Para o Presidente da Junta de freguesia, “as vantagens são óbvias, desde logo porque se aumenta consideravelmente a área do maior jardim do bairro”, enquanto Rita Castel` Branco acrescenta mais argumentos, como “o silêncio que se ganha e a melhor qualidade do ar, além de permitir dar mais liberdade às crianças, que costumam estar sempre cercadas no parque infantil”.

Ambos reconhecem que a diminuição dos lugares de estacionamento poderá deixar alguns moradores descontentes, mas lembram que já está prevista a construção de mais dois parques de estacionamento no bairro, em concreto no Pátio das Sedas e Travessa do Bahuto. Quanto aos fluxos de trânsito, Pedro Costa acredita que “toda a gente acabará por compreender e acabaremos por encontrar uma solução mais ou menos complexa”.

Para avaliar os resultados do teste, será feito um inquérito de satisfação junto de moradores e comerciantes, bem como uma medição do trânsito automóvel nesses dias, em comparação com os restantes. Durante a iniciativa, a Junta de Freguesia também vai organizar vários eventos, como concertos, cinema ao ar livre, um workshop de compostagem e actividades desportivas.

O modelo de Barcelona é replicável?

Quando Barcelona começou a implementar os superquarteirões, na década passada, a ideia gerou controvérsia, mas acabou por vingar, influenciando mesmo outras cidades espanholas a fazer o mesmo, como aconteceu com Madrid. Mas será que também poderá funcionar no resto do Mundo? A questão serviu de ponto de partida a um estudo publicado na Nature Sustainability, que analisou o potencial de aplicação noutras cidades – como Londres, Paris, Roma, Tóquio ou a Cidade de México (Lisboa não fez parte do trabalho) – e concluiu que “muitas cidades têm a oportunidade de redesenhar, pelo menos em parte, os seus bairros e ruas no sentido de se criarem superquarteirões”. “Isso representa uma oportunidade para tornar os bairros urbanos mais atractivos, centrando-se nas pessoas e não nos veículos. Mais espaço para zonas verdes e peões seria um passo importante para cidades mais sustentáveis e habitáveis”, diz Sven Eggimann, autor do estudo e investigador do EMPA (Laboratório de Materiais, Ciência e Tecnologia da Suíça).

De acordo com o trabalho, esta possibilidade foi particularmente elevada na capital mexicana, onde mais de 40% da cidade poderia adoptar o modelo sem provocar grandes alterações no trânsito. O potencial também é considerável em Tóquio que, curiosamente, não tem uma malha urbana regular, mas é densamente povoada e oferece transportes públicos eficientes, bem como em cidades como Madrid, Paris ou Roma. Por sua vez, Atlanta (EUA) não oferece tantas condições, por ter uma baixa densidade, e apenas uma parte da cidade é adequada para o modelo dos superquarteirões.

Fotografia de destaque (Há mais vida no Jardim): © Manuel Levita / Junta de Freguesia de Campo de Ourique